EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Nos tempos da brilhantina.


Nos tempos da brilhantina.

                        Eu não tive blusão de couro, botas como a do Roberto Carlos, eu fiquei fora de muitas coisas da minha época. Tive um casamento que perdura até hoje onde a felicidade mora em meu lar. Não tive lua de mel, o que era isto? Naquela época a rapaziada da minha cidade do interior não sabia de muitas coisas. Papai Noel estava chegando, para nós era época do nascimento de Jesus. Perder a missa do galo era ficar arrependido por todo o ano até que estivéssemos presentes em outra. Pascoa se fazia diferente. Coelho? Chocolates? Nunca tinha ouvido falar. Dias das mães, dos pais, dos avós, do tio, da criança ainda seriam criados. O comercio ainda não tinha pensando nisto. Dizem que nas cidades grandes ou mesmo onde os filhos tinham pais que os mandavam estudar em colégios importantes eram os representantes do Brasil na modernidade.

                  Quem vê hoje nem adivinha o que era naquele tempo. Modernidade? Eu tentei, levantei a gola da camisa para ficar igual ao Elvis Presley. Penteado não dava. Tinha o cabelo seco e crespo. Casei em um dia e a noite fui trabalhar. Moleza? Nunca tive. Ficar aqui e ali cantando Rock and roll tomando uma cervejinha não dava. Dinheiro não sobrava. Mal e mal uma “furrupa” em casa de amigos que hoje se transformou em baladas nas casas famosas do Brasil. Quando os militares resolveram fazer uma revolução e tomar o poder eu fiquei na minha. Tinha outras preocupações. Mulher e filho para cuidar. Trabalhando em turnos, pouca folga salário pequeno. Eu lia as prisões, quase fui preso porque um dedo duro disse que nosso Grupo Escoteiro era comunista. Só porque usávamos lenço vermelho. Cara pintada? Punk? Baderneiros que saem quebrando tudo? Isto nem pensar. Ainda éramos cavalheiros, tirávamos o chapéu para as mulheres, dava o banco do ônibus para elas principalmente os maiores de idade. Puxar a cadeira para uma dama sentar, pagar a despesa, ser educado e prestativo era nosso lema.

                         Criei quatro filhos trabalhando de sol a sol. Nada faltou para eles, mas nunca fui rico. Nunca fui um cara pintada, não tinha tempo para isto. Faltar ao serviço era ser demitido e eu não podia me dar este luxo. Hoje vejo greves de meses. Todos recebendo seus salários para ficar em casa. Sei que muitos tem razão, mas receber sem trabalhar? Quem dera eu pudesse fazer isto. Nas grandes cidades não se anda tranquilamente mais. É passeata para todo lado. A maioria resolve e nem comunica as autoridades. Um direito deles? E o meu direito de ir e vir? Só eles tem este direito? Nunca vi tantas passeatas. Ainda bem que ninguém se preocupa em trabalhar. Está recebendo e, portanto tem o direito de infernizar a vida do outro que quer passar. Era outra época, época que os empregos não existiam. Você fazia o primário e os demais só em colégios pagos. Faculdade para pobre no interior? Matuto não tem vez.

                         Mas foi um tempo bom, gostoso, alegre, cheio de vida. A honestidade fazia a vez entre os jovens. Havia a preocupação com a honra, com o caráter e a boa apresentação. Contar que quando jovem ia fazer meu “fut” (passeio) na praça da cidade é demais. Praça redonda, a rapaziada que tinham condições com seu blusão de couro, sua calça faroeste (jeans ainda não existiam) camisas de mangas compridas com as golas levantadas. Uma turminha cantado baixinho um rock qualquer. Eu na minha simplicidade sem um tostão furado trabalhava com meu pai e ele técnico de rádio sempre tinha um radinho potente para ouvir. Aos sábados os amigos me procuravam, ligávamos um radio na Radio Mayrink Veiga só para ouvir o programa do Roberto Carlos – Hoje é dia de Rock! – Fenomenal. Poucos compravam seus discos de vinil das musicas do momento. Um dia comprei um do Little Richard. Quase furei o disco de tanto tocar.

                             Outra época era feliz. Existia sim os políticos desonestos. A gente ficava a parte. Eles roubavam sorrindo sem você saber. Hoje não se sabe se tem políticos honestos. Cometem um crime e na maioria são soltos. Vão gastar nas Américas, na França e praias famosas do mundo. Eu gostava daquele mundo. Mundo onde sabíamos quem era quem. Cidade pequena os segredos eram difíceis de serem guardados. Só fui ter uma TV lá pelos anos de 1965. Geladeira também. Faziam falta? Claro que sim, mas quem se preocupava? Saudades daquele tempo. Não me importava em receber salário baixo, afinal eu ainda tinha um e muitos não tinham nada. Esta luta de hoje sei que vale a pena. Mas apenas para uma classe. Quem não pode fazer passeata, quem não pode ter representantes vive e morre com o que tem.


                               Não sei se existe termo de comparação. Mas se pudesse escolher preferiria meus Tempos da Brilhantina. Eu era feliz e não sabia! 

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Eu já fui professor primário.


Conversa ao pé do fogo.
Eu já fui professor primário.

                   Foi uma experiência fantástica. Ser professor e ver alunos querendo aprender é uma situação agradabilíssima. Agora fui professor, mas de pessoas humildes, quase todos acima de vinte anos e muitos de cinquenta a oitenta anos. Pode? Acho que poucos se lembram do programa governamental de formação de adultos. Na época era chamado de MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) foi um projeto do governo brasileiro, criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida".
Criado e mantido pelo regime militar, durante anos, jovens e adultos frequentaram as aulas do MOBRAL, cujo objetivo era proporcionar alfabetização e letramento a pessoas acima da idade escolar convencional. A recessão econômica iniciada nos anos 80 inviabilizou a continuidade do MOBRAL, que demandava altos recursos para se manter. Seus Programas foram assim incorporados pela Fundação Educar em 1985, ano de seu fim.

                       Sim, isto mesmo, um professor do MOBRAL. Se nas grandes cidades servia-se de pilherias e zombarias por aqueles que eram contra os militares, onde eu estava era uma fonte da juventude para aqueles que queriam pelo menos adquirir uma noção de assinar seu nome, quem sabe ler um pouco e escrever uma carta aos seus que moravam longe dali. Eu naquela época era gerente de uma Fazenda, lá pelos lados do norte de minas e conhecia boa parte dos moradores, na maioria meeiros, pequenos sitiantes que nas margens do Rio das Velhas resolveram construir seus casebres e constituir família. Pessoas simples, sempre com um sorriso, sempre a dizerem Senhor, e até hoje tenho o orgulho de ter feito grandes amigos ali, sem contar que fui padrinho de dezenas de crianças cujos pais me honraram com um convite.

                        Fazia quase dois anos que vivia uma vida incrivelmente bela, mas muitas vezes calmas demais. Quando a noite chegava, o silencio tomava conta onde morávamos. Havia luz sim, mas de um Velho “Jirico” que usávamos o motor e somente à noite ligávamos ou não dependendo a necessidade. Como tinha uma geladeira a gás, uma TV a bateria que só mostrava chuviscos, e três lampiões gás não precisava de mais. Afinal tinha meu radinho à pilha para ouvir a Voz do Brasil ou um programa noturno na Radio Nacional. Sentar na varanda, ver o sol se pondo, ter a disposição um céu de estrelas incrivelmente belo valia toda a escuridão da noite com seus grilos e sapos coaxantes na lagoa distante. Lembro que a noticia do MOBRAL foi muito comentada na Voz do Brasil. Pensei com meus botões quem sabe posso ter aqui na fazenda uma escola assim? Dito e feito, a ideia maturou e coloquei mãos a obra. Não pedi licença ao Presidente da Companhia, um erro meu, pois acreditava ser ele um nacionalista brasileiro e não seria contra a ter uma escola em sua propriedade.

                       Comentei com os vaqueiros, disse que era a escola era aberta para quem quisesse. Os que se interessassem deviam fazer uns banquinhos simples para sentar e os deixariam no Galpão número dois para não dificultar levar e trazer. Fui à cidade de Pirapora e na prefeitura local me informaram de tudo, até mesmo uma ajuda de custo tinha, coisa de meio salário mínimo. O dinheiro foi usado para comprar materiais para a escola. Deram-me material para começar para vinte alunos. Chegou o grande dia. Às seis e meia começaram a chegar a cada canto da fazenda. A cavalo, de charrete, de bicicleta e a pé. Casais, solteiros, até filhos maiores. Assustei com o numero, não esperava tantos interessados. Na primeira noite mais de quarenta, na segunda sessenta, na terceira chegamos a oitenta. Fechei as inscrições. A prefeitura de Pirapora não me negou os materiais faltantes.

                     Deram-me apostilas para usar e aprendi muito a ensinar pessoas mais velhas. Foi divertido pegar nas mãos trôpegas de alunos que durante o dia capinaram suas roças, fizeram seus trabalhos de campo, plantaram, colheram e ao lusco fusco da noite partiam em busca do saber. Foram quatro meses maravilhosos. Começávamos as sete e terminávamos às nove e meia. Dona Noêmia de setenta anos me pagou com um lindo sorriso quando aprendeu a assinar o nome. Para ela uma apoteose de uma vida analfabeta, que só assinava fazendo uma cruz ou mergulhando seu dedo em uma tinta para fazer seu reconhecimento digital. Em quatro meses não aprenderam o necessário. Faltava ainda pelo menos um ano para ler e escrever. Havia sim, os mais adiantados. Muitos começaram a ler as cartilhas, alguns já fazendo seus exercícios com a tabuada tão decorada. Contas de somar e diminuir.

                  Recebi um recado do presidente da Companhia – Louvável Osvaldo seu espirito em dar luz a estas pessoas, ensinando a ler e a escrever. No entanto por motivos que irei comentar quando for ai, termine tudo. Feche a Escola. Tem duas semanas para isto! – Levei um choque. Não espera dele tal atitude. Mudou minha concepção de homem empreendedor. Os alunos não acreditavam quando disse que a escola ia acabar. Houve choros, lágrimas e tristeza geral. Aos domingos minha casa enchia de amigos alunos para conversar e reclamar da atitude do presidente. Enfim, a escola acabou. Quando sai da fazenda dois anos depois, mais de quarenta ex-alunos foram a minha casa para despedir. Eu era um Chefe Escoteiro, sabia como tratar adultos e pais. Mas como professor nunca tive a honra de ensinar o ABC. Foi demais, na partida lágrimas verteu dos meus olhos. Elas só pararam quando atravessei a Barragem de Três Marias quatro horas depois.


                        Não discuto e nem quero fazer uma celeuma das vantagens e desvantagens do MOBRAL. Se for invenção de militares que assumiram o poder tudo bem, mas olhar nos olhos de uma plêiade de pessoas sedentas em aprender, pessoas simples, humildes que não tiveram a oportunidade de ser alfabetizados, eu dei e daria sempre meus aplausos aos criadores de ilusões. Ilusões ou não, nunca esqueci Dona Noêmia que me olhou e sorriu quando conseguiu assinar seu nome! Velhos tempos, um Velho Escoteiro não esquece. Um Chefe sabe o valor de um sorriso de um jovem e eu agora que fui um professor nunca esqueço um sorriso de alguém que quer aprender o ABC acreditando que ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever. Eu fiz e tenho grande orgulho de ter feito!

sexta-feira, 7 de agosto de 2015


Um dia de felicidade.

Já estou indo dormir. Precisava escrever um boa noite como faço sempre para aqueles que me querem bem. Mas escrever o que? Minha mente procurou no passado e no presente e foi então que me lembrei de hoje à tarde. Ela tricotava na varanda da casa absorta em seus pensamentos. Onde ela estava àquela hora? Eu também ali sentado a olhava com aquele carinho de quem ama e sabe ser amado. Tentei penetrar na sua mente. Impossível. Atravessei como o vento a escala do tempo me lembrando de tudo que vivemos juntos. Brincamos de escoteiros, passeamos nas estradas do nosso país, engolimos cidades e vilas, quantas vezes de mãos dadas andamos pelas praias que visitamos a espera de um por do sol? Quase sete anos namorando. Hora de casar. Pedi sua mão em casamento e ela sorriu. No sábado seguinte enfrentar a “fera” minha linda sogra que se tornou uma amiga para sempre.

Casamos nos conformes, nem nos tocar nós podemos. Minha sogra ali a olhar e dizer: deixem para quando chegar a hora na casa de vocês. Hã quantas historias para contar. Quantas dificuldades, quantas alegrias quantas viagens e mudanças à procura de um emprego melhor. Quase 51 anos de casados. Aprendi a respeitar e amar muito esta minha mulher. Uma vida juntos, uma família criamos e agora ela com seus sessenta e oito e eu com meus setenta e quatro sem perceber envelhecemos, mas entre eu e ela somos como dois jovens amantes que sabem que nosso amor é eterno. Eu a olhei de novo. Será que faremos setenta anos de casados? Bodas de diamante? Acho que não. Não viverei tanto, mas lá na minha estrela cadente, vou aguardar a chegada dela. Quando tudo começou eu não sei, mas sei que nunca vai terminar. Ela levantou a cabeça e sorriu para mim. O que foi marido? – Sorri sem graça. Não disse nada, mas em pensamentos eu lhe disse: Te amo, não posso viver sem você!


Boa noite!

domingo, 12 de julho de 2015

A festa Junina no sertão.

                   Nestes meses de frio, de inverno, pipocam por todo lado às festas juninas. Cada uma mais bela que a outra. As do nordeste são especiais. Eu gosto delas mais para tomar um ponche, comer batata doce, pipoca, quentão e tantas guloseimas mais. As cidades do interior se enfeitam com bandeirolas, as quadrilhas são preparadas para não fazer feio, o delegado sempre é escolhido pelo seu maior bigode. E o padre que vai celebrar o casamento? Tem que ter cara de padre. Risos. O pai da nova agarrado na espingarda velha como a dizer: - Ou casa ou morre! A menina com seu vestidinho de chita, véu e grinalda toda serelepe esperando seu amado para lhe beijar e alianças lhe dar. Há um pensamento vago ou abstrato que assim é nossa população da roça. Muitos fomentam que no passado era assim e a festa junina além de divertida traz boas lembranças de nosso folclore.

                   Nunca esqueci a primeira festa junina que fui quando Gerente de uma fazenda em Pirapora Minas Gerais. Trabalhei lá por quase cinco anos, campeando, varando estradas vicinais a cavalo, comprando e levando gado para o nosso rebanho. Foi divertido, mas não pensem que eu era um entendido em fazenda. Não era não. Mesmo com minha vivencia Escoteira tive que aprender a montar, a arriar uma mula, uma égua e um bom cavalo manga-larga, ou um crioulo, ou mesmo um quarto de milha simples. Eram quase dez mil cabeças de gado. Fazenda de cria recria e engorda. Quando lá cheguei não sabia distinguir uma res ou um garrote macho ou femea nos seus quatro ou cinco meses de vida. Mas a vida era maravilhosa, quando na primeira vez vi o nascimento de um potrinho e de um bezerrinho me entusiasmei. Achei que nunca mais iria sair daquela vida do sertão.

                   Mas voltemos à festa junina no sertão. O Seu Geraldo “Veio” era homem simples. Fazendeiro, sua fazenda fazia divisa com a Fazenda da Líder que eu gerenciava. Era um fazendeiro a moda antiga, sempre pitando seu cigarrinho e nunca disse não quando era época da vacinação contra aftosa. Dava um trabalhão danado. Não era fácil, campear o gado na área da mata das largas e na baixada dos Rios das Velhas e São Francisco, vacinar e levar para outra larga durante um mês inteiro era trabalho duro. Os dois filhos do seu Geraldo Veio eram homens sempre prestativos. Nilo era o mais letrado, mas bom de campeio. Nós tínhamos nove vaqueiros e três tratoristas. Todo mundo caia no campeio no mês da vacinada. Seu Geraldo tinha três filhos sendo uma moça já casada. Ela que morava na cidade convenceu seu pai a fazer uma festa junina no terreiro da casa sede onde ele morava. O boato correu de boca em boca. Festança na fazenda do Seu Geraldo “Veio”. Foi um tal de preparação da vaqueirada, da moçada da roça, até Antônio Vaqueiro e Chico Pousada fizeram um terno. Simples é claro, mas diziam no convite que todos deveriam estar a caráter.

                Muita gente me procurou para saber o que era o tal de vestir a caráter. Ao meu modo expliquei que era uma festa na roça e todo mundo deveria vestir como um homem do campo, um roceiro. Mas quá acho que não entenderam muito bem. Eu Célia e os meninos chegamos na fazenda do Seu Geraldo Veio lá pela oito da noite. Pouca gente da cidade, mas todos com a cara sardenta, pintada, homens de roupas rasgadas, costuradas, chapéu de palha solta, gravatas esquisitas e os roceiros da redondeza assustados. Eles diferente, as moças que moravam na roça estavam de calça jeans, cabelos escovados, sapatos nos trinques e os homens a maioria de terno ou de camisa de manga comprida, calça de Jeans ou de tergal. Todos muito bem apresentados. As caminhonetes de Pirapora e Várzea da Palma começaram a chegar, centenas de pessoas das duas cidades. Até de Montes Claros e Várzea da Palma veio gente. Os comes e bebes rolando para todo lado. A turma da roça sempre olhando para o povo da cidade e se perguntando: - Onde arrumaram estas roupas.

                 Eu mesmo tirei um tempinho para olhar melhor, os da cidade pareciam os da roça e os da roça da cidade. Um paradoxo não? Foi então que cheguei à conclusão que a festa estava deslocada, teria de ser na cidade e não na roça. A festa foi até às duas da manhã com Seu Geraldo de saco cheio porque ninguém queria ir embora. Sua filha o chamando de mal educado. Ele cansado, lascou seu trinta e oito e deu quatro tiros para cima. A “carraiada” das duas cidades cheia de gente se mandaram dali. Logo a festa acabou. O povo da roça rindo. No dia seguinte muitos me perguntando se os tiros eram para valer naquelas festas da cidade. Festas da cidade... Pensava que era da roça. A gente aprende e desaprende. Não esqueço a moçada da roça vendo a dança da quadrilha. Uma cutucou a Célia? O que é isto Dona Celia? Quadrilha Mocinha. Na roça dançam assim. Ela olhou para a Célia espantada. Morava na roça e nunca vira aquilo.


                    Na fazenda do Seu Geraldo Veio nunca mais aconteceu uma festa junina. Nas redondezas também não. Na fazenda da Líder eu sabia que o diretor não ia aprovar. O que ele gostava era de pescar com linhada na lagoa e levar para casa uns cinco pintados e uns outros tantos de surubim. Adorava também me chamar para descer o rio das Velhas até o Velho Chico (Rio São Francisco). Adorava ver a correnteza e a gente no barco a motor da fazenda descia quilômetros e quilômetros voltando à noitinha. Fiquei gerenciando a fazenda por quase cinco anos, foram os melhores anos da minha vida. A falta de perspectivas de boas escolas para meus filhos me fizeram vir para São Paulo. Celia e os meninos vieram dois meses antes. Quando no último dia da minha vivencia naquelas terras, já com meus bagulhos na Variante, meus dois pastores alemães acomodados na parte de trás, olhei para o morro do Guaçu, o único que fazia divisa com a fazenda. Fiz minha saudação Escoteira, lágrimas caíram e fui embora para nunca mais voltar.

sábado, 6 de junho de 2015

Nem tudo que reluz é ouro.


Nem tudo que reluz é ouro.

A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.

                       Acompanho a saga do nosso povo sofrido. Eu sou um deles. Como somos enganados. Acho que não só aqui, mas em muitos países. Sempre alguém querendo aproveitar, ganhar mais sem medir consequências e até onde pode ir. Dizem que sempre tem o dia onde passamos a enxergar o que não víamos. Promessas mil nas horas que antecedem as eleições. Os humildes acreditam e dão seu voto sorrindo. Os anos passam e eles continuam acreditando. Pensando bem até nós que temos um pouco mais de conhecimento ficamos sem saber quando estamos lá na urna tomando a decisão. Não tem jeito. Vou votar nele. Pelo menos ele é assim e assado. Retorno? Tem alguns que sim. Pedidos simples que deveríamos ter o direito de pleitear, mas as dificuldades são tantas que pedimos a eles. E assim os anos vão passando, passando até que um belo dia despertamos. Chega! Dizemos. E eis que surgem os inconformados. Jovens cheios de altruísmo. Esta turma nova nos abriu os olhos! E lá vamos todos reivindicar nossos direitos na rua. De norte a sul de leste a oeste só uma palavra de ordem: - Ocupem as ruas, as praças, passeiem e mostrem que somos unidos. Vamos mostrar a todos que temos nossos direitos.

                         Estou Velho. Muito Velho. Passei por poucas e boas. Sempre acreditei na força da união. Mas já vi muitos fracassos. Não serve de comparação, mas me lembro de um fato acontecido em 1963/64 quando trabalhava na Usiminas. Havia um Setor de Vigilância que se achavam acima do bem e do mal. Eram os donos de tudo. Diziam que eles tinham um porão escondido e ali muitos apanhavam ou morriam. Todos tinham um medo enorme deles. Mas era uma época onde se deixava levar como hoje. Não dizem que aonde a vaca vai o boi vai atrás? Era borduna daqui, dali e reclamar para quem? A própria policia na época diziam também que eram mancomunados. Eu seguia o rebanho. Precisava trabalhar. Tinha mulher e filhos e não podia perder o emprego. Uma época que dávamos bênçãos aos céus por ter um lugar onde mensalmente recebêssemos nosso rico dinheirinho. Um dia pego minha bicicleta e lá vou eu trabalhar. Oito da matina. Portaria quatro tomada. Milhares de peões ali. Que foi? Estão “caçando” vigilantes. Parece que mataram dois de nós! – Ninguém entra ninguém sai. Chega um caminhão cheio de policiais. Na carroceria armada em cima de um tripé uma metralhadora ponto 30. Perigosíssima! A conhecia quando servi o Exercito.

                           Eu fiquei ali olhando abismado. Enfrentar a policia? Os vigilantes? Só vi o estouro da boiada. Gente correndo pra todo lado. Dois soldados abriram fogo com a metralhadora. Vi muita gente ferida. Para dizer a verdade o soldado atirava a esmo em cima de mais de três mil peões. Dizem que morreram oito. Bota oito nisto. Mas contar a verdade para que? Os vigilantes sumiram. A policia se entrincheirou num alto de morro. A usina entregue as baratas, ou melhor, aos peões. Liberdade gritavam todos. Direitos gritavam outros. Dois batalhões militares desembarcaram dois dias depois. Calma. Não entraram na usina. Ficaram nos quarteis. Sabiam que uma faísca iria provocar uma guerra. Ardilosamente um diretor fez contato com o sindicado. - Convidemos os peões para assumir interinamente como vigilantes ele disse. O salário deles será dobrado! Beleza. Eu mesmo aceitei. Estava noivo, duro e precisava montar minha casinha. Trabalhava de doze a quinze horas por dia. O tempo foi passando. Um mês, dois, três e no quarto apareceram os novos vigilantes. Novo uniforme, lindos, gente massuda, altos, fortes e bem treinados.

                       Seis meses depois eu vi que nada mudou. Piorou isto sim. Os novos vigilantes por qualquer coisa pegava pelos cabelos e desce cassetete no lombo. Eu mesmo levei alguns só porque reclamei deles um dia por fecharem os portões cinco minutos depois da hora. Cheguei atrasado. Não me deixaram entrar. A lei do cão de novo em ação. Na cidade e nos bairros a policia não deu folga. Qualquer coisa pau neles os pobres peões. Os valentes peões que um dia se revoltaram pensando que tudo ia mudar voltaram a ser aqueles mesmos a seguir o pai ganso. Dois anos depois me deram um chute no traseiro e me mandaram embora. Até hoje fico pensado que sem um líder nada acontece. Mas se este líder puder ser comprado pior ainda.

                          Hoje estamos vendo uma revolta acontecendo. Sem uma pauta sem uma definição do que deve ser ou como vai ser. Os políticos calados e escondidos em suas cavernas onde tramam como ganhar com esta revolta e melhorar aquilo que querem. Mais poder e mais dinheiro. Podemos acreditar? Claro que sim. Se não houver uma grande mobilização e politização nada vamos conseguir. A boa fé sempre é um caminho. Mas precisamos ver que nada se resolve sem formação e educação. Esta sim é solução final. Quando soubermos quem é quem, quando escolhermos pessoas capazes (como são difíceis de encontrar) poderemos melhorar e chegar a ser uma Suíça onde se vive melhor do que em muitos países. Assim dizem. Mas isto demora. Agora fico esperando que apareçam alguns lideres desta revolta silenciosa. Tenho receio. E muito. Não duvide, mas eles acreditando que podem mudar uma nação poderão ser cooptados por algum partido e apresentados como os novos salvadores. Espero que não. Já vi este filme no passado com as “Diretas já” e o “fora Collor”. Muitos deles se tornaram deputados, senadores e o escambal.

                                De qualquer maneira foi um inicio. Valeu. Sempre vale. Acredito que os lá de cima aprenderam uma lição. Não são imunes de ações por parte de um povo sofrido. Mas não vamos esperar milagres. Nós escotistas temos uma responsabilidade com os jovens. É hora de mostrar a eles o verdadeiro caminho de um homem de caráter, ética e responsabilidade com seu país. Sei que muitos anos e anos irão se passar. Um dia chegaremos lá disto tenho certeza. Valeu tudo que aconteceu e está acontecendo. A solução, no entanto está longe. Tem outros caminhos. Eu sei que vai acontecer de novo. Nada melhor que terminar estes meus pensamentos com o que escreveu Augusto Branco - “Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é "muito" para ser insignificante”.

Pensando em conseguir de uma só vez todos os ovos de ouro que a galinha poderia lhe dar, ele a matou e a abriu apenas para descobrir que não havia nada dentro dela.


domingo, 24 de maio de 2015

Amor de verdade.


Hora de dormir, amanhã é outro dia.
Amor de verdade.

                         Li hoje este pequeno artigo e me interessou. - Um senhor de idade chegou num consultório médico, para fazer um curativo em sua mão onde havia um profundo corte. E muito apressado pediu urgência no atendimento, pois tinha um compromisso. O médico que o atendia, curioso perguntou o que tinha de tão urgente para fazer. O simpático velhinho lhe disse que todas as manhãs ia visitar sua esposa que estava em um abrigo para idosos, com mal de Alzheimer muito avançado. O médico muito preocupado com o atraso do atendimento disse: - Então hoje ela ficará muito preocupada com sua demora? No que o senhor respondeu: - Não, ela já não sabe quem eu sou. Há quase cinco anos que não me reconhece mais. O médico então questionou: - Mas então para que tanta pressa, e necessidade em estar com ela todas as manhãs, se ela já não o reconhece mais? O velhinho então deu um sorriso e batendo de leve no ombro do médico respondeu: - Ela não sabe quem eu sou. .Mas eu sei muito bem quem ela é! Portanto muito mais do que dar coisas aos outros, é preciso dar-se a si mesmo, sua dedicação, seu tempo, seu coração.

                      Eu gosto de ler histórias assim. Na velhice cada um tem a sua história para contar e todas elas são lições de vida. Olho para dentro de mim e vejo uma vida que valeu a pena. Dizem que cada casal de velhos é um só, não existem dois iguais, mas devem ter aos milhares. Criamos eu e Célia quatro filhos. Hoje adultos casados, todos também com seus filhos. A casa ficou vazia. Eu e Célia somente. Não existem mais as crianças correndo, brincando pedindo um doce para a mamãe ou a vovó.  Sem perceber criamos uma química própria entre nós dois para deixar isto no passado. Tem hora que sentimos falta de todos. Dos gritos, choros, sorrisos e pedidos incríveis que nos fazem a criançada. Hoje passamos junto vinte e quatro horas a cada dia um vivendo ao lado do outro. Eu tenho a felicidade em dizer que ela é a melhor mulher do mundo, e ela sorri dizendo que sem mim não seria ninguém. Não saímos por aí de mão dadas, beijinhos nas paradas de ônibus, nas ruas que percorremos. Não nos chamamos de amor, te amo, sou teu e tu és minha. Mas eu e ela sabemos que tudo isto está em nossos corações. Não precisamos dizer, está dentro de nós. Existe uma alegria enorme quando estamos juntos e é paradoxal estamos sim sempre juntos a toda hora.

                    Temos nosso momento de nostalgia, mas logo vem o da alegria quando um sorri para o outro. Conversamos sempre, trocamos ideias, mas não discutimos mais, não precisamos, sabemos o que cada um pensa e sabemos que o amor vale mais que uma discussão inútil. Tudo que poderia levar a uma desilusão do outro com o outro ficou no passado, isto é se o passado foi assim, pois o nosso não foi. Aprendemos a respeitar individualidades, afinal são vinte e quatro horas juntos todos os dias, semanas, meses anos. Somos sinceros um com o outro. Não escondemos nada. Falamos de alegria, falamos de vontades de sonhos afinal não é porque somos velhos que deixamos de sonhar. Tem muitos e muitos anos que nenhum de nós levanta a voz para o outro. Aprendemos que um sorriso vale mais que uma discussão inútil. Aprendemos que a vida é muito mais do que pensávamos antes. Sabemos que um dia um de nós vai partir e mesmo sabendo que a tristeza será demais, aceitamos. Afinal ninguém vive para sempre. Cada ano eu me pergunto: - Até quando meu Deus? Até quando estarei ao lado dela? Sei que será por pouco tempo qualquer partida, mas sei que quem ficar por último vai sofrer muito.

                    Somos um casal de velhinhos. Alguns dizem que somos simpáticos, nos admiram, conversam, mas não entram na nossa vida que pertence a nós. Ela é nossa e não dá para dividir. Graças a Deus mesmo com meus setenta e quatro anos e ela com seus sessenta e oito ainda estamos lúcidos. Sabemos ainda sorrir um para o outro. Sabemos entender um ao outro. Nos amamos como dois amantes no começo da vida. Sabemos até onde ir para não machucar. Deus até hoje nos deu uma vida onde cada um pode ajudar o outro. Sei que a vida não é só isto, tem muito mais. Passamos juntos poucas e boas. Às vezes caímos juntos e juntos levantamos. Temos um único propósito fazer o outro feliz. Esta é a química que nos leva a felicidade todas as horas dos dias. Ainda não me considero um exemplo de vida. O passado vem de vez em quando me lembrar onde devo melhorar. Ela também faz o mesmo. Os poetas dizem que a vida nos dá lições que só se dão uma vez. Isto basta para aprender e não cair mais.

                       A maioria das pessoas só aprende as lições da vida, depois que a mão dura do destino lhe toca no ombro. É hora de recomeçar. Somos sim um casal de velhinhos que moram sozinhos em uma casinha pequena onde reina a felicidade. De vez em quando eu choro e ela também. Choramos juntos agradecendo a Deus por ter nos dado no fim da vida um ao outro. Não preciso dizer quanto a amo, e ela também. A voz que dita isto está no coração, ele sabe o que quer e diz o que tem de dizer. Não somos exemplos para ninguém, cada vida é uma vida, cada destino é um destino. Mas eu rezo e peço a Deus que possa dar a todos os casais de velhinhos uma vida melhor no fim de seus dias. Não a riqueza, mas a compreensão, o amor e o respeito. Ninguém precisa de riqueza no fim da vida nem de viagens e compras impossíveis. Cada um é cada um, e eu desejo mesmo que todos os casais na velhice que ficam sozinhos, que tenham a felicidade que eu e minha Célia temos.

Desculpe nosso pequeno desabado, o intuito é levar a alegria aos que já chegaram a nossa idade ou estão chegando. Eu e Celia não escondemos que não somos os casais de velhos perfeitos. Nosso exemplo pode não servir para outros. O que fizemos o que fazemos e o que ainda temos de fazer fica determinado no muro da eternidade. Eu e ela se Deus assim o permitir iremos viver juntos para sempre aqui ou lá na estrela brilhante do céu onde é nossa morada e juntos ficaremos por toda a nossa existência!


Boa noite meus amigos, uma linda segunda que se aproxima. Eu e Célia o grande amor da minha vida desejamos a todos uma semana cheia de felicidade. Eu sei que eu e ela estaremos sempre felizes, aconteça o que acontecer! Ninguém precisa de riqueza para ser feliz basta amar e amar muito todos os dias na terra ou no céu. Durmam com Deus!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.


Hora de dormir, amanhã um alegre despertar...
Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.

                       Muitos o chamavam de Seu Manezinho, mas ele me disse que era Zezé. Da Maria porque era sua mulher. A roça é assim. Tonhão? Da Santinha. Adelaide? Do Zózimo vaqueiro. Totonho? Vaqueiro. Totonho? Da Linda de Rio Feliz. Apelido mesmo quase nenhum. Lá eles não gostam disto claro salvo um ou outro como o Bastião Cocar. O danado não queria trabalhar e só vivia atrás de pássaros e bichos para comer. Um preguiçoso. Muitas vezes o chamei para uma empreitada e ele dizia – “Bigado” Sô Osvardo. Esta semana num dá! Zezé da Maria não era assim. Um trabalhador. De sol a sol. Idade indefinida alguém me disse que tinha mais de oitenta. Uma parte da cerca da Larguinha caiu com as chuvas. Mais de trezentos metros. Ele aceitou consertar. - Seu Zezé, melhor chamar mais um. Não vai ser fácil. Ele me olhou de soslaio, cuspiu um naco de fumo no chão me deu as costas e se foi. Sinal que o ofendi. De manhã lá estava trabalhando. Em cinco dias terminou. Paguei com gosto.

                      Foram cinco anos que eu fiquei como gerente de uma fazenda de cria recria e engorda. Quase dez mil cabeças de gado. Uma vida maravilhosa. Para mim um oásis de felicidades. Como aprendi ali com os moradores do local. Gente pobre, sem estudo, mas cada um com coração de ouro. E meus filhos? Para eles nunca ouve nada igual. A gente podia confiar. Dona Maria me contava muitas coisas de Zezé da Maria. Sempre pitando seu cigarrinho de palha. Lembro quando Sarduá um vaqueiro que admiti e por sinal ninguém queria bebeu tudo que tinha direito. Avisaram-me que ele estava correndo atrás da mulher do Coluna, meeiro do Seu Gerardo Véio. Bêbado que nem uma égua. Em quinze minutos a C-10 me levou até lá. Coluna desmaiado sangrava. Sarduá vermelho gritava que queria a mulher do Coluna. Zezé da Maria estava de braços abertos, dizendo – Se entrar na casa do Coluna te quebro no meio! Desci do carro correndo. – Carma seu Osvardo ele disse. Sarduá se passar daqui é um homi morto. Zezé da Maria tinha mais de oitenta anos. Ele mesmo não sabia sua idade real. Seus braços e pernas todos marcados de mordidas de cobras e escorpião. Ele ria quando contava. Pegava Cascavel com a mão, segurava no rabo e girava sobre a cabeça. A cobra era jogada tonta em um tronco de árvore e quase não conseguia rastejar.

                  Fiquei lá cinco anos. Ele adorava cuidar do jardim e da horta da Celia. Era bamba para matar um capado. Sabia destrinchar e fazia linguiças que até hoje nunca vi igual. Eu levantava as cinco da matina para ir trabalhar com a vacada parida na Curralama e ele já estava de enxada na mão trabalhando. Precisavam ver o jardim da Célia. E a horta? Cada mamão que nem vou contar. Goiabas enormes, pé de couve com mais de quarenta centímetros. Risos. Tomates que pareciam laranja Bahia. Melhor parar, vão achar que estou blefando. Nunca o vi doente. Nunca nem a Dona Maria. Em qualquer hora do dia lá estava ele com uma enxada na mão. Nunca o vi reclamar, dizer qualquer coisa que pudesse ofender alguém. Simples, honesto, trabalhador costumava ficar sentado na varanda da minha casa, e ali contava histórias e histórias e o tempo custava a passar. Eu adorava. Prestava uma atenção enorme. Muitas vezes eu e Celia levávamos os filhos dormindo para seus quartos e voltávamos para ouvir mais. Todos gostavam dele. Sai da fazenda e ele que nunca vi chorar, pela primeira vez deixou uma lágrima correr quando disse adeus. Não disse nada. Na porteira da fazenda lá estavam os amigos que fiz alguns chorando e outros acenando. Danada de saudade que eu sinto até hoje. Nunca mais vi Zezé da Maria. Um dia um amigo de Pirapora, aquela que é dona do Velho Chico, me escreveu contando as novidades. – Seu Zezé da Maria morreu. Dona Maria também. Os dois foram encontrados abraçados no barraco onde moravam. Barraco? Uma tapera de barro coberta com folha de coqueiro.

Hoje não sei por que me lembrei dele. Lembrei-me da fazenda. Tempos bons. Um dos melhores da minha vida. Tantas histórias eu vivi. Melhor é ir dormir. Sono, muito sono.


Boa noite meus amigos amigas. Durmam bem! 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um cafezinho por favor!


Um cafezinho, por favor!

                        Final da década de cinquenta. Dezenove anos. Desempregado. Precisava trabalhar. Consegui um emprego. Não sabia onde estava me metendo. Queria trabalhar e outros queriam me matar. Isto mesmo. Apontador de horas na Techint. Uma empresa de Engenharia e Construção. Renovando e asfaltando a Rio Bahia. Um mês de trabalho. Ninguém me avisou nada. Horas pagas erroneamente o apontador era o culpado. Serviço do Pessoal inocente. Antes de mim dois foram para o hospital e quatro sumiram para nunca mais voltar. Todos me olhavam de esguelha. Escoteiro que era achei que me achavam interessante. Putz!  Sai pagamento. Eu recebi o meu. Você podia pegar tudo e por no bolso. Não havia roubos. O acampamento nosso era próximo a Alpercatas. O dia amanheceu e eu de pé para iniciar o trabalho. Uns oito ali na porta do alojamento me esperando – Mocinho! Tá faltando dinheiro! – No meu também! Um por um foram reclamando. O Encarregado me falou baixinho – Corra o mais que puder e se esconda. Se não conseguir é um homem morto. Era bom nisto. Não me pegaram. Corri até Alpercata e lá peguei carona para minha cidade. Juntei-me aos quatro que nunca mais voltaram para juntar sua tralha nem para dar baixa na carteira profissional. Risos.

                       Seis meses depois viajava de trem para Dom Silvério interior de Minas. Época que a Estrada de Ferro Leopoldina cortava quase todo o Brasil. Agora era promotor de vendas. Melhor, um reles vendedor de livros. Uma serra ligava uma cidade à outra. Em linha reta se fazia a pé em uma hora e meia, mas de trem era três horas. Paramos em uma estação. Não ia descer. Na janela uma morena de olhos verdes e cabelos negros ondulantes me ofereceu cafezinho em um copo de vidro. – Só um real moço! Caramba, era linda demais. Precisava ver de corpo inteiro. Desci do trem. Era mestre para subir com ele andando. Ela sorriu para mim. Que corpinho lindo! Quinze? Dezesseis? Por aí. – tomei um café, depois outro, brincando disse – Te dou cinco reais por um beijo! – Ela fez beicinho. O trem ia saindo. Dei um breve beijinho no rosto dela e sai correndo. Peguei o trem e pensei que seria o beijo mais lindo que tinha dado. Fui sonhando até a próxima estação.


                       O trem apitou. Encostou-se à plataforma. A garotada gritando – Goiaba, banana manga! Pão com Carne, Pastelzinho, churrasco! Olhei pela janela e lá estava ela de novo. Como? Ela voava? – Cafezinho moço? Ou um beijinho? – Surgiu na janela um garoto forte, alto com uma garrucha na mão. – Beije aqui moço! É de graça! – Nossa Senhora! O que é isto? O trem foi saindo de mansinho. Um tiro ecoou e bateu no vidro da janela do outro lado. Um túnel e uma descida. Mãe de Deus! Salvei-me desta. Um velho ao meu lado explicou que era só atravessar uma garganta, menos de cinco minutos e passava de uma estação a outra. De trem um volta enorme. Aprendi. Nunca mais comprei um beijinho viajando. O pior é que nunca fiz isto! Foi a primeira e única vez em minha vida. Única? Risos. Não sei não...

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A casinha pequenina branca como a lua.


A casinha pequenina branca como a lua.

                      Quando crescemos costumamos rir de nós mesmos dos tempos de criança. Quantas coisas fizemos, traquinagens mil e a cada ano vamos olhando o mundo de outra forma. Algumas marcam para sempre outras se perdem na memória do tempo. Hoje quando vemos a meninada fazendo das suas sempre preocupamos sem pensar que um dia fizemos assim também. E os sonhos juvenis? Eram lindos. O primeiro amor? Dizíamos ser único. Hoje me veio à lembrança de quando a vi pela primeira vez. Eu entrando nos meus dezesseis anos ela nos treze anos. Foi um namoro de mais de um ano sem um toque, sem uma fala sem sentir a respiração do outro. Incrível não? Outra época.

                  Morava em um barracão em forma de L. Na parte mais curta era meu quarto. Minhas duas irmãs e meus pais moravam na outra parte do barraco. Não tínhamos água encanada. Uma cisterna com uma bomba manual. Todos deveriam antes de tomar banho e quando sair de casa, dar duzentas “bombadas”. A caixa não enchia, mas se mantinha pela metade. Era um bairro afastado da cidade. Novo ainda. Em frente ao nosso barracão uma pequena construção. Acompanhei parte por parte como se fosse minha construção. Minha morada. Em meus sonhos nós tínhamos casado. Sonhava em ter minha casinha, pintada de branco, cercas de madeira também caiada de branco, um portãozinho simples que deveria ranger quando eu chegasse a casa. Era um aviso. Pensava em vê-la abrir a porta, dar aquele sorriso e dissesse – Oi meu amor correu tudo bem com você? Filhos? Muitos!

                        Tudo sonho. Meu trabalho era ajudar meu pai. Mas meu sonho me mostrava como um grande técnico em consertos de radio. Fazia um curso. Um sonho que durou por muito tempo. Quando um dia falei com ela quando senti seus lábios próximos aos meus, quando senti a maciez da sua mão mais e mais sonhava com a casinha caiada de branco com rosas vermelhas na janela. Quatro anos depois nos casamos. A casinha onde fomos morar não era caiada de branco. Era verde, dois cômodos, um quarto e uma cozinha que servia de sala. Banheiros no fundo do quintal. Ela com seus dezesseis anos e eu com meus vinte e um. Acredito termos vividos os momentos mais felizes de nossas vidas. Nunca moramos em uma casinha com cercas e portão caiados de branco. Algumas tínhamos rosas, violetas e bromélias, mas nunca brancas.


                    O tempo passou. Moramos em muitas moradas. Em todas elas fomos felizes. Nunca pintei nenhuma delas de branco. O sonho de passado ficou só na lembrança. Quando parti da minha cidade, a que estava sendo construída e nos meus sonhos era minha, não foi terminada. Soube que os noivos terminaram. Um casamento que não deu certo. Se ela está lá hoje não sei. Mas ainda nos meus sonhos a vejo pintada de branco, com um belo jardim florido e os meus quatro queridos filhos brincando com seus velocípedes, com suas bolinhas de gude e eu e ela na varandinha, a olhar com amor a felicidade que permanece até hoje. Interessante, nestes sonhos ainda não crescemos. Ainda somos os saudosos adolescentes de outrora. Sonhos que aconteceram. De outra forma. Ainda bem que ela nunca me abandonou e se existir a frase – Foram felizes para sempre – Este sou eu e ela. Graças ao bom Deus!

sábado, 18 de abril de 2015

Onde anda o Zé Neguinho?


Onde anda o Zé Neguinho?

                  Ah o tempo! A gente não percebe e quando percebe ele deu uma volta ou milhões de voltas no mundo só para nos trazer as lembranças de um tempo que já se foi. Zé Neguinho nunca foi Escoteiro. Deveria ter sido, mas seu destino estava escrito de outra maneira. Queira ou não fomos amigos. Amigos que se respeitavam. Brigamos muito, de tapa, de soco, mas de arma branca nunca. Eu e ele sabíamos que nenhum de nós dois era melhor que o outro. Acho que a primeira vez que brigamos eu estava com oito anos e ele por aí também. As brigas foram frequentes pelo menos uma a cada dois meses. Nunca envolvi meus amigos Escoteiros em nossas brigas. Mas hoje fico pensando: - Porque brigamos tanto? Não havia ódio, rancores, quantas vezes cansávamos de tanto brigar, ficávamos sentados olhando um para o outro dando belas gargalhadas?

                O tempo passou. Acho há última vez que nos vimos foi em 1966 ou 1967 não me lembro de bem. Faz tempo não? Eu não lembrava mais dele e tenho certeza que ele também não mais se lembrava de mim. Eu viajava em um trem da Leopoldina de Caratinga para Ponte Nova. Lá ia pegar outro trem até Dom Silvério. Meu destino era Barra longa a convite de um Grupo Escoteiro que estava começando. Era Comissário Regional em Minas Gerais e sempre fazia estas viagens pelo interior de Minas. Eu cochilava quando o trem parou em uma estação. Olhei pela janela e vi lá fora dezenas de soldados armados correndo para todo lado. Cercaram o trem. Ouvi alguém gritando alto: - Zé Neguinho! Quem fala é o Capitão Barbosinha.  Você sabe quem sou eu.  Sei que está aí neste vagão. Desça com as mãos para cima. O trem está cercado pela policia! Olhei de lado. Era ele. Cresceu, ficou forte, muito forte, o cabelo grande sempre amarrado em um rabo de cavalo. Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro? O Valente da porrada? É você? Era chamado por ele assim. Levantei e dei nele um forte abraço.

                      O Delegado gritou de novo – Vamos evitar tiros sem necessidade e passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele gritou novamente – Me dá dez minutos delegado e vou descer desarmado e sem reagir, eu prometo. Sentado ao meu lado um senhor de idade. – Ele educadamente gritou no ouvido do pobre coitado. - Suma! O sujeito saiu chispado. Ele se assentou ao meu lado. Ficamos estes dez minutos lembrando-se do nosso passado. A gente dava belas gargalhadas. Lá fora o delegado impaciente. Nunca na vida contei “causos” do passado sob a mira de fuzis. Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu lembrava. Uma turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um porrete na mão. Desceu a burduna na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso dar porrada nele! Ele se levantou e me deu outro abraço, apertado. Chegou a doer. Vi que seus olhos encheram-se de lágrimas. Eu também chorei escondido. Queira ou não tinha por ele uma grande admiração. – Adeus meu amigo. Acho que nunca mais vamos nos ver! Desceu do trem e vi dezenas de policiais apontando armas para ele. Alguém colocou uma algema e ele sorriu. Na plataforma me deu um último adeus usando a cabeça e sorrindo para o delegado!


Não fiquei sabendo dos seus crimes ou roubos. Não havia jornal na minha cidade para informar. Mas Zé Neguinho me marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci. De vez em quando procuro aqui na internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter morrido. Se fosse hoje quem sabe eu poderia ter descido e conversado com o Delegado. Quem sabe poderia ter ajudado. Não o fiz. Será que resolveria? O destino não se mede pelas ações, mas sim pelo que se fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a felicidade. Seu sorriso sempre foi contagiante e dizem que quem sabe dar um lindo sorriso também é feliz.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Hora de dormir, amanhã é outro dia... Viver!



Hora de dormir, amanhã é outro dia...
Viver!

                     Frequentemente me perguntam quantos anos tenho. Mas isso que importa? Tenho a idade que quero ter e sinto. A idade em que posso gritar sem medo do que possa pensar. Fazer o que desejo, sem medo do fracasso ou do desconhecido. Tenho a experiência dos anos vividos e a força da convicção dos meus desejos. Que importa quantos anos tenho! Não quero pensar nisso… Uns dizem que já sou velho e outros que estou no apogeu. Mas não é a idade que tenho, nem o que dizem as pessoas, mas o que meu coração sente e o meu cérebro diz.

                    Tenho os anos necessários para gritar o que penso, para fazer o que quero, para reconhecer velhos erros, retificar caminhos e aferrolhar êxitos. Agora, não têm mais porque dizer: És muito jovem… não conseguirás. Tenho a idade em que as coisas se olham com mais calma, mas com o interesse de continuar crescendo. Tenho os anos em que os sonhos se começam a acariciar com os dedos e as ilusões se convertem em esperança. Tenho os anos em que o amor, às vezes é uma chama louca desejosa de consumir-se no fogo de uma paixão desejada. Outras, um remanso de paz como a praia ao entardecer. Quantos anos eu tenho? Não necessito dizer um número, pois, meus anseios alcançados, os triunfos conseguidos, as lágrimas que pelo caminho eu derramei ao ver as ilusões desfeitas… Valem muito mais do que isso.

                     Que importa se cumpro vinte, quarenta, sessenta ou setenta! O que importa é a idade que sinto. Tenho os anos que necessito para viver livre e sem medos. Para seguir sem temor pela vereda, pois levo comigo a experiência adquirida e a força de meus desejos. Quantos anos eu tenho? Isso a quem importa? Tenho os anos necessários para perder o medo e fazer o que quero e sinto.


Boa noite meus amigos e amigas, um sono leve delicioso e um despertar com muita paz e amor no coração.

domingo, 5 de abril de 2015

Como vivíamos antes de 1945?



Como vivíamos antes de 1945?

                    Esta é uma crônica que li a tempos na internet. Achei interessante. Apesar de que em vez de 1945 eu diria que boa parte poderia ir até 1955. Eu vivi muito disto, uma época diferente, gostosa, simples, sem afetação e sem medo. Sem contar o sem dinheiro. Bem deixa o cronista falar mais sobre a época e que época! Linda demais.

                   - Eis uma pergunta interessante Muitos jovens ao ouvirem esta crônica vão argumentar: -  “Ora, vim da mesma maneira que viveram nossos antepassados”. Será mesmo? Tudo bem, o raciocínio está certo. Entretanto vejamos como era a existência antes dos inúmeros eventos que surgiram nestes 70 anos e sem as mordomias científicas de hoje. Nós nascemos antes da televisão, antes da penicilina, da vacina Sabin, da comida congelada, da fralda descartável, do Xerox, do plástico, das lentes de contato e da pílula. Nós nascemos antes do radar, do cartão de crédito, fissão de átomos, raio lazer e canetas esferográficas. Antes da máquina de lavar pratos, cobertores elétricos e ar condicionado.

Nós nascemos antes dos direitos humanos, da mulher que trabalha fora de casa, da terapia de grupo, dos SPAS e dos Flats. Nós nunca tínhamos ouvido falar em vídeo cassete, computadores, vídeo games, “danoninhos” e rapazes de brinco e tatuados. Nós nascemos antes dos antibióticos, dos transplantes de coração e do Viagra. Todavia, mesmo sem este remédio a população decuplicou. Era uma época de famílias numerosas, oito a doze filhos... As moradas só possuíam um banheiro e é fácil de imaginar a fila de espera pela manhã. Casávamo-nos primeiro e só depois morávamos juntos. O casamento não era descartável. Os casais viviam junto durante muitos anos e acreditem, com os mesmos parceiros!

Gente estranha não? Sexo era tabu. Motel? Tornar-se-ia apelido pejorativo de Hotel. Éramos tão inocentes que acreditávamos na existência de Papai Noel... E que a cegonha era mãe de todos os bebês. Nos nossos dias fumavam-se cigarros livremente. Erva era usada para fazer chá, coca era refrigerante, pó era sujeira, Biquíni era uma ilha do Pacífico e sacanagem era palavrão. Embalo era como se fazia para crianças ir dormir, Lambada era chicotada. Fio dental servia para higiene bucal e malhar era coisa de ferreiro. Nós fomos à última geração tão boba, a ponto de que se precisava de um marido para ter um bebê. Além disto, éramos tão ingênuos que cedíamos lugar para uma senhora sentar na condução, abríamos portas para os mais velhos e pagávamos a despesa quando saíamos com a namorada.

A geração de hoje, talvez olhe para nós com cara de espanto, tentando saber como sobrevivíamos com tão poucos recursos e manias estranhas e esquisitas... Bem, nós nos contentávamos com o que tínhamos. Tínhamos o bonde e as praias despoluídas. Quando não era possível ir à Miami, fazíamos passeios à Ilha de Paquetá, Petrópolis, Santos ou Guarujá. Tínhamos as brincadeiras de rua, os bailes de formatura, as novelas da Rádio Nacional. Curtíamos o delicioso namoro no portão, com todo respeito. E as favelas eram apenas temas de belas músicas. Também fazíamos passeios ao Joá, e ao Pico do Jaraguá ou na Barra que era então um grande areal. Existiam muitos terrenos baldios, onde a garotada se divertia e jogava pelada. E o mais importante, andávamos pelas ruas sem medo de assalto ou sequestro.


Parece muito pouco, quase nada comparado com a trepidante época atual. Mas éramos felizes, inocentes, românticos e sem a terrível competição de hoje. Não é de espantar que estejamos hoje confusos e haja tamanha lacuna entre as gerações.
Mas nós vivíamos! Sim, nós vivíamos e continuaremos a viver, apesar das próximas invenções. Henrique Nigri/autor.