EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

sexta-feira, 24 de junho de 2016

O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.


O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.

             Nunca reclamei das diversas estradas que percorri em minha vida. Chorar? Também não. Vivi outra época e tudo que acontecia parecia natural. Claro dor é dor, seja onde for. Mas tem a dor da ferida, a dor da doença e a dor do coração. Não existe época para a dor no coração. Mas é fácil controlar. Dizem que o trabalho é o melhor remédio para todo tipo de dor e eu acredito nisto. Minha vida já foi contada aqui em diversas fases nos artigos postados neste blog. Nem sempre as dores são produzidas por feridas na pele ou uma fratura qualquer. Já senti muitas dores em minha vida. Mas elas foram um bálsamo para meu aprendizado. Já sentei em uma trilha na subida de uma montanha e quase chorei. Motivo? Outra história.  Já cai de uma bicicleta rodando em alta velocidade à noite em estrada de terra em cima de uma cerca de arame farpado. Uma fratura no tornozelo e no braço. Chorei quando perdi um emprego com meu primeiro filho que estava com um ano. O que fazer? Pensei. E assim fui chorando e aprendendo. Aprendi muito com os outros.

              O mundo é uma escola. Quando aproveitamos as aulas que nos são ministradas melhor. Cair, levantar, cair de novo e assim faz parte do nosso crescimento. O que é dor para um nem sempre é dor para outros. Chico Xavier disse que um arranhão em uma senhora acostumado a ser servida, dói mais em uma pessoa simples com uma faca cravada em alguma parte do corpo. A dor não é igual para ninguém. Quando você pensando o que vai ser da sua vida, na janela de uma Chevrolet 55, levando sua mudança em uma estrada esburacada, e ao seu lado sua esposa e seu filho e sem dinheiro até para um lanche você sabe que a dor não é aparente. Ela é profunda. Ela é menor para aqueles quem não tiveram na infância os prazeres dos jovens de hoje. Até mesmo uma simples geladeira, uma TV ou mesmo um fogão a gás não me foi permitido para eu possuir antes dos vinte e seis anos.

                Conheci um homem, integro grande homem que servia de exemplo para muitos. Estudo? Nenhum. Idade? Acima de oitenta anos. Levantava cedo. Antes de o sol nascer. Enxada nas costas. Tentando ganhar a vida. Um dia correram para me dizer que uma cobra Jararaca tinha mordido sua perna. Corri para ajudar. Ele? Olhou-me e disse – Calma seu Osvardo. A dor é pouca. Passei um pouco de fumo e ela logo passará. Não se preocupe. O veneno no corpo deste preto "Velho" não faz efeito! É. Seu Manezinho foi uma figura que me marcou. Nunca vi reclamando da vida. Morava em uma tapera, mas limpa. Com galhos fez bancos e mesas. Sua esposa sempre sorrindo. Uma vez ele pegou uma empreitada de limpar meia légua de cerca da divisa. Precisava. Evitava queimadas se espalharem. Combinamos o preço. Terminada foi a sede da fazenda para receber. Paguei. Dei mais uns trocados. Ele devolveu. O combinado Seu Osvardo foi este e não este!

                Quando sai de lá vi em seus olhos uma lágrima. Uma só. Pela primeira vez segurou minha mão com força. Diferente do passado, do “tarde”, “inté”, “noite”. Pessoas assim eu acho que não se fazem mais. Vi dezenas de outros diferentes. Aproveitadores. O mundo está cheio deles. Bajuladores enquanto acharem que você pode servi-los. Estes são perigosos. Um deles foi o pivô de uma demissão importante na minha vida. Precisava do emprego. Época difícil. Brasil sem nada. Andei estados para conseguir e um fez tudo para me ver pelas costas. Hoje até penso – Quem sabe merecia?

                  Quantos tipos passaram por mim e se foram. Centenas? Milhares? Sei lá! Mas houve muita gente boa. Aos vinte e um tomei uma sova de quatro vigilantes tentando arrumar um emprego. Uma boa alma me defendeu. Consegui o emprego graças a um faxineiro de um olho cego que me protegeu. O paradoxo foi que mais tarde fui promovido a Chefe dos meus espancadores. Sem vingança. Não cabia ali. Olhe, não fui assim tão santo. Aprontei algumas. Se arrependo? Acho que sim. Sabe a maior dor que senti? Uma besteira. Uma bobagem. Jovem ainda nos meus quinze anos vivia em brigas com Zé Neguinho. Tínhamos brigas homéricas. Eu e ele somente. Nos “muques”. Sempre foi uma luta limpa. Ele era bom de soco e eu também. Muitas vezes fiquei de olho roxo. Marcas no corpo. Eu até admirava o Zé Neguinho. Nunca levantou para mim um porrete, uma pedra nada. Porque doeu? Porque pela primeira vez ele e mais quatro me cercaram quando ia para casa a noite. Me deram uma tremenda surra.

                    Um dia perguntei a ele – Porque Zé? Por quê? Sempre foi eu e você! Ele abaixou a cabeça e me disse – Sabe Valente (me chamava assim) até hoje me arrependo. Não sei por que fiz aquilo. A sua maneira foi honesto. Continuamos brigando por muitos anos. Risos. Mas tive muitas dores em todas as épocas de minha vida. Lembro-me delas hoje para dizer que não foi nada. Apenas uma passagem na vida para que eu pudesse aprender. Uma vez quase fui baleado por algum que não fiz. Uma pequena cidade. Vendendo livros. Eu e mais dois. Um deles metidão. Achava ser o gostoso. Cantou a mulher do guarda freio. Jantando na pensão, o marido entra com um trinta e oito na mão e mais dois com ele armados também. Nem conversaram. Abriram fogo. Pulei a janela e foi pernas prá quem vos quero. Sumi da cidade. Deixei tudo para trás. Andei mais de vinte quilômetros a pé. Eles também conseguiram se salvar. O gostosão levou um tiro na “bunda”. Bem feito!

                 Em uma usina siderúrgica em tinha um amigo. Não vou dizer o nome. Ele era um operador de alto forno e eu um programador. A cada três horas havia uma corrida de gusa líquido. Ele e outros faziam as canaletas na areia para o gusa sair do forno e correr até uma abertura e cair em um vagão tipo panela. Dai o vagão era levado para a aciaria. Não se sabe como ele escorregou. Caiu dentro da panela. Gusa liquido. Fervendo. Um estrondo e ele sumiu. Enterraram um pedacinho do gusa onde ele caiu. No enterro chorei. Chorei não pelo gusa, mas pelo seu espírito que estava ali. Sorria eu tinha certeza. Porque estava feliz não sei.


                Difícil escrever aqui tudo. Todas as dores. Foram muitas, mas todas valeram a pena. Se voltasse ao passado não iria fugir de nenhuma delas. Até mesmo quando o pistoleiro enfiou uma quarenta e cinco em meus olhos e disse – Respire devagar, para morrer você não precisa respirar! Deu uma risada, subiu em seu cavalo e sumiu na estrada de Pirapora. Mas dores são dores. Sei de muitos que tiveram mais que eu. Eu um dia vou partir. Lá aonde vou não sei se terei tantas dores, mas se tiver que assim seja. Elas fazem parte da nossa vida!         

quarta-feira, 22 de junho de 2016

As coisas boas que não tem preço.


As coisas boas que não tem preço.

                  Não tem. Posso afirmar com conhecimento de causa. Hoje tirei o dia para lembrar-se do meu casamento. Foi diferente? Acho que não. Igual a tantos outros, mas o casamento no civil foi demais. Meu dinheiro do mês acabou. Como pagar o Juiz de Paz? Apelei para um amigo e ele também não tinha. Na porta do cartório não sabia o que fazer. Ele entrou no cartório e veio com o dinheiro contado para pagar. – Quem lhe emprestou? – Ele riu. Melhor não saber. Eu o conhecia, pois era pai de um Escoteiro do Grupo onde era Chefe. Cumprimentou-me e iniciou a rotina de praxe do casamento no civil. Terminado o paguei com duas notas de cem cruzeiros novos. Ele pegou as duas notas olhou me olhou, olhou para meu amigo, mas sorriu leve e não disse nada. Tinha reconhecido as notas que saíram de seu bolso! Acredite, no pagamento fiz questão de ir lá ao cartório e dizer para ele o que aconteceu. Tem juros? Ele riu e nada disse. Meu amigo recebeu e logo o pagou. Boas lembranças!

                     Eu e Célia viajamos de madrugada para Melo Viana distrito de Coronel Fabriciano onde morava. Tinha um ônibus daqueles antigão, mas o Jovelino do Taxi me disse que me levaria e eu poderia pagar no pagamento. Puxa! As dividas avolumavam. Aceitei, pois tinha quatro malas e difícil levar no ônibus. Hoje tirei o dia para lembrar-se da casinha alugada. Eu a pintei de branco. Estava desbotada. Não tinha cerca e um enorme quintal e bem lá nos fundos ficava a Privada feita de Sapé. Um buraco no chão e madeira para pisar. Dois cômodos. Um quarto e uma cozinha que servia de sala. Sala? Uma cristaleira, uma mesa e caixotes para sentar. Nos primeiros meses fogão a lenha e seis meses depois com muito custo comprei um fogão a gás. E o gás? Dois meses um caminhão passava. Muitas vezes o fogão a lenha quebrava o galho.

                    Era bom demais ter minha casinha, minha esposa, amigos e trabalhar. Sim na Usiminas de turnos alternado. Uma semana à noite, outra a tarde e outra de manhã. Na famosa folga de Oitenta! Não sabem? Oitenta horas, demorava-se quatro semanas para chegar nela, as demais eram 24 e 36 horas. Célia enfrentou tudo com um sorriso nos lábios. Gostávamos da nossa casinha pintada de branco e alugada. Tínhamos quatro caixotes que serviam de cadeiras. Não se esquecer do meu radio de ondas curtas. As tardes ou as noites quando estava em casa ouvir a Radio Mayrink Veiga ou a Radio Nacional. – Adorava quando aos sábados anunciavam: - E ai vem! Hoje é dia de Rock! E Roberto Carlos chegava para comandar. Ah! Velhos tempos, tempos que a gente não esquece mais.


                      Mas um dia a vida me levou para outras plagas. A Usina me mandou embora. Quatro anos, um filho recém-nascido e lá fui eu parar em Vitória. Porto de Tubarão. Apanhei de escorrer sangue para conseguir uma vaga. Foi sorte? Foi o Destino? Um dia conto como foi.