EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

domingo, 24 de maio de 2015

Amor de verdade.


Hora de dormir, amanhã é outro dia.
Amor de verdade.

                         Li hoje este pequeno artigo e me interessou. - Um senhor de idade chegou num consultório médico, para fazer um curativo em sua mão onde havia um profundo corte. E muito apressado pediu urgência no atendimento, pois tinha um compromisso. O médico que o atendia, curioso perguntou o que tinha de tão urgente para fazer. O simpático velhinho lhe disse que todas as manhãs ia visitar sua esposa que estava em um abrigo para idosos, com mal de Alzheimer muito avançado. O médico muito preocupado com o atraso do atendimento disse: - Então hoje ela ficará muito preocupada com sua demora? No que o senhor respondeu: - Não, ela já não sabe quem eu sou. Há quase cinco anos que não me reconhece mais. O médico então questionou: - Mas então para que tanta pressa, e necessidade em estar com ela todas as manhãs, se ela já não o reconhece mais? O velhinho então deu um sorriso e batendo de leve no ombro do médico respondeu: - Ela não sabe quem eu sou. .Mas eu sei muito bem quem ela é! Portanto muito mais do que dar coisas aos outros, é preciso dar-se a si mesmo, sua dedicação, seu tempo, seu coração.

                      Eu gosto de ler histórias assim. Na velhice cada um tem a sua história para contar e todas elas são lições de vida. Olho para dentro de mim e vejo uma vida que valeu a pena. Dizem que cada casal de velhos é um só, não existem dois iguais, mas devem ter aos milhares. Criamos eu e Célia quatro filhos. Hoje adultos casados, todos também com seus filhos. A casa ficou vazia. Eu e Célia somente. Não existem mais as crianças correndo, brincando pedindo um doce para a mamãe ou a vovó.  Sem perceber criamos uma química própria entre nós dois para deixar isto no passado. Tem hora que sentimos falta de todos. Dos gritos, choros, sorrisos e pedidos incríveis que nos fazem a criançada. Hoje passamos junto vinte e quatro horas a cada dia um vivendo ao lado do outro. Eu tenho a felicidade em dizer que ela é a melhor mulher do mundo, e ela sorri dizendo que sem mim não seria ninguém. Não saímos por aí de mão dadas, beijinhos nas paradas de ônibus, nas ruas que percorremos. Não nos chamamos de amor, te amo, sou teu e tu és minha. Mas eu e ela sabemos que tudo isto está em nossos corações. Não precisamos dizer, está dentro de nós. Existe uma alegria enorme quando estamos juntos e é paradoxal estamos sim sempre juntos a toda hora.

                    Temos nosso momento de nostalgia, mas logo vem o da alegria quando um sorri para o outro. Conversamos sempre, trocamos ideias, mas não discutimos mais, não precisamos, sabemos o que cada um pensa e sabemos que o amor vale mais que uma discussão inútil. Tudo que poderia levar a uma desilusão do outro com o outro ficou no passado, isto é se o passado foi assim, pois o nosso não foi. Aprendemos a respeitar individualidades, afinal são vinte e quatro horas juntos todos os dias, semanas, meses anos. Somos sinceros um com o outro. Não escondemos nada. Falamos de alegria, falamos de vontades de sonhos afinal não é porque somos velhos que deixamos de sonhar. Tem muitos e muitos anos que nenhum de nós levanta a voz para o outro. Aprendemos que um sorriso vale mais que uma discussão inútil. Aprendemos que a vida é muito mais do que pensávamos antes. Sabemos que um dia um de nós vai partir e mesmo sabendo que a tristeza será demais, aceitamos. Afinal ninguém vive para sempre. Cada ano eu me pergunto: - Até quando meu Deus? Até quando estarei ao lado dela? Sei que será por pouco tempo qualquer partida, mas sei que quem ficar por último vai sofrer muito.

                    Somos um casal de velhinhos. Alguns dizem que somos simpáticos, nos admiram, conversam, mas não entram na nossa vida que pertence a nós. Ela é nossa e não dá para dividir. Graças a Deus mesmo com meus setenta e quatro anos e ela com seus sessenta e oito ainda estamos lúcidos. Sabemos ainda sorrir um para o outro. Sabemos entender um ao outro. Nos amamos como dois amantes no começo da vida. Sabemos até onde ir para não machucar. Deus até hoje nos deu uma vida onde cada um pode ajudar o outro. Sei que a vida não é só isto, tem muito mais. Passamos juntos poucas e boas. Às vezes caímos juntos e juntos levantamos. Temos um único propósito fazer o outro feliz. Esta é a química que nos leva a felicidade todas as horas dos dias. Ainda não me considero um exemplo de vida. O passado vem de vez em quando me lembrar onde devo melhorar. Ela também faz o mesmo. Os poetas dizem que a vida nos dá lições que só se dão uma vez. Isto basta para aprender e não cair mais.

                       A maioria das pessoas só aprende as lições da vida, depois que a mão dura do destino lhe toca no ombro. É hora de recomeçar. Somos sim um casal de velhinhos que moram sozinhos em uma casinha pequena onde reina a felicidade. De vez em quando eu choro e ela também. Choramos juntos agradecendo a Deus por ter nos dado no fim da vida um ao outro. Não preciso dizer quanto a amo, e ela também. A voz que dita isto está no coração, ele sabe o que quer e diz o que tem de dizer. Não somos exemplos para ninguém, cada vida é uma vida, cada destino é um destino. Mas eu rezo e peço a Deus que possa dar a todos os casais de velhinhos uma vida melhor no fim de seus dias. Não a riqueza, mas a compreensão, o amor e o respeito. Ninguém precisa de riqueza no fim da vida nem de viagens e compras impossíveis. Cada um é cada um, e eu desejo mesmo que todos os casais na velhice que ficam sozinhos, que tenham a felicidade que eu e minha Célia temos.

Desculpe nosso pequeno desabado, o intuito é levar a alegria aos que já chegaram a nossa idade ou estão chegando. Eu e Celia não escondemos que não somos os casais de velhos perfeitos. Nosso exemplo pode não servir para outros. O que fizemos o que fazemos e o que ainda temos de fazer fica determinado no muro da eternidade. Eu e ela se Deus assim o permitir iremos viver juntos para sempre aqui ou lá na estrela brilhante do céu onde é nossa morada e juntos ficaremos por toda a nossa existência!


Boa noite meus amigos, uma linda segunda que se aproxima. Eu e Célia o grande amor da minha vida desejamos a todos uma semana cheia de felicidade. Eu sei que eu e ela estaremos sempre felizes, aconteça o que acontecer! Ninguém precisa de riqueza para ser feliz basta amar e amar muito todos os dias na terra ou no céu. Durmam com Deus!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.


Hora de dormir, amanhã um alegre despertar...
Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.

                       Muitos o chamavam de Seu Manezinho, mas ele me disse que era Zezé. Da Maria porque era sua mulher. A roça é assim. Tonhão? Da Santinha. Adelaide? Do Zózimo vaqueiro. Totonho? Vaqueiro. Totonho? Da Linda de Rio Feliz. Apelido mesmo quase nenhum. Lá eles não gostam disto claro salvo um ou outro como o Bastião Cocar. O danado não queria trabalhar e só vivia atrás de pássaros e bichos para comer. Um preguiçoso. Muitas vezes o chamei para uma empreitada e ele dizia – “Bigado” Sô Osvardo. Esta semana num dá! Zezé da Maria não era assim. Um trabalhador. De sol a sol. Idade indefinida alguém me disse que tinha mais de oitenta. Uma parte da cerca da Larguinha caiu com as chuvas. Mais de trezentos metros. Ele aceitou consertar. - Seu Zezé, melhor chamar mais um. Não vai ser fácil. Ele me olhou de soslaio, cuspiu um naco de fumo no chão me deu as costas e se foi. Sinal que o ofendi. De manhã lá estava trabalhando. Em cinco dias terminou. Paguei com gosto.

                      Foram cinco anos que eu fiquei como gerente de uma fazenda de cria recria e engorda. Quase dez mil cabeças de gado. Uma vida maravilhosa. Para mim um oásis de felicidades. Como aprendi ali com os moradores do local. Gente pobre, sem estudo, mas cada um com coração de ouro. E meus filhos? Para eles nunca ouve nada igual. A gente podia confiar. Dona Maria me contava muitas coisas de Zezé da Maria. Sempre pitando seu cigarrinho de palha. Lembro quando Sarduá um vaqueiro que admiti e por sinal ninguém queria bebeu tudo que tinha direito. Avisaram-me que ele estava correndo atrás da mulher do Coluna, meeiro do Seu Gerardo Véio. Bêbado que nem uma égua. Em quinze minutos a C-10 me levou até lá. Coluna desmaiado sangrava. Sarduá vermelho gritava que queria a mulher do Coluna. Zezé da Maria estava de braços abertos, dizendo – Se entrar na casa do Coluna te quebro no meio! Desci do carro correndo. – Carma seu Osvardo ele disse. Sarduá se passar daqui é um homi morto. Zezé da Maria tinha mais de oitenta anos. Ele mesmo não sabia sua idade real. Seus braços e pernas todos marcados de mordidas de cobras e escorpião. Ele ria quando contava. Pegava Cascavel com a mão, segurava no rabo e girava sobre a cabeça. A cobra era jogada tonta em um tronco de árvore e quase não conseguia rastejar.

                  Fiquei lá cinco anos. Ele adorava cuidar do jardim e da horta da Celia. Era bamba para matar um capado. Sabia destrinchar e fazia linguiças que até hoje nunca vi igual. Eu levantava as cinco da matina para ir trabalhar com a vacada parida na Curralama e ele já estava de enxada na mão trabalhando. Precisavam ver o jardim da Célia. E a horta? Cada mamão que nem vou contar. Goiabas enormes, pé de couve com mais de quarenta centímetros. Risos. Tomates que pareciam laranja Bahia. Melhor parar, vão achar que estou blefando. Nunca o vi doente. Nunca nem a Dona Maria. Em qualquer hora do dia lá estava ele com uma enxada na mão. Nunca o vi reclamar, dizer qualquer coisa que pudesse ofender alguém. Simples, honesto, trabalhador costumava ficar sentado na varanda da minha casa, e ali contava histórias e histórias e o tempo custava a passar. Eu adorava. Prestava uma atenção enorme. Muitas vezes eu e Celia levávamos os filhos dormindo para seus quartos e voltávamos para ouvir mais. Todos gostavam dele. Sai da fazenda e ele que nunca vi chorar, pela primeira vez deixou uma lágrima correr quando disse adeus. Não disse nada. Na porteira da fazenda lá estavam os amigos que fiz alguns chorando e outros acenando. Danada de saudade que eu sinto até hoje. Nunca mais vi Zezé da Maria. Um dia um amigo de Pirapora, aquela que é dona do Velho Chico, me escreveu contando as novidades. – Seu Zezé da Maria morreu. Dona Maria também. Os dois foram encontrados abraçados no barraco onde moravam. Barraco? Uma tapera de barro coberta com folha de coqueiro.

Hoje não sei por que me lembrei dele. Lembrei-me da fazenda. Tempos bons. Um dos melhores da minha vida. Tantas histórias eu vivi. Melhor é ir dormir. Sono, muito sono.


Boa noite meus amigos amigas. Durmam bem! 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um cafezinho por favor!


Um cafezinho, por favor!

                        Final da década de cinquenta. Dezenove anos. Desempregado. Precisava trabalhar. Consegui um emprego. Não sabia onde estava me metendo. Queria trabalhar e outros queriam me matar. Isto mesmo. Apontador de horas na Techint. Uma empresa de Engenharia e Construção. Renovando e asfaltando a Rio Bahia. Um mês de trabalho. Ninguém me avisou nada. Horas pagas erroneamente o apontador era o culpado. Serviço do Pessoal inocente. Antes de mim dois foram para o hospital e quatro sumiram para nunca mais voltar. Todos me olhavam de esguelha. Escoteiro que era achei que me achavam interessante. Putz!  Sai pagamento. Eu recebi o meu. Você podia pegar tudo e por no bolso. Não havia roubos. O acampamento nosso era próximo a Alpercatas. O dia amanheceu e eu de pé para iniciar o trabalho. Uns oito ali na porta do alojamento me esperando – Mocinho! Tá faltando dinheiro! – No meu também! Um por um foram reclamando. O Encarregado me falou baixinho – Corra o mais que puder e se esconda. Se não conseguir é um homem morto. Era bom nisto. Não me pegaram. Corri até Alpercata e lá peguei carona para minha cidade. Juntei-me aos quatro que nunca mais voltaram para juntar sua tralha nem para dar baixa na carteira profissional. Risos.

                       Seis meses depois viajava de trem para Dom Silvério interior de Minas. Época que a Estrada de Ferro Leopoldina cortava quase todo o Brasil. Agora era promotor de vendas. Melhor, um reles vendedor de livros. Uma serra ligava uma cidade à outra. Em linha reta se fazia a pé em uma hora e meia, mas de trem era três horas. Paramos em uma estação. Não ia descer. Na janela uma morena de olhos verdes e cabelos negros ondulantes me ofereceu cafezinho em um copo de vidro. – Só um real moço! Caramba, era linda demais. Precisava ver de corpo inteiro. Desci do trem. Era mestre para subir com ele andando. Ela sorriu para mim. Que corpinho lindo! Quinze? Dezesseis? Por aí. – tomei um café, depois outro, brincando disse – Te dou cinco reais por um beijo! – Ela fez beicinho. O trem ia saindo. Dei um breve beijinho no rosto dela e sai correndo. Peguei o trem e pensei que seria o beijo mais lindo que tinha dado. Fui sonhando até a próxima estação.


                       O trem apitou. Encostou-se à plataforma. A garotada gritando – Goiaba, banana manga! Pão com Carne, Pastelzinho, churrasco! Olhei pela janela e lá estava ela de novo. Como? Ela voava? – Cafezinho moço? Ou um beijinho? – Surgiu na janela um garoto forte, alto com uma garrucha na mão. – Beije aqui moço! É de graça! – Nossa Senhora! O que é isto? O trem foi saindo de mansinho. Um tiro ecoou e bateu no vidro da janela do outro lado. Um túnel e uma descida. Mãe de Deus! Salvei-me desta. Um velho ao meu lado explicou que era só atravessar uma garganta, menos de cinco minutos e passava de uma estação a outra. De trem um volta enorme. Aprendi. Nunca mais comprei um beijinho viajando. O pior é que nunca fiz isto! Foi a primeira e única vez em minha vida. Única? Risos. Não sei não...