EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Lembranças gostosas que ficaram no tempo...



Lembranças gostosas que ficaram no tempo...

Hoje deixei minha mente viajar ao passado. Tem hora que cada um de nós aprendemos sem nunca pensarmos que estamos aprendendo. São coisas da vida e a vida nos dá lições para que nunca mais esquecermos. Vida feliz, família unida, meus dezessete anos e ainda considerado um jovem a busca de si mesmo. A escola ficou para trás, minhas raízes acreditava ser outra. Um erro que cometi. Se o destino fosse outro quem sabe não seria o que sou hoje. Um trabalho simples. Ajudando meu pai. Meu pai, grande homem. Humilde, simples caladão. Entendia meu ponto de vista, era como ele soubesse que cada um de nós tem uma missão. Sem saber o meu destino deixava o tempo mostrar até onde eu iria.

Era seleiro. Fazia selas para animais. Eu o ajudava no que podia. Fazer um cinto, uma meia sola em uma botina, um desenho nas abas das selas. Sempre um trocado no final de semana. Pouco mal dava para pagar uma entrada no cinema ou gastar no meu escotismo fantástico. Notei que em suas horas de folga ele estudava muito. A noite ficava até tarde com seus livros de estudo. Um belo dia foi a uma cidade onde tinha um amigo seleiro e vendo tudo. Não foi uma grande venda, pois seu amigo era pessoa simples como ele. Alugou um ponto pequeno bem próximo da avenida principal. Mandou fazer uma placa – Radio-técnico – Consertamos rádios e aparelhos elétricos.

Assustei, ainda eram poucos os que tinham um radinho. Um mês depois chegou um homem que não era da nossa cidade. Nas mãos um radinho de pilha. Deus do céu! Nunca tinha visto um. Papai virou mexeu e consertou. Grande homem meu pai. Um cursinho e de seleiro agora era um Técnico em Radio. O tempo foi passando. Ele não ficou rico, mas não deixava nos faltar nada. Eu pensei comigo porque não ser também um? Porque não ler os livros dele? – Ele riu. Não filho. Você tem de se inscrever no mesmo curso que fiz. Uma carta para o Instituto Monitor em São Paulo foi o inicio. Achei que seriam peças, desenhos técnicos, mas não foi nada disto. Primeiro uns livrinhos de matemática, caramba, nunca gostei de matemática, mas li e reli um por um. Mandava semanalmente as respostas pedidas.

Desisti cedo. Era sós equações, multiplicações e olhe hoje sou bom em cálculos graças aqueles livrinhos. Mas não continuei. Ainda ajudava meu pai. Sabia ver se uma válvula tinha queimado trocar uma ou outra peça, mas tudo sob orientação dele. Os trocados semanais continuavam. Um belo dia ele não foi trabalhar. Assim ficou por meses. Eu não sabia de nada. Mamãe chorava sempre e dizia – seu pai está doente. Acho que tenho de levá-lo para Belo Horizonte. Minhas irmãs trabalhando não deixaram faltar nada. Eu abria a oficina. Um ou outro radio até que arrumava, mas sempre na linha do que ele me ensinou. Alguns meses depois decisão tomada. Mudar para Belo Horizonte. Meu pai precisava ser tratado. Diabete. Uma doença desconhecida. Alugaram uma casinha em um bairro de periferia. Hoje nem tanto.

Lá se foi minha mãe meu pai, minhas irmãs. Capazes e conhecedoras logo estavam trabalhando. Eu fiquei com a missão de vender a oficina de meu pai e seus apetrechos. Também nossa casinha que nada mais era que um barracão em L. A gente aprende vivendo o fato. No escotismo é assim. Aprender a fazer fazendo. A casinha vendi logo. Já tinha combinado o preço com minhas irmãs. A oficina não. Tinha lá mais de vinte rádios que estavam para conserto. Precisava localizar os donos. Escoteiros amigos me ajudaram. Fiquei três meses procurando. O que sobrou vendi para outro radio técnico na cidade. Ele me garantiu que se aparece os donos dos últimos rádios que sobraram ele entregaria. Confie pois era homem de palavra.

Não voltei para BH logo depois de tudo vendido. Ofereceram-me um emprego. Venda de livros. Risos. Logo eu, um péssimo vendedor. Quatro meses viajando aqui e ali e o que recebia mal dava para as despesas. Dezoito anos me alistei no exército. Um dia conto todas minhas aventuras lá. Não foram muitas, mas tem algumas interessantes. Terminado o meu tempo e dado baixa fui embora para Belo Horizonte. É a vida nos revela surpresa. Dois meses desempregado. Usiminas está admitindo rapazes. Procurar o setor de pessoal. Lá fui eu. Aprovado. Uma passagem de trem até Ipatinga. Nenhum adiantamento. Uma mala daquelas antigas, um travesseiro enrolado, um cobertor na mochila desembarquei aturdido na estação de Intendente Câmara.

Como aprendi ali naquela Usina. Praticamente meu começo profissional. Tantas coisas aconteceram. Fica para outro conto e alguns já estão aqui neste meu blog. Nunca fui de tomar decisões que poderiam modificar o meu destino. Dizem por aí que se o cavalo estiver encilhado monte. Se não você vai perder a oportunidade de sua vida. Tive muitos cavalos encilhados em minha porta. Nunca montei em nenhum. Não tenho arrependimentos. Não adianta. Começar de novo sim voltar ao passado para recomeçar não.


O tempo lá fora está frio ainda. Venta e isto ajudar a aumentar a sensação de frio. Dizem os meteorologistas que mais três dias tudo vai mudar. Frio, não posso viver com ele. Voltar no tempo. Deixar a mente buscar a historia, historia de uma vida. Boa ou má, interessante ou não. A vida ainda não acabou. Muitas coisas irão acontecer e o passado não pode desaparecer. Que assim seja! 

domingo, 7 de julho de 2013

O meu amigo Carlos. Mais que um amigo.



O meu amigo Carlos. Mais que um amigo.

                  Muitos têm sua própria definição de amigos. Se procurarmos bem cada escritor, cada poeta tem sua própria maneira de descrevê-lo. Eu gosto de muitas que li e guardei comigo para ler de vez em quando. Mas amigos? O que é um amigo? Pergunto-me sempre e me ponho a pensar nos meus amigos que conviveram comigo hoje e no passado. A maioria eu tiraria o chapéu sem sombra de dúvida. Mas quer saber? Eu tive um diferente. Parece que o destino foi quem nos colocou juntos e que poderia ter durado para sempre. Para dizer a verdade nunca soube seu nome completo. Só Carlos o Escoteiro. Ficamos amigos durante três anos e depois nos separamos para nunca mais nos encontrarmos. Não era amigo de infância. Quando penso nele e sua vida depois que o conheci me vem na lembrança passagens que eu nunca mais apaguei da memória.

                            Eu morava em um alojamento de madeira onde dormiam oito homens em camas beliche na Usiminas. Só mesmo tendo sido Escoteiro para enfrentar aquilo. Eu tinha feito vinte e dois anos, mas não tinha medo da vida. Já sabia como enfrentá-la. Meu passado Escoteiro me ensinou muito. Eu trabalhava na “Boca” do Alto Forno um. Dois meses de admissão. Programador. Acompanhava a corrida de gusa líquido até a Aciaria, pesando o “panelão” cheio e caroneando em uma locomotiva a diesel e cá para nós, eu adorava aquilo. No outro turno conheci outro programador, o Raimundo. Mais velho. Nos seus trinta e cinco anos. – Olhe Osvaldo, vejo você falando e falando em escoteiros, tem outro que mora bem próximo ao meu alojamento que também só fala nisto. Todo mundo o chama de Carlos Escoteiro. Quer conhecer? 

                           O inicio de uma grande amizade. Passávamos horas conversando e contando nossas historias escoteiras. Ele tinha sido Escoteiro da Pátria um alto título que poucos no escotismo conseguem. Sua família de Juiz de Fora, seu Grupo Escoteiro também. Em uma semana colocamos as “lambanças” do passado em dia. Mas tudo não parou por aí. Quem é Escoteiro sabe. Não dá para ficar só de lembranças. Éramos novos, tínhamos que fazer os sonhos andarem. Escolhemos um cidade e lá fomos nós montar um grupo Escoteiro. Olha que não foi fácil. Durante toda a vida que vivemos juntos naquela usina sempre trabalhamos em turnos diferentes. Lembro que uma noite eu ia trabalhar pela manhã e ficamos eu e ele até cinco da madrugada para escolher o nome do grupo e a cor do lenço.

                           Nossa amizade era tanta que ficamos no mesmo quarto em uma pensão. Se fosse hoje tenho certeza que iriam nos julgar um casal de gay, mas naquela época não se falava sobre isto. Se quiserem saber, eu e o Carlos nunca fugimos do bom senso da lei do Escoteiro. Ela para nós sempre foi sagrada. O gasto para muitos detalhes e materiais do grupo Escoteiro nós fizemos com nossas pequenas economias A alegria dos primeiros meninos, as primeiras patrulhas as primeira matilhas valiam qualquer quantia gasta. O grupo cresceu. Carlos e eu éramos um só. Nossos salários eram calculados juntos para o que iriamos fazer e comprar. Ele para mim foi um grande expert de lobinhos. Criou na sede escoteira a mais linda Gruta de Lobos que já vi. Lá montou a Roca do Conselho e o bastão totem era sui-generis.

                            Em seis meses tínhamos uma Alcateia completa, uma Tropa e três patrulhas sêniores. Conseguimos na comunidade local vários adultos para ajudar e seis deles foram fazer os primeiros cursos na capital. Eu e ele vivíamos juntos em todas as horas que conseguíamos trocar ideias. Alugamos uma casinha e saímos eu e ele da pensão. Eu ia ficar noivo e sempre estava na cidade onde a Celia morava. Ela tinha uma amiga e o Carlos logo se interessou. Agora melhor. Noiva e amiga juntos. O tempo foi passando. Eu casei e ele também. Enquanto solteiro não saia de minha casa. Almoçava e jantava. Era meu irmão e meu amigo. Tinha este direito. Chegaram a condenar aquela conduta. Disseram que eu estava cego e não via o que acontecia. Pessoas não sabem o que significa amizade. Amizade profunda e sincera. Isto quase destruiu todo o trabalho no grupo Escoteiro.

                               Seu espírito de voluntariado se expandiu. Entrou para o sindicado da Usina pensando em ajudar. Sindicados naquela época eram mal vistos. Tentei alertar, disse que tínhamos um grupo Escoteiro para olhar, tínhamos família, eu já tinha um filho e ele logo teria o seu. Não adiantou. A revolução o pegou de mão cheia e de muitos panfletos do sindicado em sua casa. Foi preso e torturado. Quase o mataram. Abandonaram-no em uma estrada secundária entre Belo Horizonte e Sete Lagoas com as mãos amarradas, com duas unhas da mão arrancadas e mandaram-no correr. Começaram a atirar para cima e a dar gargalhadas. Voltou tristonho e taciturno. Já não era o mesmo Carlos. Sai da Usina. Emprestei a ele metade do que recebi de indenização. Nunca me pagou e nunca cobrei.

                               Alguns anos depois recebi a noticia. Tinha morrido de um horrível acidente no trevo da BR 040 em Juiz de Fora. Comprara um Karman Guia e uma carreta passou por cima. Não fui ao seu enterro. Só fiquei sabendo um mês depois. Chorei por dentro por muito tempo. Sinto falta dele. Das suas risadas, do seu jeito de falar e andar. Um bom sujeito. Um grande amigo. Nunca o esqueci. Até hoje de vez em quando me lembro daqueles tempos. Tempos de ouro. Um escotismo puro sem vaidades e sem trauma de mando ou ser chefão. Um escotismo onde a amizade era sincera e que quando isto existe tudo valeu a pena. De vez em quando me recordo de tudo. Sinto-me feliz em saber que o Grupo Tapajós que demos nosso sangue existe até hoje.


                               Foram três anos e pouco. Três anos que valeram por um eternidade. Conheci depois centenas e centenas de escotistas. Mas como o Chefe Carlos nunca mais vi. Puro nos seus pensamentos, nas suas palavras e nas suas ações. Que Deus o tenha!