EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Histórias de minha vida. O casamento.


Histórias de minha vida.
O casamento.

              Acredito que todos tem uma história para contar do dia do seu casamento. Eu tenho o meu. Devem ter havido centenas e ou milhares como o que vou contar. Mas dizem que o que acontece com a gente sempre tem algum mais importante do que os demais. Sem querer é claro menosprezar ninguém. Mas vamos lá, isto aconteceu em setembro de 1964. Meu namoro durou um ano e o noivado mais um. Trabalhava na Usiminas, ganhando coisa de dois salários como hoje. Duro, queria casar, mas como? Nem os móveis conseguia comprar. Um fato interessante aconteceu, pois uma pseudo revolução da peãozada da usina mandou para a rua seus vigilantes. Eram caçados pelos peões pelas maldades que fizeram. Outra história já contada aqui. A diretoria da Usiminas ficou sem saber qual posição tomar, pois precisava de vigilantes para tomar conta das portarias e outras áreas importantes. Tiveram a feliz ideia de convidar os próprios trabalhadores para a função. A ideia era usá-los por alguns meses até que se formasse um novo corpo de vigilantes.

              Quando soube que pagavam mais 50% sobre o salario e que as horas extras eram liberadas deixei meu serviço no Alto Forno e lá fui eu me tornar vigilante. Deram-me uma guarita próximo ao bairro do Carandiru, bem afastado e eu costumava ficar lá por doze a quinze horas sozinho. Como Escoteiro aprendi a viver só, não foi difícil enfrentar quase três meses naquele fim do mundo. Valeu. Consegui juntar um dinheirinho. Marcamos a data do casamento. Minha sogra queria mais tempo, pois sempre tinha sonhado com uma festa para a filha, mas eu não podia adiar muito. Tivemos um problema, a Celia tinha dezesseis anos e o seu pai sumiu no mundo. Nenhum cartório queria fazer o casamento por ela ser menor e sem autorização do pai. A não ser se algumas providencias fossem tomadas. Publicar em jornais da cidade e da capital notícias dele por três meses. Caramba eu queria casar logo. Não podia gastar mais. Em Melo Viana onde morava meu amigo Carlos que dividia comigo uma república, ou seja, alugamos uma casinha de um quarto, sala cozinha e banheiro bem no fundo do quintal (que foi minha morada por algum tempo com a Célia) conhecia o Juiz de Paz do distrito e me disse que ele faria o casamento. Marcamos na igreja de Valadares cinco dias depois do casamento no civil.

               Minha sogra, minha querida sogra que aprendi a amar como filho era da moda antiga. Nunca deu folga para eu e Celia. Fomos todos e os padrinhos até Mello Viana, fizemos o casamento (ainda não tinha recebido o pagamento e um fato interessante aconteceu – Carlos me emprestou o dinheiro que tomou emprestado do Juiz de Paz que eu paguei com o próprio dinheiro dele – risos) e a Celia e minha sogra voltaram para Valadares. Ela sem o casamento na igreja não deixaria que eu e ela ficássemos juntos. Paradoxo – Casados legalmente, mas sem poder ficarmos juntos. Cinco dias depois foi realizado o casamento na Igreja. Foi um casamento até interessante. A igreja lotada, mas os pernilongos não nos deixavam em paz. Enquanto padre falava eu espantava os pernilongos sem prestar atenção nenhuma no padre.

                Depois do casório uma festinha, doces salgados e um sanfoneiro no quintal dirigia a orquestra. O meu trem iria partir às cinco e meia da manhã. Na estação diversos maquinistas, o chefe da estação, e outros manobristas e funcionários que conheciam minha sogra resolveram atrasar o trem para cumprimentos e cantorias. Paciência. As seis lá fomos nós para Coronel Fabriciano. Toda hora o Chefe do Trem passava para nos cumprimentar. Esteve na festa e bebeu além da conta. Risos. Pela primeira vez em quatro anos juntos eu pude abraçar a Celia. Nunca tivemos esta liberdade. Na chegada não tinha dinheiro para o taxi. Eram três e nenhum conhecido. Esperamos o ônibus. Daqueles antigos e só tinha dois na linha. Esperamos duas horas. Enfim chegamos. A casa onde eu e meu amigo vivíamos foi meu primeiro lar. Ele foi morar na pensão que antes morávamos. Tinha com o dinheiro extra comprado um jogo de quarto, uma mesa para a cozinha, quatro cadeiras e um fogão a gás (Era a lenha antes) e um radio de Ondas Curtas.

               Abri a porta da casa olhei para a Célia e disse – Enfim sós. Sonhava com isto. Mas eis que amigos chefes Escoteiros chegaram. Abraços efusivos. Olhem não foi fácil. Não tinha condições financeiras para uma Lua de Mel. Isto nunca existiu em meus sonhos. Os amigos só foram embora às oito da noite. Dois deles chegaram a almoçar comigo. Eram mais de vinte e se revezavam. As nove sozinhos de novo. Fechei a porta e lá estava ela sendo tocada. Abri. Era o Padre da Paróquia onde tínhamos o Grupo Escoteiro. Ele o Zé Pontes um marceneiro e Chefe Sênior. Ficaram até meia noite. Ao sair eu não aguentava mais. Agora era dormir. Não deu. O Carlos meu amigo e outro Chefe Escoteiro lá estavam na porta. Risos. Foi tudo combinado. Amigos são assim. Falei um palavrão e fechei a porta. Não adiantou. Vários deles eram violeiros. Ficaram até às cinco da manhã cantando, rindo e contando piadas de recém casados.

              São coisas que a gente não esquece. Fui criado sem muitos sonhos de adultos a não ser meu sonho de ter uma casinha pintada de branco, uma cerca de madeira também caiada de branco, rosas brancas e vermelhas, petúnias e sentar as tardes quando podia para ouvir em meu radio de Ondas Curtas a Radio Nacional e Mairinque Veiga. Nenhuma delas existe mais. Belas tardes de sábado quando ficava pregado ouvido o programa de maior sucesso em todo Brasil – Hoje é dia de Rock. Roberto Carlos nos seus primórdios. A vida voltou ao normal. O turno de oito horas me esperava, pois nosso horário na usina era de revezamento – de 8 as 16, de 16 as 24 e de 24 às 8 da manhã. Muitos anos assim. Mas quer saber? Sempre fui muito feliz. Nunca achei que isto era para pobre. Se fosse eu era um pobre rico de amor e de coração.

               Lembranças... Quem não as tem? Elas sim valem a pena voltar no tempo para ver que a felicidade existe. Basta olhar com carinho e analisar – Isto sim valeu a pena. Se pudesse não mudaria nada do passado!

Este ano quero paz
No meu coração
Quem quiser ter um amigo
Que me dê a mão...
O tempo passa e com ele
Caminhamos todos juntos
Sem parar
Nossos passos pelo chão
Vão ficar...

Marcas do que se foi
Sonhos que vamos ter
Como todo dia nasce
Novo em cada amanhecer...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Era uma vez.... em uma fazenda... A historia de Zé Pindoba



Na década de 70, trabalhei por cinco anos, num empreendimento agropecuário no Norte de Minas. Foi uma das melhores épocas de minha vida. Vivi em plena natureza com minha mulher e meus filhos uma situação impar, aquela de estarmos juntos a cada minuto, em todo o tempo que lá estive.

A história contada abaixo pode quem sabe ser somente uma historia. Mas aqui não sei se a história supera a ficção. Quem ler que tire suas conclusões.


“Inté parece qui foi onti, inda me lembro de cumo se fosse hoje. A lua bunita que nem um quejo redondo resfolegava sua craridade por dentro das grades e eu aqui neste buraco sujo com meus pensamentos martratados pela dor da lonjura, me fazia lembrar-se de Rosamaria. Rosamaria, ah! – Meu Deus! Pru que teve qui sê ansim?”


ZÉ PINDOBA, UM VAQUEIRO QUE DEIXOU SAUDADES.

Sô Chico, andava por aqueles vales, correndo e sem enfrentar desafios pela frente. O velho Chico é o nosso amigo que fica lá pelas bandas do norte de Minas, nasce na serra da Mantiqueira e atravessa três estados do Brasil. Um rio que percorre a maior distancia da nascente a foz em todo o mundo. Em cima de uma pequena elevação, avistávamos as gaiolas (embarcações a vapor) indo e vindo, transportando um mundão de gente, de Pirapora até a Bahia. Eram quatro dias descendo e sete subindo. Redes, macacos, galinhas, cargas de toda espécie apinhada no convés.

Pescadores em suas tranas, canoas e caiaques varavam de margem a margem a procura dos grandes ou mesmo pequenos peixes. A força das águas do São Francisco não se compara ao por do sol amarelado de um dia quente, e a apenas meio ou mais quilômetros de suas margens já mostrava um terreno seco, sem vida, a espera de uma chuva que não vinha. O rio ali oferecia muito mais. Acima, corredeiras lindas, abaixo uma praia que refrescava quem se arriscava a pular em suas águas. Bem mais acima, a ponte da estrada de ferro, hoje desativada, que levava a Buritizeiro.

Naquela época se viajava de trem. Maria Fumaça e depois a Diesel. Mais de 8 horas da capital até lá. Após o asfalto, vir de ônibus não demorava mais que 3 horas e meia. O trem, infelizmente foi desativado. Uma pena. Lembro ainda, quando da chegada de uma gaiola, o pequeno porto ficava apinhado de gente, olhando, vendendo, esperando, ou mesmo quem sabe alugando seus braços para mais uma jornada de trabalho. Ali, a chegada da “Baianada” era uma festa.

Foi assim que conheci e vivi próximo àquela cidade, que aprendi a amar, e que nunca mais esqueci. Não sei até hoje como foi que fui parar ali, mas tenho certeza que foi um dos melhores anos de minha vida. Quatro léguas ao norte, no sentido de Montes Claros, a Fazenda São Vicente com seus 22.500 hectares de terra, com suas 3.500 cabeças de gado, fincada as margens do Rio das Velhas e do Velho Chico, fazia divisa com Várzea da Palma, perto da estrada que levava a capital do estado.

Mas não estou aqui para prosa, pois quero é contar uma passagem nesta terra, onde dizem que Cristo passou uma vez e nunca mais voltou. Como não sei quando poderei contar de novo, é melhor aqui falar e falar, da maneira com que vivi e acho que até esqueci. Espero que minhas escritas se espalhem de norte a sul e de leste a oeste, como se fosse o vento ou a brisa de um fogo de conselho, escondido em uma noite qualquer. Mas claro, só para os amigos chegados. Minha vida marcante, como administrador/gerente daquela fazenda, mostrou “causos”, lindas aventuras em cima de um cavalo, belezas nunca vista e depois que de lá saí, nunca mais encontrei neste mundo de Deus algum que se comparava com aquela vida.

Fazenda São Vicente ou do Banco, ou da Líder, dos grandes amigos sinceros e leais, do Nilo, do Geraldo Velho, do sô Manezinho, Antonio Vaqueiro, Geraldo Tratorista, Antonio da Linda, Negão, Geraldinho Vaqueiro, Sarduá e tantos e tantos outros que agora não dá para anotar.

Mas chega de caçenga e vamos aos entretantos.

“O gado, como se fosse um mar de chifres, estava sendo levado para a curralama principal, os mugidos, os pulos saltitantes de um e outro, o corre corre da bezerrada, uma vaqueiro campeia em seu cavalo aqui, outro acolá. Alguém lá na frente canta em voz alta, acreditando que o gado vai seguir o canto conhecido”. Te segura Mané! Pega lá Tonho Vaqueiro! É isto aí, sarta de lado seu bosta!”– Puta que pariu! To porco! Oia vaca veia disgraçada. Aiôô vamos vacada! Mais uma junta de gado. Isto para mim sempre é um espetáculo diferente. Quando fazemos um junta, meus pensamentos voltam no passado e me lembro com saudades daquele cabra da peste. Meu amigo Zé Pindoba.

É hoje faz muitos anos que ele se foi e outros tantos quando o conheci. Para mim, um dos melhores vaqueiros daquelas bandas. Apesar de tudo, da fatalidade do acontecido, de sua brutalidade, nunca, mas nunca mesmo vou esquecê-lo, jamais. Foi lá pelos idos da década de 70, num verão quente de inicio de março, aquele sol seco de quase 40’ graus, os pastos amarelados, sem uma nuvem no céu, que o Zé das Flores, (não se enganem, apesar do nome era muito macho!) um vaqueiro antigo foi embora. Sarduá, aquele que se intitulava vaqueiro chefe e um amigão, me procurou na sombra de um Caquí velho, também já seco:

- Oia seu Osvardo, num tá mole não. Tamo só eu e o Mané na Larguinha com mais de mir res. Tá foda!  Siô sabe qui num é mole não. Campiá na beira do rio, vacada veia, atolada até o jueio só de dois num dá. Assim aperta! – Continuá deste jeito nois tá porco! - Tá bem Sarduá. Sábado vamos a Bom Jesus tentar um homem bom. Quem sabe temos sorte e resolvemos o problema só com uma viagem.

Bom Jesus é afamado pelos seus vaqueiros. Fazendeiro que se preza só contrata naquela região. É um lugarejo de umas 500 almas, com duas ruas. Uma de ida e outra de volta. Uma pracinha simples e uma capela ao fundo. Numa das ruas tinha uma pequena farmácia, o armazém, um pequeno salão onde ficava uma pessoa responsável pela prefeitura da cidade próxima e um cabo da policia militar. Mais ao final da rua ficava o boteco do “seu Teneia”. No boteco, estava eu e o Sarduá. Não havia outros fregueses a não ser um bêbado deitado num canto do salão. Tenéia, o botequeiro, magro, sem bigodes, cabelos ralos e pretos, dentes cariados e amarelados, falava fanhosamente, mostrando um principio de tuberculose, muito comum naquela região.

Tomando de coragem, pedi uma pinga para mim e o Sarduá, forcei a bebida naquele copo sujo, pois de outra maneira sabia que não ia conseguir nada. – Pois é seu moço, tá meio difircil de arrumá um vaquero bom nestas bandas, teve aqui uma cumpania qui levo uns deis homes, junto foi treis vaqueros de primera. Inté qui foi bão num sabe, pois acabô as bagunça na vila e tá tudo Carmo. Memo tomando prejuízo, pois minhas pingas vendo poco. Num tem certeza, mas disse o Marquito onti, que do outro lado do rio tem um bão. Mas acho que num vai não. Tá prantando roça e seu mio tá bunito qui só vendo. Oia aqui só prá nois acho que ele vai perdê tudinho sô moço. Com esse sor... Quá, ele tá porco!

O homem quando começa a falar não parava. Era uma maritaca ambulante! Seu mau hálito enchia o boteco e se deixasse ele falaria a tarde toda. Mas eu precisava de um vaqueiro e não queria voltar de mãos abanando. - Oia, vou falá pru sinhô, incontraro o fio da Fracisca com mais de 30 facada, o bicho tava parecendo uma penera. Ninguém sabi quem foi. O delegado teve aqui e disistiu. Vai tá danado assim nos infernos xente! – Se cotinuá assim nois tá porco!

Falou, falou e falou até que desconfiado me chamou num canto e disse: - Seu moço se o sinhô tá inrascado e quizé tentá a sorte, aí tem um vaquero dos bãos. Não tem iguar nesta bandas. Campeia como o vento. Laça qui nem avião. Trabaia que nem uma mula e sé dé prá matá ele mata. Mas quando bebe, nem o capeta chega perto. É o diabo. Fica valente, prosa e dispois é isso aí que o sinhô tá vendo. Seu nome? Zé Pindoba!

Já tínhamos viajado uns 20 quilômetros numa estrada esburacada, poeirenta e a C-10 não fazia mais que 40 por hora. O sol apesar da tarde ainda estava insuportável. Sarduá comigo na boleia estava calado. Olhos fixos na estrada, pois sempre que eu fazia o que ele não gostava, fechava a cara e dizia – Quá, num sei não. Não teimava. Lá atrás na carroceria ia o Zé Pindoba. Se entendeu bem o que disse não sei. Só sei que depois de jogar na cara dele um balde de água e sacudi-lo bastante, topou vir trabalhar conosco. Não falou bulhufas. Salário, comida, lugar de dormir, não perguntou nada e não pediu nada.

Tinha passado uns dois meses que o Zé Pindoba estava conosco. Sarduá e Mané a principio não foram com a cara dele, mas passado semanas já estavam a elogiá-lo. O homem era um cavalo para trabalhar. Lá pelas quatro da matina já esta de pé e era o primeiro a chegar no curral. Quando chegávamos o gado de leite já estava preso, algumas vacas já desmamadas, a bezerrada berrando atrás da mãe e o Zé Pindoba cantando uma canção que nunca vi ou ouvi. Olhava para nós dava uma risada e dizia, - vai prá merda! –qui turma froxa! Tô aqui a tempo e só agora chega. Puta merda! – Assim vou deixá de dá minha mijada e faço tudo sozinho. E dava outra gargalhada e continuava cantando.

Terminado o serviço no curral, bebia um litro de leite vivo e se mandava para o campeio. Voltava lá pelas onze fazia seu almoço, dava uma cochilada e se manda de volta. Chega só pelas cinco. Não tomava banho (dizia que só aos sábados, pois se não gastava a pele), fazia a janta, sentava a porta do barraco que dei prá ele, acendia seu cigarro de palha, mascava seu fumo tranquilo. No inicio não bebeu, jurou para mim que tinha parado e que iria iniciar vida nova.
- Porra seu Osvardo, nunca fui nada na vida, agora quero miorá. Sinhô tá pagando bem, cumida, õ peste, Se num fazê força num vô cunsigui nada!

Era assim o Zé Pindoba. Toda conversa tinha que ter um palavrão. Não só eu, mas todos viram que ele era um vaqueiro de primeira. Trabalhador, sem frescura, amigo, boa praça, mas seu defeito demorou a aparecer. A principio devagar. E eu mesmo aos poucos já estava perdendo a paciência. Era a danada da bebida. Era difícil de acreditar, pois fazia seis meses que estava conosco e não tinha ainda tomado uma providencia mais severa.

Uma tarde com o sol amarelado e se pondo atrás da montanha do Arrió, eu estava sentado na varanda da minha casa, quando me chamaram as pressas na fazenda do Zeca dos bode. Peguei a C-10 e me mandei. Lá chegando vi o Zé Pindoba com uma garrafa de pinga não mão, bêbado feito uma égua (desculpe as éguas é só uma maneira de falar), querendo de todo jeito agarrar a mulher do Coluna e levá-la para a cama. Coluna coitado, já tinha levado uma cacetada na testa e meio zonzo num canto nem via o que acontecia em redor.

A mulher dele, gritando feito uma danada, com o Zé Pindoba agarrando ela pelos cabelos e arrastando até o quarto da choupana me viu, fungou, olhou de novo e disse – Oia seu Osvardo, vai prá porra, To sem muié a mais de méis e essa aqui vai trepa cumigo. Vê si num trapaia, fais favô. Fui até o carro, peguei o 38 que usava, voltei e disse – Olha Zé, se você não largar essa mulher agora e sair daqui, te meto uns dois balaços no bucho e aí você vai pegar mulher no inferno!

Ele me olhou, serio a principio e depois deu um sorriso debochado, balançando o corpo se aproximou e disse – Quando nasci mãe disse qui era fedaputa, se sô fedaputa tanto faiz morrê agora ou otro lugar. Vô imbora, mas num pensi qui é pru medo do revorve. Vô pru respeito cum sinhô. Me ajudô, me respeitô e dívida é divida. Pegou seu chapéu, olhou para o Coluna, deu uma risada e se foi. Voltei à fazenda e fui até o escritório para fazer a papelada de demissão do Zé Pindoba. Esperei ele curar da bebedeira. Passou a noite e pela manha ele não estava na choupana. Fui para o curral e lá estava ele. Me olhou, olhou os outros vaqueiros e repetiu o velho chavão – Vai prá merda! Qui turma froxa. Tô aqui a tempo e só tão chegando agora? Vai prá puta qui pariu. – Pensei comigo, deixe para lá. Quem sabe ele aprende desta vez.

O tempo foi passando e o Zé Pindoba sempre aprontava mais uma. Uma tarde fui chamado às pressas na curralama da Larguinha e lá chegando, vi o Zé Pindoba com ar debochado, olhos vermelhos (pinga na certa) encostado nas tabuas da cerca e quando me viu olhou, fungou e disse: - Sô Osvardo, num foi curpa minha, a vaca era parida e tirou de valente cumigo. Fui tirá bezerro dela prá tratá umbigo e ela me deu chifrada, quase me arrancô o saco! Tá doendo prá merda! Fiquei puto e dei uma cacetada na testa dela. Ela deito aí e fico cumo o sinhô tá vendo!- A vaca estava morta. Era uma vaca de uns 12 anos, mas achei que agora o Zé tinha passado das medidas. Chamei no Escritório a tarde e dei uma boa de uma sacada nele. Minha intenção era ver se ele me respondia mal e assim demiti-lo. Mas ele não falou nada. Ficou calado o tempo todo. Adiei mais uma vez sua demissão e acho que não tenho culpa do que aconteceu. Ainda acho que foi o destino.

Só quem conhecia o Zé Pindoba como eu podia avaliar melhor. Costumava vir a minha casa, e lá pelas oito da noite desligava o gerador de luz e uma visão sublime de um céu estrelado se abria e ele ficava comigo na varanda, olhando este céu, as estrelas, embriagado com a visão, pois ali estava um espetáculo inusitado. Zé sempre chegava de mansinho ficava comigo olhando, jogando conversa fora. Muitas vezes eu falava como era as estrelas, o céu, o espaço cósmico, falava de uma outra vida, de Deus e tentava mostrar a ele como nós humanos devíamos proceder. Zé, com cara de santo, balançava a cabeça, mas acho que não estava entendendo nada. Explicava o Zé dos animais, do amor a eles e ele fingindo, balançava a cabeça concordando.

Zé Miranda tinha uma cara gorda, baixo, com seus 50 e poucos anos, fala mansa como a não querer nada, sempre com um cigarro de palha na boca, chapéu preto de copa com abas dobradas, roupa comum de vaqueiro, botina clara, pisava macio e tinha muita conversa. E que conversa! Chegou numa segunda feira pela manhã. Fui alertado pela empresa de sua contratação. Sem me consultar diziam que entendia muito de novas aguadas, pastos, plantação de capim de diversos tipos, além de conhecer bem outras culturas. Diziam que seria de boa serventia para mim. Criar problema com isto não seria de bom alvitre. Afinal quem sabe ele poderia me ajudar?

Educadamente ouvi tudo o que dizia, mas sem me fazer de sabido, infelizmente conhecia tudo o que dizia saber. Com meus botões eu falava que aos poucos o colocaria nos eixos. No dia seguinte, pedi ao Zé Pindoba para mostrar a parte mais distante da fazenda. Combinaram em sair bem cedo no dia seguinte e assim foi feito. Iniciaram pelas largas do alto do Rio das Velhas. Não sei não, mas estava adivinhando o desfecho. Alguns acharam que o acontecido fora premeditado por mim e o Zé. De minha parte não.  Mas acho até hoje que tenho culpa. Logo após o serviço na curralama, partiram. Levaram uma marmita cada um, pois a viagem levaria o dia todo. E olhe, veriam somente uma pequena parte da fazenda. Se fossem conhecer tudo, levaria bem uns três dias.

La pelas dezoito horas comecei a ficar preocupado.  Não tinham ainda chegado. Pensei no pior, mas achei que o Zé Pindoba não chegaria a tanto.  Foi dito e feito. À noitinha o Zé chegou e nada do Zé Miranda. Perguntei o que aconteceu e ele disse meio sério e meio fingindo (sorria de leve) que o seu Miranda tinha deixado ele na mata e que iria seguir sozinho, pois sabia o caminho. – Seu Osvardo, quem sou eu prá discordá. Disse também que ele iria dar uma volta no capão da Larga Grande. No capão? Pensei eu. O local é um leito seco, sem água, espinhos para todo o lado, mata fechada e sem saída!

Naquela hora não falei nada. Chamei mais uns 10 vaqueiros e fomos a procurada do Zé Miranda. Levei varias lanternas, pilhas de reserva e claro, meu 38. Quase 3 horas da manhã, rouco de tanto gritar passei pelo Mané, Seu Geraldo Velho, Nilo e nada.  Do Zé Pindoba nem cheiro. O homem também sumiu. Seis da manhã, com o corpo cansado, moído, voltei para a sede, e fui até a cerca do pavão, quando vi o Mané o Zé Miranda e junto o Zé Pindoba. Outros vaqueiros começaram a aparecer.

Zé Miranda parecia um mulambo. Todo arranhado, roupas rasgadas, sangue espirrando na perna, na testa e chingava feito um danado – Se eu não fosse pai de família – dizia – enchia de chumbo o Zé Pindoba! – Ainda lembro-me da cara do Zé, ria baixinho e fingindo não ter culpa dizia – olhe se você não tirasse uma de besta, metido a sabido, não teria perdido. – Falou o Zé Miranda – Perdido sua mãe! Seu cachorro! Você me deixou lá no meio do mato, eu chamei você e você se mandou! – Seu filudaputa! – Seu filodumaegua!

Zé Pindoba fechou a cara virou para o homem e disse mostrando o punhal na cintura – Num tenho pai e mãe nesse mundo. Fui cagado num canto quarquer de um puteiro e se repeti de novo, te abro uma brexa de cabo a rabo! Zé Miranda foi embora naquele mesmo dia. Mais uma vez não mandei Zé Pindoba embora. Desta vez me senti culpado e quem sabe não foi eu mesmo quem armei tudo no meu pensamento?

O tempo foi passando e ele sempre aprontava uma e outra. Eu dizia e ele me respondia dizendo estar arrependido e que não faria mais. Notei que os vizinhos e caminheiros que passavam diariamente pela fazenda rarearam. Davam a volta pela fazenda do Anísio que aumentava em muito a viagem. Motivo? – Zé Pindoba. Um dia estava eu no escritório, todos os vaqueiros no campeio e chegou três homens a cavalo. Um deles se identificou como Delegado de Captura e começamos a conversar. Para melhorar a prosa, peguei uma garrafa de geremum, pinga da boa, feita do outro lado do rio pelo Camberra, que tinha um alambique de primeira.

 Logo começou a me fazer perguntas, sobre um homem. Me descreveu seu tipo, era um vaqueiro daquelas bandas, com o nome de Dionísio da Cruz. Falou que ele tinha umas 15 mortes nas costas. Matou o último num boteco as margens do São Francisco, perto de Buritizeiro. Ele dizia o delegado, era um perigo. Claro nunca matava pelas costas. Usava um punhal e uma garrucha velha, mas sempre pronta a funcionar. Nunca utilizava uma segunda bala. A primeira bastava. Depois de algumas horas se foram, não sem antes pedirem que se ver alguém como ele para logo em seguida contar na delegacia de Pirapora.

Não havia dúvida. Era o Zé Pindoba. Agora o assunto tinha mudado. Sua demissão deveria ser imediata. No entanto era época da vacinação contra aftosa e plantio de roça e achei melhor adiar uns meses. O Zé ficou. Não sei se foi uma desculpa, o que eu estava pretendendo, dar sempre uma nova oportunidade, acreditar no ser humano e quem sabe ele mudaria? Afinal todos sempre todos tem direito a uma oportunidade, mas talvez eu estivesse dando a um homem perigoso e que além de assassino poderia matar alguém na fazenda. Quem sabe até eu.

Um dos maiores defeitos do Zé Pindoba era a maneira com que tratava os animais. Ele achava que o animal veio a terra para servir o homem. Se o cachorro não obedecia, faca nele. Se a galinha não botava ovos, panela para ela. Animal tem que servir o dono seu Osvardo, dizia, ô intonse não vali nada! Em todo campeio lá estava ele, com um laço rodando, pega daqui, corre lá e pumba! Não errava. Jogava a rês no chão, amarrava as patas, olhava as feridas, tratava, desamarrava e dava um belo chute no trazeiro do bicho. “Zé diziam todos, um dia você vai pagar por isto”. – Mas sô Osvardo, foi só um chutinho! E ria desbragadamente. Quá, ele não tem jeito não.

Em meados de maio, não me lembro bem, foi até uma semana boa, pois tivemos algumas chuvas, claro que de manga (chuva por área, chove aqui não chove ali), mas sempre valiam. Quem sabe atrás delas viriam uma chuvarada das boas. Estávamos todo mundo em volta da lagoa, juntando um gado arisco e levando para a curralama da Larga Grande. Comprei uma grande quantidade de vermífugos e aproveitamos para vacinar também contra aftosa. Meu corpo naquela tarde estava todo moído. Mais de quatro dias correndo aqui e ali atrás do gado com os vaqueiros e minha bunda doía naquela cela infernal. Ainda não tinha o calo dos veteranos como me diziam.

Valia à pena, no entanto o espetáculo. Os pássaros assustados, as cascavéis ocultas no cupim, o barulho do gado, a poeira solta, e lá íamos nós levando o gado para o curral. Ali já no corredor (estrada estreita com cerca dos dois lados que terminava na porteira do curral) eu ia atrás, comendo poeira das boas, olhos vermelhos, ouvia alguns cantando suas canções prediletas, e como sempre achavam que o gado ficava manso com aquela maneira de cantar. Zé pindoba ia à frente, e ao chegar na porteira para abrir montado em seu cavalo Beiçudo, viu que ela estava agarrando e não abria.

Fez o que nunca se faz, principalmente com aquela boiada atrás. Desceu do cavalo e forçou a porteira. Tentava e tentava e o gado ajuntando forçando para frente. Claro que o gado sempre para quando vê o homem, mas naquele dia não parou. Foi um verdadeiro estouro!

Anos depois, estava eu de novo na junta, desta vez à frente, e abri com facilidade a porteira claro que a cavalo. O gado parou esperou e andando normalmente foi para a curralama sem correr, sem forçar... – É sempre assim que acontece. Sejas com quem seja.  O gado conhece, ele marca ele respeita.

Um mar de chifres, o céu azul, lá ao longe nas serras distantes algumas nuvens brancas correm rumo ao sol. Quem sabe pode vir alguma chuva. Vamo Redonda! Vamo Risoleta! Oia vaca veia! Aiô gado dos inferno. É eu me sinto bem aqui. No meu cavalo, naquela lida, vendo o tempo passar com a natureza em volta me sinto realizado. Isto me faz continuar aqui. Quanto tempo não sei, sou meio andarilho, hoje aqui, amanhã ali. Mas faz cinco anos que estou nesta lida.

Passo pela porteira que ao lado tem uma cruz de madeira fincada. Me benzo e peço a Deus pela vida dele. A poeira cobre tudo, o suor se mistura. Amanhã é outro dia. Ainda tenho muitas coisas que aprender. Quem diria algum dia que eu dormiria às sete da noite e acordaria às cinco da manhã?

Vamo Risoleta! Vorta Andorinha, vamo gado dos infernos! Oia caraio da porra!

O tempo passou eu passei com o tempo, outras historias aconteceram, mas agora sentado ouvindo o Miguezinho cantando na sombra deste pé de Pequi, começo a lembrar do passado com saudades e pensar que o destino é assim, não tem volta. Cada um escolhe seu caminho. Zé pindoba marcou. Ficou marcado para sempre em minha vida. Tudo é bom enquanto dura e melhor ainda se as lembranças marcam para sempre no nosso coração.