EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O verdadeiro amor existe.


Lembranças...
O verdadeiro amor existe.

                      Liguei a máquina. Lá fora a chuva torrencial trazia boas lembranças. A tela começou a tomar forma. Precisava escrever. A mente passeava em jardins floridos nas montanhas onde passei. Minha história agora tomava forma. Nestas horas cerro os olhos e deixo o corpo pendente como se estivesse em sono profundo. Parecia que nas brumas da minha ilusão alguém me dizia com seriedade: - Chefe você não precisa ser homem ou escoteiro, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo ouvir. Tem que gostar de poesia, da madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto da Cotovia, dos ventos e das canções da brisa. – Não entendia. Quem me falava assim? Quem teve a audácia de dizer coisas tão lindas aos meus ouvidos? – Ele continuou: - Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

                       Seria a Célia? – A voz suave continuou: - Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você acreditou em viver para sempre desde o dia em que nasceu. Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês. Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se à vontade de ficar junto continuar, se apertar o coração, agradeça: Alguém no céu te mandou um presente divino: O AMOR. Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e, em troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, se entregue: - Vocês foram feitos um pro outro. Se por a algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.

                        Era ela tenho certeza. E a voz cantante não me deixou neste sublime momento: - Chefe se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado... E você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas e vocês já velhos de cabelos brancos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados... Se você não consegue ver o dia passar direito e fica ansioso pelo reencontro mesmo morando na mesma morada. Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem esta pessoa ao seu lado. Se você tiver a certeza que vai ficar juntos envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela... Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a partida de um ou outro na hora final da vida. É porque vocês estarão unidos pela eternidade.


                      Fui até o quarto, Célia dormitava sorrindo. Deitei ao lado dela a abracei, um beijo doce e suave nas suas faces. Ela acordou e com aquele seu jeito tão amigo e apaixonado sussurrou: Eu também te amo. Hoje amanhã e por toda nossa vida! Não havia mais nada a  falar...

sábado, 9 de julho de 2016

Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.


Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.

                       Muitos o chamavam de Seu Manezinho, mas ele me disse que era Zezé. Da Maria porque era sua mulher. A roça é assim. Tonhão? Da Santinha. Adelaide? Do Zózimo vaqueiro. Totonho? Vaqueiro. Totonho? Da Linda de Rio Feliz. Apelido mesmo quase nenhum. Lá eles não gostam disto claro salvo um ou outro como o Bastião Cocar. O danado não queria trabalhar e só vivia atrás de pássaros e bichos para comer. Um preguiçoso. Muitas vezes o chamei para uma empreitada e ele dizia – “Bigado” Sô Osvardo. Esta semana num dá! Zezé da Maria não era assim. Um trabalhador. De sol a sol. Idade indefinida alguém me disse que tinha mais de oitenta. Uma parte da cerca da Larguinha caiu com as chuvas. Mais de trezentos metros. Ele aceitou consertar. - Seu Zezé, melhor chamar mais um. Não vai ser fácil. Ele me olhou de soslaio, cuspiu um naco de fumo no chão me deu as costas e se foi. Sinal que o ofendi. De manhã lá estava trabalhando. Em cinco dias terminou. Paguei com gosto.

                      Foram cinco anos que eu fiquei como gerente de uma fazenda de cria recria e engorda. Quase dez mil cabeças de gado. Uma vida maravilhosa. Para mim um oásis de felicidades. Como aprendi ali com os moradores do local. Gente pobre, sem estudo, mas cada um com coração de ouro. E meus filhos? Para eles nunca ouve nada igual. A gente podia confiar. Dona Maria me contava muitas coisas de Zezé da Maria. Sempre pitando seu cigarrinho de palha. Lembro quando Sarduá um vaqueiro que admiti e por sinal ninguém queria bebeu tudo que tinha direito. Avisaram-me que ele estava correndo atrás da mulher do Coluna, meeiro do Seu Gerardo Véio. Bêbado que nem uma égua. Em quinze minutos a C-10 me levou até lá. Coluna desmaiado sangrava. Sarduá vermelho gritava que queria a mulher do Coluna. Zezé da Maria estava de braços abertos, dizendo – Se entrar na casa do Coluna te quebro no meio! Desci do carro correndo. – Carma seu Osvardo ele disse. Sarduá se passar daqui é um homi morto. Zezé da Maria tinha mais de oitenta anos. Ele mesmo não sabia sua idade real. Seus braços e pernas todos marcados de mordidas de cobras e escorpião. Ele ria quando contava. Pegava Cascavel com a mão, segurava no rabo e girava sobre a cabeça. A cobra era jogada tonta em um tronco de árvore e quase não conseguia rastejar.

                  Fiquei lá cinco anos. Ele adorava cuidar do jardim e da horta da Celia. Era bamba para matar um capado. Sabia destrinchar e fazia linguiças que até hoje nunca vi igual. Eu levantava as cinco da matina para ir trabalhar com a vacada parida na Curralama e ele já estava de enxada na mão trabalhando. Precisavam ver o jardim da Célia. E a horta? Cada mamão que nem vou contar. Goiabas enormes, pé de couve com mais de quarenta centímetros. Risos. Tomates que pareciam laranja Bahia. Melhor parar, vão achar que estou blefando. Nunca o vi doente. Nunca nem a Dona Maria. Em qualquer hora do dia lá estava ele com uma enxada na mão. Nunca o vi reclamar, dizer qualquer coisa que pudesse ofender alguém. Simples, honesto, trabalhador costumava ficar sentado na varanda da minha casa, e ali contava histórias e histórias e o tempo custava a passar. Eu adorava. Prestava uma atenção enorme. Muitas vezes eu e Celia levávamos os filhos dormindo para seus quartos e voltávamos para ouvir mais. Todos gostavam dele. Sai da fazenda e ele que nunca vi chorar, pela primeira vez deixou uma lágrima correr quando disse adeus. Não disse nada. Na porteira da fazenda lá estavam os amigos que fiz alguns chorando e outros acenando. Danada de saudade que eu sinto até hoje. Nunca mais vi Zezé da Maria. Um dia um amigo de Pirapora, aquela que é dona do Velho Chico, me escreveu contando as novidades. – Seu Zezé da Maria morreu. Dona Maria também. Os dois foram encontrados abraçados no barraco onde moravam. Barraco? Uma tapera de barro coberta com folha de coqueiro.


Hoje não sei por que me lembrei dele. Lembrei-me da fazenda. Tempos bons. Um dos melhores da minha vida. Tantas histórias eu vivi. Melhor é ir dormir. Sono, muito sono.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.


O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.

             Nunca reclamei das diversas estradas que percorri em minha vida. Chorar? Também não. Vivi outra época e tudo que acontecia parecia natural. Claro dor é dor, seja onde for. Mas tem a dor da ferida, a dor da doença e a dor do coração. Não existe época para a dor no coração. Mas é fácil controlar. Dizem que o trabalho é o melhor remédio para todo tipo de dor e eu acredito nisto. Minha vida já foi contada aqui em diversas fases nos artigos postados neste blog. Nem sempre as dores são produzidas por feridas na pele ou uma fratura qualquer. Já senti muitas dores em minha vida. Mas elas foram um bálsamo para meu aprendizado. Já sentei em uma trilha na subida de uma montanha e quase chorei. Motivo? Outra história.  Já cai de uma bicicleta rodando em alta velocidade à noite em estrada de terra em cima de uma cerca de arame farpado. Uma fratura no tornozelo e no braço. Chorei quando perdi um emprego com meu primeiro filho que estava com um ano. O que fazer? Pensei. E assim fui chorando e aprendendo. Aprendi muito com os outros.

              O mundo é uma escola. Quando aproveitamos as aulas que nos são ministradas melhor. Cair, levantar, cair de novo e assim faz parte do nosso crescimento. O que é dor para um nem sempre é dor para outros. Chico Xavier disse que um arranhão em uma senhora acostumado a ser servida, dói mais em uma pessoa simples com uma faca cravada em alguma parte do corpo. A dor não é igual para ninguém. Quando você pensando o que vai ser da sua vida, na janela de uma Chevrolet 55, levando sua mudança em uma estrada esburacada, e ao seu lado sua esposa e seu filho e sem dinheiro até para um lanche você sabe que a dor não é aparente. Ela é profunda. Ela é menor para aqueles quem não tiveram na infância os prazeres dos jovens de hoje. Até mesmo uma simples geladeira, uma TV ou mesmo um fogão a gás não me foi permitido para eu possuir antes dos vinte e seis anos.

                Conheci um homem, integro grande homem que servia de exemplo para muitos. Estudo? Nenhum. Idade? Acima de oitenta anos. Levantava cedo. Antes de o sol nascer. Enxada nas costas. Tentando ganhar a vida. Um dia correram para me dizer que uma cobra Jararaca tinha mordido sua perna. Corri para ajudar. Ele? Olhou-me e disse – Calma seu Osvardo. A dor é pouca. Passei um pouco de fumo e ela logo passará. Não se preocupe. O veneno no corpo deste preto "Velho" não faz efeito! É. Seu Manezinho foi uma figura que me marcou. Nunca vi reclamando da vida. Morava em uma tapera, mas limpa. Com galhos fez bancos e mesas. Sua esposa sempre sorrindo. Uma vez ele pegou uma empreitada de limpar meia légua de cerca da divisa. Precisava. Evitava queimadas se espalharem. Combinamos o preço. Terminada foi a sede da fazenda para receber. Paguei. Dei mais uns trocados. Ele devolveu. O combinado Seu Osvardo foi este e não este!

                Quando sai de lá vi em seus olhos uma lágrima. Uma só. Pela primeira vez segurou minha mão com força. Diferente do passado, do “tarde”, “inté”, “noite”. Pessoas assim eu acho que não se fazem mais. Vi dezenas de outros diferentes. Aproveitadores. O mundo está cheio deles. Bajuladores enquanto acharem que você pode servi-los. Estes são perigosos. Um deles foi o pivô de uma demissão importante na minha vida. Precisava do emprego. Época difícil. Brasil sem nada. Andei estados para conseguir e um fez tudo para me ver pelas costas. Hoje até penso – Quem sabe merecia?

                  Quantos tipos passaram por mim e se foram. Centenas? Milhares? Sei lá! Mas houve muita gente boa. Aos vinte e um tomei uma sova de quatro vigilantes tentando arrumar um emprego. Uma boa alma me defendeu. Consegui o emprego graças a um faxineiro de um olho cego que me protegeu. O paradoxo foi que mais tarde fui promovido a Chefe dos meus espancadores. Sem vingança. Não cabia ali. Olhe, não fui assim tão santo. Aprontei algumas. Se arrependo? Acho que sim. Sabe a maior dor que senti? Uma besteira. Uma bobagem. Jovem ainda nos meus quinze anos vivia em brigas com Zé Neguinho. Tínhamos brigas homéricas. Eu e ele somente. Nos “muques”. Sempre foi uma luta limpa. Ele era bom de soco e eu também. Muitas vezes fiquei de olho roxo. Marcas no corpo. Eu até admirava o Zé Neguinho. Nunca levantou para mim um porrete, uma pedra nada. Porque doeu? Porque pela primeira vez ele e mais quatro me cercaram quando ia para casa a noite. Me deram uma tremenda surra.

                    Um dia perguntei a ele – Porque Zé? Por quê? Sempre foi eu e você! Ele abaixou a cabeça e me disse – Sabe Valente (me chamava assim) até hoje me arrependo. Não sei por que fiz aquilo. A sua maneira foi honesto. Continuamos brigando por muitos anos. Risos. Mas tive muitas dores em todas as épocas de minha vida. Lembro-me delas hoje para dizer que não foi nada. Apenas uma passagem na vida para que eu pudesse aprender. Uma vez quase fui baleado por algum que não fiz. Uma pequena cidade. Vendendo livros. Eu e mais dois. Um deles metidão. Achava ser o gostoso. Cantou a mulher do guarda freio. Jantando na pensão, o marido entra com um trinta e oito na mão e mais dois com ele armados também. Nem conversaram. Abriram fogo. Pulei a janela e foi pernas prá quem vos quero. Sumi da cidade. Deixei tudo para trás. Andei mais de vinte quilômetros a pé. Eles também conseguiram se salvar. O gostosão levou um tiro na “bunda”. Bem feito!

                 Em uma usina siderúrgica em tinha um amigo. Não vou dizer o nome. Ele era um operador de alto forno e eu um programador. A cada três horas havia uma corrida de gusa líquido. Ele e outros faziam as canaletas na areia para o gusa sair do forno e correr até uma abertura e cair em um vagão tipo panela. Dai o vagão era levado para a aciaria. Não se sabe como ele escorregou. Caiu dentro da panela. Gusa liquido. Fervendo. Um estrondo e ele sumiu. Enterraram um pedacinho do gusa onde ele caiu. No enterro chorei. Chorei não pelo gusa, mas pelo seu espírito que estava ali. Sorria eu tinha certeza. Porque estava feliz não sei.


                Difícil escrever aqui tudo. Todas as dores. Foram muitas, mas todas valeram a pena. Se voltasse ao passado não iria fugir de nenhuma delas. Até mesmo quando o pistoleiro enfiou uma quarenta e cinco em meus olhos e disse – Respire devagar, para morrer você não precisa respirar! Deu uma risada, subiu em seu cavalo e sumiu na estrada de Pirapora. Mas dores são dores. Sei de muitos que tiveram mais que eu. Eu um dia vou partir. Lá aonde vou não sei se terei tantas dores, mas se tiver que assim seja. Elas fazem parte da nossa vida!         

quarta-feira, 22 de junho de 2016

As coisas boas que não tem preço.


As coisas boas que não tem preço.

                  Não tem. Posso afirmar com conhecimento de causa. Hoje tirei o dia para lembrar-se do meu casamento. Foi diferente? Acho que não. Igual a tantos outros, mas o casamento no civil foi demais. Meu dinheiro do mês acabou. Como pagar o Juiz de Paz? Apelei para um amigo e ele também não tinha. Na porta do cartório não sabia o que fazer. Ele entrou no cartório e veio com o dinheiro contado para pagar. – Quem lhe emprestou? – Ele riu. Melhor não saber. Eu o conhecia, pois era pai de um Escoteiro do Grupo onde era Chefe. Cumprimentou-me e iniciou a rotina de praxe do casamento no civil. Terminado o paguei com duas notas de cem cruzeiros novos. Ele pegou as duas notas olhou me olhou, olhou para meu amigo, mas sorriu leve e não disse nada. Tinha reconhecido as notas que saíram de seu bolso! Acredite, no pagamento fiz questão de ir lá ao cartório e dizer para ele o que aconteceu. Tem juros? Ele riu e nada disse. Meu amigo recebeu e logo o pagou. Boas lembranças!

                     Eu e Célia viajamos de madrugada para Melo Viana distrito de Coronel Fabriciano onde morava. Tinha um ônibus daqueles antigão, mas o Jovelino do Taxi me disse que me levaria e eu poderia pagar no pagamento. Puxa! As dividas avolumavam. Aceitei, pois tinha quatro malas e difícil levar no ônibus. Hoje tirei o dia para lembrar-se da casinha alugada. Eu a pintei de branco. Estava desbotada. Não tinha cerca e um enorme quintal e bem lá nos fundos ficava a Privada feita de Sapé. Um buraco no chão e madeira para pisar. Dois cômodos. Um quarto e uma cozinha que servia de sala. Sala? Uma cristaleira, uma mesa e caixotes para sentar. Nos primeiros meses fogão a lenha e seis meses depois com muito custo comprei um fogão a gás. E o gás? Dois meses um caminhão passava. Muitas vezes o fogão a lenha quebrava o galho.

                    Era bom demais ter minha casinha, minha esposa, amigos e trabalhar. Sim na Usiminas de turnos alternado. Uma semana à noite, outra a tarde e outra de manhã. Na famosa folga de Oitenta! Não sabem? Oitenta horas, demorava-se quatro semanas para chegar nela, as demais eram 24 e 36 horas. Célia enfrentou tudo com um sorriso nos lábios. Gostávamos da nossa casinha pintada de branco e alugada. Tínhamos quatro caixotes que serviam de cadeiras. Não se esquecer do meu radio de ondas curtas. As tardes ou as noites quando estava em casa ouvir a Radio Mayrink Veiga ou a Radio Nacional. – Adorava quando aos sábados anunciavam: - E ai vem! Hoje é dia de Rock! E Roberto Carlos chegava para comandar. Ah! Velhos tempos, tempos que a gente não esquece mais.


                      Mas um dia a vida me levou para outras plagas. A Usina me mandou embora. Quatro anos, um filho recém-nascido e lá fui eu parar em Vitória. Porto de Tubarão. Apanhei de escorrer sangue para conseguir uma vaga. Foi sorte? Foi o Destino? Um dia conto como foi. 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Uma janela no meu trem para lembrar.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Uma janela no meu trem para lembrar.

                         A tarde chegou mansamente. Eu a via em minha janela ainda sem aquele sol que brilha nas tardes enluaradas. Eu repousava quieto de olhos abertos em minha cama tentando recuperar as forças que havia perdido nestes dias festivos. São coisas de velhos principalmente os escoteiros que ainda acreditam estar subindo em uma montanha como se fosse aquele jovem menino de outrora. A mente rodava procurando um ponto qualquer no passado para se firmar e ver algum importante para relembrar. Fechei os olhos devagar, uma música suave veio ao meu encontro. Que música era aquela? Lembrei-me de Cary Grant no seu papel de playboy mulherengo e Deborah Kerr uma ex-cantora que viajando em um cruzeiro para a Europa, se conhecem. Apaixonam-se. Mas precisam dar novo rumo as suas vidas e combinam encontrar seis meses após no alto do Edifício Empire State. Se ambos aparecerem o amor é verdadeiro e se casarão. Tarde demais para esquecer!

                       Não resisto às lembranças. Não tive um amor tão grande que não aconteceu em minha vida. O que tive até hoje fomos felizes. Ela está ao meu lado até hoje. “Na Affair To Remember” me marcou muito. A música foi entrando em meu ser. Dominando-me, me senti tonto, inebriado. O piano deslizava em minha fronte tal qual um por do sol na Montanha da Lua onde tantas vezes acampei. Viajei no tempo. Na fila do Cinema Palácios, de braços dados com a Célia. Íamos assistir finalmente Tarde demais para esquecer. Não sabia o que íamos ver, não fazia ideia. Sou emotivo demais. Quando no final ele não a encontrou no Empire State chorei. Ainda não fazia ideia porque ela não foi. Um trágico acidente a impede de ir ao encontro. Ela toma um rumo emocionante e incerto. Saí do cinema perdido em conjecturas e nenhuma me agradava. Não seria eu o Leo McCarey o diretor para mudar tudo no final. Eu era apenas um Escoteiro, emotivo, noivo, amante de sua linda e futura esposa e que vivia a sorrir e cantar na natureza.

                         Vejo-me sentando em uma poltrona viajando no meu trem do passado. A janela aberta, a fumaça do trem volta e meia entra no vagão de primeira classe. Não reclamo. Adoro amo esta fumaça que até hoje me faz uma falta enorme. Ajeito o travesseiro para aceitar melhor. Minha cabeça fica zonza, pensando e pensando. Meus olhos se firmam na paisagem que o trem vai me mostrando em cada curva que faz. Um pontilhão me assusta. Sorrio. Pego de surpresa. Quantos pontilhões passei na minha infância? Correndo com medo de o trem chegar... Ah! A janela não para de me mostrar um passado, mas a música o piano gostoso, a melodia do filme que me marcou entra em meus poros. No final da passagem do túnel do Corcel perto de Derribadinha vejo-me ali, em pé, segurando meu cavalo de aço junto aos meus outros cinco companheiros. Esperando o trem passar para adentrar no túnel do desconhecido.

                         O piano cessa. A melodia fica a parafusar minha mente. Preciso ouvi-la novamente. You tube? Sim! Vou lá. Ela volta, agora sim me refastelo na cama, minha cabeça repousa no travesseiro e minha mente de novo viaja naquele trem que me leva ao passado. Lembrei-me de Gilwell. Por quê?  Afinal “Na Affair To Remember” não tem nada do escotismo que amo. Quem sabe será porque me sinto Velho e fraco e preciso voltar. Voltar onde? Em Gilwell, no tempo? Assistir novamente o filme da minha vida? Minha mente embaralha. Já nem sei mais o que pensar. Volto novamente ao meu trem. Minha janela. A fumaça branca entrando. Meu paletó branco era macio como leite em calda. O trem vai diminuindo sua marcha. Entra na estação e vejo em algum canto da estrada a garotada correndo sem parar jogando uma pelada com bola de pano. Alguém grita: - Amendoim torradinho, doce de leite e cocadas! Comprem é barato!

                         O trem já vai partir. – Alguém diz com voz chorosa: - Não quer ir comigo? Ela responde chorando... Desculpe sou feliz aqui! Um grande amor interrompido. Minha mente volta ao Empire State. E ela? Mesmo em uma cadeira de rodas ainda pensa em casar com ele? Não sei. Não quero contar. Filmes são assim, trilhas sonoras inolvidáveis. Um piano tocante quem sabe na Floresta do Tenente, lá muito longe onde acampei. Alguém toca baixinho para mim “Na Affair To Remember”. Sento-me na porta da barraca. Uma noite linda, o céu salpicado de estrelas brilhantes, cai uma brisa vinda do ar da Lagoa dos Peixes dourados. Tudo é encantamento. Noite romântica, mágica repleta de felicidade. Fecho os olhos, minha viagem vai chegando ao fim. Levanto-me meio tonto da minha cama. Olho pela janela, daqui a pouco vai escurecer. No meu trem ouço alguém dizer na estação final: - Muito obrigado meu jovem cavalheiro e escoteiro, muito obrigado por esta bela viagem. Desço do trem. Vejo-me fardado, na mão o meu chapéu de abas largas. É noite, lágrimas em meus olhos mostram que ainda penso no grande amor de Deborah Kerr e Cary Grant.


                            Os poetas cada um define a passagem de um grande amor em cada vida. Dizem eles que há sempre alguma loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura! Tenham uma excelente tarde!

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Nos tempos da brilhantina.


Nos tempos da brilhantina.

                        Eu não tive blusão de couro, botas como a do Roberto Carlos, eu fiquei fora de muitas coisas da minha época. Tive um casamento que perdura até hoje onde a felicidade mora em meu lar. Não tive lua de mel, o que era isto? Naquela época a rapaziada da minha cidade do interior não sabia de muitas coisas. Papai Noel estava chegando, para nós era época do nascimento de Jesus. Perder a missa do galo era ficar arrependido por todo o ano até que estivéssemos presentes em outra. Pascoa se fazia diferente. Coelho? Chocolates? Nunca tinha ouvido falar. Dias das mães, dos pais, dos avós, do tio, da criança ainda seriam criados. O comercio ainda não tinha pensando nisto. Dizem que nas cidades grandes ou mesmo onde os filhos tinham pais que os mandavam estudar em colégios importantes eram os representantes do Brasil na modernidade.

                  Quem vê hoje nem adivinha o que era naquele tempo. Modernidade? Eu tentei, levantei a gola da camisa para ficar igual ao Elvis Presley. Penteado não dava. Tinha o cabelo seco e crespo. Casei em um dia e a noite fui trabalhar. Moleza? Nunca tive. Ficar aqui e ali cantando Rock and roll tomando uma cervejinha não dava. Dinheiro não sobrava. Mal e mal uma “furrupa” em casa de amigos que hoje se transformou em baladas nas casas famosas do Brasil. Quando os militares resolveram fazer uma revolução e tomar o poder eu fiquei na minha. Tinha outras preocupações. Mulher e filho para cuidar. Trabalhando em turnos, pouca folga salário pequeno. Eu lia as prisões, quase fui preso porque um dedo duro disse que nosso Grupo Escoteiro era comunista. Só porque usávamos lenço vermelho. Cara pintada? Punk? Baderneiros que saem quebrando tudo? Isto nem pensar. Ainda éramos cavalheiros, tirávamos o chapéu para as mulheres, dava o banco do ônibus para elas principalmente os maiores de idade. Puxar a cadeira para uma dama sentar, pagar a despesa, ser educado e prestativo era nosso lema.

                         Criei quatro filhos trabalhando de sol a sol. Nada faltou para eles, mas nunca fui rico. Nunca fui um cara pintada, não tinha tempo para isto. Faltar ao serviço era ser demitido e eu não podia me dar este luxo. Hoje vejo greves de meses. Todos recebendo seus salários para ficar em casa. Sei que muitos tem razão, mas receber sem trabalhar? Quem dera eu pudesse fazer isto. Nas grandes cidades não se anda tranquilamente mais. É passeata para todo lado. A maioria resolve e nem comunica as autoridades. Um direito deles? E o meu direito de ir e vir? Só eles tem este direito? Nunca vi tantas passeatas. Ainda bem que ninguém se preocupa em trabalhar. Está recebendo e, portanto tem o direito de infernizar a vida do outro que quer passar. Era outra época, época que os empregos não existiam. Você fazia o primário e os demais só em colégios pagos. Faculdade para pobre no interior? Matuto não tem vez.

                         Mas foi um tempo bom, gostoso, alegre, cheio de vida. A honestidade fazia a vez entre os jovens. Havia a preocupação com a honra, com o caráter e a boa apresentação. Contar que quando jovem ia fazer meu “fut” (passeio) na praça da cidade é demais. Praça redonda, a rapaziada que tinham condições com seu blusão de couro, sua calça faroeste (jeans ainda não existiam) camisas de mangas compridas com as golas levantadas. Uma turminha cantado baixinho um rock qualquer. Eu na minha simplicidade sem um tostão furado trabalhava com meu pai e ele técnico de rádio sempre tinha um radinho potente para ouvir. Aos sábados os amigos me procuravam, ligávamos um radio na Radio Mayrink Veiga só para ouvir o programa do Roberto Carlos – Hoje é dia de Rock! – Fenomenal. Poucos compravam seus discos de vinil das musicas do momento. Um dia comprei um do Little Richard. Quase furei o disco de tanto tocar.

                             Outra época era feliz. Existia sim os políticos desonestos. A gente ficava a parte. Eles roubavam sorrindo sem você saber. Hoje não se sabe se tem políticos honestos. Cometem um crime e na maioria são soltos. Vão gastar nas Américas, na França e praias famosas do mundo. Eu gostava daquele mundo. Mundo onde sabíamos quem era quem. Cidade pequena os segredos eram difíceis de serem guardados. Só fui ter uma TV lá pelos anos de 1965. Geladeira também. Faziam falta? Claro que sim, mas quem se preocupava? Saudades daquele tempo. Não me importava em receber salário baixo, afinal eu ainda tinha um e muitos não tinham nada. Esta luta de hoje sei que vale a pena. Mas apenas para uma classe. Quem não pode fazer passeata, quem não pode ter representantes vive e morre com o que tem.


                               Não sei se existe termo de comparação. Mas se pudesse escolher preferiria meus Tempos da Brilhantina. Eu era feliz e não sabia! 

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Eu já fui professor primário.


Conversa ao pé do fogo.
Eu já fui professor primário.

                   Foi uma experiência fantástica. Ser professor e ver alunos querendo aprender é uma situação agradabilíssima. Agora fui professor, mas de pessoas humildes, quase todos acima de vinte anos e muitos de cinquenta a oitenta anos. Pode? Acho que poucos se lembram do programa governamental de formação de adultos. Na época era chamado de MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) foi um projeto do governo brasileiro, criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida".
Criado e mantido pelo regime militar, durante anos, jovens e adultos frequentaram as aulas do MOBRAL, cujo objetivo era proporcionar alfabetização e letramento a pessoas acima da idade escolar convencional. A recessão econômica iniciada nos anos 80 inviabilizou a continuidade do MOBRAL, que demandava altos recursos para se manter. Seus Programas foram assim incorporados pela Fundação Educar em 1985, ano de seu fim.

                       Sim, isto mesmo, um professor do MOBRAL. Se nas grandes cidades servia-se de pilherias e zombarias por aqueles que eram contra os militares, onde eu estava era uma fonte da juventude para aqueles que queriam pelo menos adquirir uma noção de assinar seu nome, quem sabe ler um pouco e escrever uma carta aos seus que moravam longe dali. Eu naquela época era gerente de uma Fazenda, lá pelos lados do norte de minas e conhecia boa parte dos moradores, na maioria meeiros, pequenos sitiantes que nas margens do Rio das Velhas resolveram construir seus casebres e constituir família. Pessoas simples, sempre com um sorriso, sempre a dizerem Senhor, e até hoje tenho o orgulho de ter feito grandes amigos ali, sem contar que fui padrinho de dezenas de crianças cujos pais me honraram com um convite.

                        Fazia quase dois anos que vivia uma vida incrivelmente bela, mas muitas vezes calmas demais. Quando a noite chegava, o silencio tomava conta onde morávamos. Havia luz sim, mas de um Velho “Jirico” que usávamos o motor e somente à noite ligávamos ou não dependendo a necessidade. Como tinha uma geladeira a gás, uma TV a bateria que só mostrava chuviscos, e três lampiões gás não precisava de mais. Afinal tinha meu radinho à pilha para ouvir a Voz do Brasil ou um programa noturno na Radio Nacional. Sentar na varanda, ver o sol se pondo, ter a disposição um céu de estrelas incrivelmente belo valia toda a escuridão da noite com seus grilos e sapos coaxantes na lagoa distante. Lembro que a noticia do MOBRAL foi muito comentada na Voz do Brasil. Pensei com meus botões quem sabe posso ter aqui na fazenda uma escola assim? Dito e feito, a ideia maturou e coloquei mãos a obra. Não pedi licença ao Presidente da Companhia, um erro meu, pois acreditava ser ele um nacionalista brasileiro e não seria contra a ter uma escola em sua propriedade.

                       Comentei com os vaqueiros, disse que era a escola era aberta para quem quisesse. Os que se interessassem deviam fazer uns banquinhos simples para sentar e os deixariam no Galpão número dois para não dificultar levar e trazer. Fui à cidade de Pirapora e na prefeitura local me informaram de tudo, até mesmo uma ajuda de custo tinha, coisa de meio salário mínimo. O dinheiro foi usado para comprar materiais para a escola. Deram-me material para começar para vinte alunos. Chegou o grande dia. Às seis e meia começaram a chegar a cada canto da fazenda. A cavalo, de charrete, de bicicleta e a pé. Casais, solteiros, até filhos maiores. Assustei com o numero, não esperava tantos interessados. Na primeira noite mais de quarenta, na segunda sessenta, na terceira chegamos a oitenta. Fechei as inscrições. A prefeitura de Pirapora não me negou os materiais faltantes.

                     Deram-me apostilas para usar e aprendi muito a ensinar pessoas mais velhas. Foi divertido pegar nas mãos trôpegas de alunos que durante o dia capinaram suas roças, fizeram seus trabalhos de campo, plantaram, colheram e ao lusco fusco da noite partiam em busca do saber. Foram quatro meses maravilhosos. Começávamos as sete e terminávamos às nove e meia. Dona Noêmia de setenta anos me pagou com um lindo sorriso quando aprendeu a assinar o nome. Para ela uma apoteose de uma vida analfabeta, que só assinava fazendo uma cruz ou mergulhando seu dedo em uma tinta para fazer seu reconhecimento digital. Em quatro meses não aprenderam o necessário. Faltava ainda pelo menos um ano para ler e escrever. Havia sim, os mais adiantados. Muitos começaram a ler as cartilhas, alguns já fazendo seus exercícios com a tabuada tão decorada. Contas de somar e diminuir.

                  Recebi um recado do presidente da Companhia – Louvável Osvaldo seu espirito em dar luz a estas pessoas, ensinando a ler e a escrever. No entanto por motivos que irei comentar quando for ai, termine tudo. Feche a Escola. Tem duas semanas para isto! – Levei um choque. Não espera dele tal atitude. Mudou minha concepção de homem empreendedor. Os alunos não acreditavam quando disse que a escola ia acabar. Houve choros, lágrimas e tristeza geral. Aos domingos minha casa enchia de amigos alunos para conversar e reclamar da atitude do presidente. Enfim, a escola acabou. Quando sai da fazenda dois anos depois, mais de quarenta ex-alunos foram a minha casa para despedir. Eu era um Chefe Escoteiro, sabia como tratar adultos e pais. Mas como professor nunca tive a honra de ensinar o ABC. Foi demais, na partida lágrimas verteu dos meus olhos. Elas só pararam quando atravessei a Barragem de Três Marias quatro horas depois.


                        Não discuto e nem quero fazer uma celeuma das vantagens e desvantagens do MOBRAL. Se for invenção de militares que assumiram o poder tudo bem, mas olhar nos olhos de uma plêiade de pessoas sedentas em aprender, pessoas simples, humildes que não tiveram a oportunidade de ser alfabetizados, eu dei e daria sempre meus aplausos aos criadores de ilusões. Ilusões ou não, nunca esqueci Dona Noêmia que me olhou e sorriu quando conseguiu assinar seu nome! Velhos tempos, um Velho Escoteiro não esquece. Um Chefe sabe o valor de um sorriso de um jovem e eu agora que fui um professor nunca esqueço um sorriso de alguém que quer aprender o ABC acreditando que ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever. Eu fiz e tenho grande orgulho de ter feito!