Onde
anda o Zé Neguinho?
Ah o tempo! A gente não
percebe e quando percebe ele deu uma volta ou milhões de voltas no mundo só
para nos trazer as lembranças de um tempo que já se foi. Zé Neguinho nunca foi Escoteiro.
Deveria ter sido, mas seu destino estava escrito de outra maneira. Queira ou
não fomos amigos. Amigos que se respeitavam. Brigamos muito, de tapa, de soco,
mas de arma branca nunca. Eu e ele sabíamos que nenhum de nós dois era melhor
que o outro. Acho que a primeira vez que brigamos eu estava com oito anos e ele
por aí também. As brigas foram frequentes pelo menos uma a cada dois meses.
Nunca envolvi meus amigos Escoteiros em nossas brigas. Mas hoje fico pensando:
- Porque brigamos tanto? Não havia ódio, rancores, quantas vezes cansávamos de
tanto brigar, ficávamos sentados olhando um para o outro dando belas
gargalhadas?
O tempo passou. Acho há última
vez que nos vimos foi em 1966 ou 1967 não me lembro de bem. Faz tempo não? Eu
não lembrava mais dele e tenho certeza que ele também não mais se lembrava de
mim. Eu viajava em um trem da Leopoldina de Caratinga para Ponte Nova. Lá ia
pegar outro trem até Dom Silvério. Meu destino era Barra longa a convite de um
Grupo Escoteiro que estava começando. Era Comissário Regional em Minas Gerais e
sempre fazia estas viagens pelo interior de Minas. Eu cochilava quando o trem
parou em uma estação. Olhei pela janela e vi lá fora dezenas de soldados
armados correndo para todo lado. Cercaram o trem. Ouvi alguém gritando alto: -
Zé Neguinho! Quem fala é o Capitão Barbosinha.
Você sabe quem sou eu. Sei que
está aí neste vagão. Desça com as mãos para cima. O trem está cercado pela policia!
Olhei de lado. Era ele. Cresceu, ficou forte, muito forte, o cabelo grande
sempre amarrado em um rabo de cavalo. Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado
Escoteiro? O Valente da porrada? É você? Era chamado por ele assim. Levantei e
dei nele um forte abraço.
O Delegado gritou de novo
– Vamos evitar tiros sem necessidade e passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele
gritou novamente – Me dá dez minutos delegado e vou descer desarmado e sem
reagir, eu prometo. Sentado ao meu lado um senhor de idade. – Ele educadamente gritou
no ouvido do pobre coitado. - Suma! O sujeito saiu chispado. Ele se assentou ao
meu lado. Ficamos estes dez minutos lembrando-se do nosso passado. A gente dava
belas gargalhadas. Lá fora o delegado impaciente. Nunca na vida contei “causos”
do passado sob a mira de fuzis. Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu
lembrava. Uma turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um porrete na
mão. Desceu a burduna na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso
dar porrada nele! Ele se levantou e me deu outro abraço, apertado. Chegou a
doer. Vi que seus olhos encheram-se de lágrimas. Eu também chorei escondido.
Queira ou não tinha por ele uma grande admiração. – Adeus meu amigo. Acho que
nunca mais vamos nos ver! Desceu do trem e vi dezenas de policiais apontando
armas para ele. Alguém colocou uma algema e ele sorriu. Na plataforma me deu um
último adeus usando a cabeça e sorrindo para o delegado!
Não fiquei sabendo dos seus crimes ou
roubos. Não havia jornal na minha cidade para informar. Mas Zé Neguinho me
marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci. De vez em
quando procuro aqui na internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter morrido. Se
fosse hoje quem sabe eu poderia ter descido e conversado com o Delegado. Quem
sabe poderia ter ajudado. Não o fiz. Será que resolveria? O destino não se mede
pelas ações, mas sim pelo que se fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a
felicidade. Seu sorriso sempre foi contagiante e dizem que quem sabe dar um
lindo sorriso também é feliz.
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