EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

domingo, 30 de dezembro de 2012

Um tributo a minha esposa. Célia Maria Ferraz. Sei que vocês não sabem, eu tenho um anjo ao meu lado.



Um tributo a minha esposa. Célia Maria Ferraz.
Sei que vocês não sabem, eu tenho um anjo ao meu lado.

 Muitos insistem em procurar a felicidade sem saber que ela está bem perto de nós. Muitas vezes não descobrimos e em outras muito tarde conseguimos ver. Estamos chegando em 2013. Mesmo nas dificuldades que estou enfrentando eu me considero um homem feliz. E sabe quem é responsável por tanta felicidade? Minha esposa. Isto mesmo. Celia que é minha vida e minha luz. Casamos novos. Ela com 17 eu com 23. Sempre tivemos um enorme respeito um pelo outro. Vivemos várias fases neste mundo de Deus. Não tivemos lua de mel. Como? Risos. O dinheiro passava longe. Fomos morar em uma cidadezinha. Trabalhava em uma usina siderúrgica. Peão de obra. Caminhão lonado indo e vindo. Comendo poeira. Minha casa? Alugada. Cozinha e quarto. Banheiro? Nos fundos do quintal. Móveis quase nenhum. Fogão a lenha. Um radinho de pilha.

Moramos em várias moradas. Em varias cidades. Em vários estados. Ela ao meu lado. Incansável. Nunca reclamou da vida que levávamos. Depois outro estado, uma fazenda, boiada das grandes, cobras, galinhas, porcos, Emas e Ciriemas, barcos, São Francisco, E rio das Velhas. Jacarés peixes e sucuris à vontade. Assim o tempo foi passando. Ainda noivo já lutava ao meu lado no escotismo. Sabia do meu segundo amor. Vestiu o uniforme de Bandeirante. Depois de Chefe Escoteira. Fez curso. Quase IM. Não continuou. Não dava. Fiquei mal e fui parar em um hospital. INSS. Ela lá. Junto comigo dia e noite. Até hoje é ela minha luz, minha enfermeira, aquela que me ajuda a pegar um ônibus, a correr nos prontos socorros da vida. Impossível descrever uma vida juntos de 49 anos. Muito tempo. Prometi a ela viver pelo menos para a festa das bodas de ouro. Que Deus me ouça.

Não posso continuar. Fico engasgado. Não era para escrever aqui. Ninguém aqui no facebook precisa ficar ouvindo lamurias. Mas tinha de dizer. Se tenho amigos aqui, ela é a responsável. Em 2012 rezei para chegar a 2013. Um ano se passou. Não sei se outros virão. Mas quando um dia qualquer eu me for lembrem-se dela. Se sou o que sou e acho que nada sou devo a ela. Tem dias que acho não ser merecedor de ter ao meu lado uma mulher como ela. Que os céus a proteja sempre. Ela ainda não leu estes parcos escritos tirados de um dia de alegria. Sim. Hoje estou alegre e tanto estou que digo a todos que quiserem ouvir – AMO DE MONTÃO A MINHA CELIA. ELA É MINHA VIDA, MINHA LUZ. TENHO CERTEZA QUE IREMOS VIVER PARA SEMPRE, POIS NOSSO AMOR É ETERNO!

Tudo de bom meus amigos. Nada mais a dizer. Que Deus os acompanhe sempre. Que possam ter sonhos dourados e que se realizaram como os meus. Sonhos bons, sonhos que irão dar novo ânimo para 2013. Feliz 2013! 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Saudades da minha terra!



Saudades da minha terra!

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

                 O tempo passa, e muitas coisas das nossas vidas vão sendo colocadas em uma parte do nosso cérebro, não esquecidas, mas para serem lembradas um dia. Eu sou um homem da terra. De muitas terras. De algumas cidades. Um dia destes li de Paulo Gondim, um poema, do seu lindo Ceará. “Minha terra tão querida, a quem sempre vou amar. Um dia eu deixei, mas voltarei, ao meu lindo Ceará”.

Ninguém esquece sua terra natal. Sua cidade, seu estado, seus amigos, suas histórias tão queridas. Nasci na minha querida Minas Gerais. Oh! Minas Gerais! Quem te conhece não esquece jamais. Nasci em uma cidade perdida no longínquo norte do estado, pequena, sem nada para viver, quem sabe uma ou duas ruas calçadas, uma pracinha, mas eu? Morava a seis quadras mais longe. Casa de taipa, esburacada, rua sem calçamento, esgoto a céu aberto, doenças. Três irmãs foram para o céu ainda com menos de quatro anos. Eu quase fui.

            Dois anos que não lembro a não ser as histórias contadas por meus pais e irmãs. Sobraram duas delas e eu. Meu pai seleiro, família pobre, lá fomos nós para uma fazenda. Não me lembro de nada. Menos de um ano e de novo outra cidade do outro lado das Minas Gerais. Poucas lembranças. Mais três anos e de novo outra e outra até que com seis fincamos o pé por muitos anos em uma maior, bem ao lado do formoso Vale do Rio Doce. Rio Doce! Quantas saudades, quantas travessias, jangadas, comer ingá nas suas margens nas cheias, quantos peixes. Hoje soube que está como o Tietê. Dói-me fundo. Ali praticamente cresci. Fui lobinho, Escoteiro, viajando a pé, de bicicleta vivendo uma vida de aventuras sem pensar no amanhã. Voltei um dia em todas as pequerruchas cidades que vivi. Fiquei tempos na terra onde nasci. Passei ali menos de duas horas. Vi a casa onde comecei minha vida de homem terreno. Nas outras poucas lembranças de uma época que minha memória não arquivou. Não tinham mudado nada na visão dos meus pais. Nesta última foram treze anos, de alegria, felicidades até que um dia a mudança aconteceu.

           Meu pai doente, início da década de sessenta, diabete ainda desconhecida era melhor procurar médicos especialistas. Capital do Estado. Nova vida. Novo emprego. Usina Siderúrgica. Peão no inicio. Interessante. Nunca fomos ricos. Ouve fases, algumas remediados outras? Melhor nem comentar. Estudo? Terceiro ano de ginásio. Iletrado. Nunca fui Doutor. Aprendi muito na Universidade da vida. Não sei como fui convidado para ser o chefão Escoteiro do estado. Comissário Regional. Uma época de viagens. Cidades e mais cidades sendo engolidas pelo escotismo. Amigos e amigos novos sendo conquistados. Quantas histórias, quantas estradas percorridas, quantas coisas ficaram para trás. Mas o tempo não para. Um dia alguém chegou para mim – Queres ser um Administrador de uma fazenda? Putz! Não pensei duas vezes. Celia ao meu lado. Sempre formidável minha linda Célia. Oito mil cabeças. Meu Deus! Que isso? Botas no pé, chapéu de couro, perneira, meu lindo gibão cravejado, um peitoril simples e lá estava eu vaquejando aqui e ali pelas largas e capoeiras da vida.

               Quantas aventuras. Viagens no Rio das Velhas, Sucuri de dez metros, enfrentar a correnteza do São Francisco, enfrentar pistoleiros morrendo de medo. Pescarias, criação a parte, porcos, galinhas, tratores, um D-8 da Caterpillar, enorme me hipnotizava. Comprei uma vacada de um fazendeiro em Barra do Guaçuí. 150 quilômetros. Achei melhor trazer por terra. Para mostrar ao Diretor que era econômico. Pobre “bunda”. Seis dias ida e volta. A cavalo. Levando um gado fácil, mas trabalhoso. Cinco anos maravilhosos. Filhos crescendo. Precisavam de bons colégios. São Paulo. Meu destino final. Empregado. Luta constante. Osasco era minha morada, ou melhor, ainda é. A luta dizem que é renhida, difícil. Sempre ao olhar minha vida lembro-me do poema de Gonçalves Dias. - Juca-Pirama. “Sou bravo, sou forte, sou filho do norte”. Andei longes terras, lidei cruas guerras, vaguei pelas serras dos vis Aimorés...

               Ei, calma! Não sou bravo e nem forte. Mas o tempo vai passando. Os anos não perdoam. Não dá mais para trabalhar. Uma vil aposentadoria. Mas feliz. Muito feliz. Quatro filhos criados e casados. Oito netos, uma linda árvore genealógica dando prosseguimento as lides traçadas por milhares de anos no espaço. Rodei meio Brasil. Pisei em outras terras. Conheci outros rumos, outros destinos. Mudei demais. Não sei se fiz bem. Não vejo como traçar o meu destino de outra forma. Tenho dúvidas não arrependimento. Quem sabe nem todas as trilhas que escolhi deram em boas estradas. Um dia destes irei por aí. Sei aonde vou. Não posso levar mais minha barraca, minha mochila e meu chapéu de três bicos. Lá dizem tem lindos locais de campos. Córregos dançantes de águas tão claras que dá para ver o passado e o futuro. Onde as florestas são verdes e as flores as mais lindas do universo.

               Sempre é bom lembrar o caminho. Sempre é bom ver o que se foi o que se fez. Nunca fui rico. Morei em casa de taipas. Morei em tantos lugares que de vez em quando perco a memoria onde estou. Meu carrinho está encostado. Não anda mais. Me obriga a forçar meus passos por aí. Melhor assim, pois sempre fiz isto em minha vida. Viajei meio mundo no lombo de uma bicicleta. Com meu Vulcabrás conquistei montes e vales desconhecidos. Adoro o que fiz. Adoro o que sou. Não tenho duvidas do que serei.

                 Eu gosto de São Paulo. Fiz dele minha morada por mais de 35 anos. Não sei se fiz aqui muito amigos. Os mais chegados já partiram para começarem tudo de novo com os novos tempos. Eu ainda não fui. Deus me reservou outro destino. Seja ele o que for estarei pronto a enfrentar. Mas sabem, não tenho medo, não tenho receios. O que tem de ser será. Não podemos fugir do nosso destino.

Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Gonçalves Dias.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

“Causos e Ocausos” Belos tempos.



“Causos e Ocausos”
Belos tempos.
                   
                        Todos nós temos passagens na vida que não esquecemos. Algumas boas, outras ótimas e as ruins são em maior número. Depois que tempo passou é que vemos que todas elas tiveram sua hora certa para acontecer. Dizer que faríamos de outra maneira eu não sei. Se foi feito assim era porque acreditava que nada mudaria em nosso destino. Temos escolhas que muitas vezes nos assalta a mente por saber que elas podem dar ou não dar certo. Aqui não se trata somente disto. Minha vida foi divertida. Claro, muitos momentos ruins. Mas eu soube aproveitar a cada minuto, a cada dia e nunca deixei de tentar fazer e continuar fazendo até ver se ia dar certo. Algumas passagens do passado que hoje lembro e dou risadas. No passado não dei gargalhadas. Mas depois eu digo a mim mesmo. Valeu! E se valeu!

                 Esta aconteceu na década de sessenta, trabalhava como Técnico Programador em uma Usina Siderúrgica. Área de laminação. Foi nomeado pela diretoria o responsável para resolver todos os problemas da CIPA. (Prevenção Interna de Acidentes no Trabalho). O numero de acidentes multiplicava a cada mês. Alguém deu ideia sobre como evitar acidentes na área de ajustagem. Os esmeris eram um perigo. Ele deu uma ideia para melhorar o trabalho da piãozada. Primeiro aumentar o tamanho dos óculos de proteção e a segunda ia levar uma analise mais demorada. Trabalhavam juntos mais de 200 homens simultaneamente em cada turno distribuídos em dez bancadas diferentes. Junto com um supervisor da Ajustagem subimos na passarela da Ponte Rolante, pois lá em cima a visão do galpão (mais de cem metros de comprimento) era muito boa para ver a sugestão que deram na CIPA. Não sei como, em vez de olhar o galpão olhei para trás e vi um espetáculo que mudou a usina em seu modo de viver. Nada mais nada menos que a Secretária (uma bela loira metida que só vendo) de um Diretor alemão, famoso pela sua seriedade, fazendo sexo oral com ele. Ele não dava um pio. Esqueceram a janela aberta. De pernas abertas em cima de sua escrivania, ela agachada acariciava beijava e colocava na boca o membro dele, e quando ele terminou ela engoliu tudo. E ainda limpou o membro com uma toalhinha molhada. O Chefe da Ajustagem que estava ao meu lado bateu palmas. Eles correram para fechar a janela. Tarde demais. A Radio Pião tomou conta. A usina em peso só comentou aquilo por meses e meses. A secretaria foi demitida. O Diretor voltou para a Alemanha! Risos.

              Ainda na década de sessenta. Porto de Tubarão. Vitória. Trabalhava em uma companhia que estava construindo a Usina de Peletização de minério de ferro da Vale do Rio Doce. Era uma espécie de Chefe de Transporte. Trabalhava em um galpão de madeira e minha mesa ficava ao lado de um janelão que dava para avistar o mar a menos de cem metros. Um privilegiado eu me sentia. Todos os dias trabalhando e recebendo o vento marinho no rosto. Um dia resolvi almoçar correndo e tomar um banho de mar. Comi as pressas. De calção de banho pulei na água. Era bom nadador. O mar para mim não tinha segredos. Nadei mar adentro uns cento e cinquenta metros. Ia retornar e ao meu lado uns quatro tubarões. Enormes. Deus do céu! Desta vez estou morto, pensei. Eram mansos, me acompanharam até a praia. Depois fiquei sabendo que naquela época do ano eles viviam ali na costa. Tive sorte. Os perigosos apareciam mais tarde. Vivendo e aprendendo.

              Década de sessenta novamente. Meu casamento. Uma epopeia. Celia minha esposa com dezesseis anos. Precisava do pai para autorizar. Pai sumiu. Custei a arrumar um juiz na cidadezinha que morava para fazer o casamento civil. Não tinha recebido o pagamento. Duro. Celia e a mãe vieram de trem. Pedi ao Carlos meu amigo se me emprestava oitenta reais. Valor para pagar o Juiz. Ele não tinha. Tomou emprestado do juiz, mas não disse para que. Deu-me o dinheiro. Depois de casado paguei ao Juiz. Ele olhou a notas. Risos. Acho que reconheceu, mas não entendeu nada!

              Norte de minas meio da década de setenta. Gerente em uma fazenda. Cria recria e engorda mais de 8.000 cabeças. Queria mostrar que entendia. Bem de mato sim, mas de gado não. Comecei no cavalo. Trazeiro doía horrivelmente. Um ano depois ainda não tinha traquejo. Os vaqueiros diziam que precisa de calo na “bunda”. Risos. Anualmente vacinar o gado. Aftosa e etc. A junta não era fácil. Demorávamos mais de três meses para vacinar todos. Demos falta no final de umas cem cabeças. A maioria garrotes. Ariscos. Achamos trinta deles na larga grande. Região de Cerrado. Mata fechada. Cactos à vontade. Muitas árvores com espinho. Cipós à vontade. Meu cavalo avista um garrote. Apronta uma corrida atrás dele sem minha ordem. Estava de perneira e chapéu de couro. Não adiantou. Bati a cabeça em um galho de árvore. Cai no meio dos espinheiros. Um mês de molho. A vaqueirada rindo da peça. Celia demorou dois dias para tirar espinhos no meu corpo. Cavalo? Passei cinco meses sem montar...

             Ainda no Norte de Minas. Ainda na fazenda. Tínhamos dois tratores agrícolas pequenos que chamávamos de jeriquinho um e dois. Um tratorista chamado Antonio Branco estava fazendo uma roçada em um piquete enorme. Cabia mais de trezentas cabeças. Tínhamos uma boa roçadeira acoplada ao jeriquinho. Quando cheguei lá a cavalo o era hora do tratorista almoçar. Resolvi dar uma roçada por minha conta. Eu entendia bem do trator e da roçadeira. No final do piquete um monte de arvores pequenas e lá fui eu para cortar e roçar. Maldita árvore. Tinha duas grandes casas de marimbondos. Antonio sabia, mas esqueceu de me avisar. Milhares de maribondos em cima de mim. Pulei do trator ainda ligado e em movimento. Corri feito um demônio para o Rio das Velhas distante uns cem metros. Pulei na água. Mordidas mil. Fiquei inchado. Fui parar no hospital de Pirapora. Mais trinta dias de molho. Sou mesmo um sujeito de sorte.

                São Paulo final da década de setenta. Gerente de Depósito de Materiais trabalhando na Vila Leopoldina. Três galpões enormes abarrotados de tubos de aço. Os pisos ficavam a mais de metro e meio de altura da rua. Começou a chover. Agua subindo. Subindo. Subindo. Quando vi que ia passar o piso mandei todos saírem com agua no pescoço até a rua onde a enchente não tinha chegado. Fui o ultimo. Quando tirei a bota com biqueira de aço, pisei em um mandi ou bagre sei lá. Quem conhece sabe o veneno que o danado solta em sua barbatana dura em forma de espada. Meu Deus! Uma dor incrível. Mesmo assim abandonei minha sala e fui até a saída. Pisei em outro e mais outro. Mal deu para chegar à rua sem enchente. Não aguentava andar. Direto para o pronto socorro. Paradoxo. Trabalhar em São Paulo, pegar uma enchente de um córrego sujo, que ninguém nunca supôs ter peixe e ser envenenado por mandís. Valha-me Deus.

               São Paulo, década de oitenta. Assistente regional de adestramento escoteiro. Curso programado no campo Escola do Jaraguá. Chovia a cântaros. Meu carro não pegava. O jeito era ir de moto. Do meu filho mais "Velho". Andava mal, mas andava. Ao chegar à porteira (hoje tudo mudado) abri passei a moto fechei e fui na estradinha cheia de barro. Em uma curva cai. Com a moto em cima da perna esquerda. Deitado na lama sem poder sair. Só trinta minutos depois apareceu um carro com alunos. Viram-me. Ajudaram-me. Claro para o hospital. Fratura na perna. Engessei mas voltei ao campo escola de taxi. Sentado participei do curso. Ao chegar a casa no domingo um grande susto. Voltei de moto. Perna engessada. Quando conto até hoje acham que inventei. Perguntem aos alunos. Perguntem a minha família. Risos.

                Tem mais, muito mais, mas fica para outra. Inté como diz o mineiro. Risos.                   

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A felicidade existe, e está junto a nós! Ela se chama Célia, minha esposa querida.


A felicidade existe, e está junto a nós!
Ela se chama Célia, minha esposa querida.


              Muitos insistem em procurar a felicidade sem saber que ela está em nossa mente a todo instante. Esquecemos que tudo que fazemos tem uma razão de ser, e para isto encarar de frente e aceitar sem reclamar nos tornamos mais amigos, mais sinceros e muitas vezes afastamos com isto a arrogância que nem sempre é observada por nós mesmos em nossos atos. Eu já tive momentos de fraqueza, quem sabe de desespero e cheguei a ponto de mudar todo meu rumo por um destino que não era o meu. Muitas vezes esqueci que foi ela quem me deu tudo que sou. Difícil dizer que para mim que existe uma pessoa melhor que a Celia. Muitos anos juntos. Discutimos muito, cheguei até a ofendê-la o que não devia, pois não tinha este direito. Depois me redimi. Vi meu erro e sempre o coloco em primeiro plano. Torna mais fácil o pedido de desculpas ou de perdão.

            Quando a conheci tinha menos de dezenove anos. Ela fazendo quinze. Não tive outra em minha vida depois que a conheci. O respeito sempre existiu entre nós. Uma época diferente. Sem a liberdade de hoje. Certo ou errado foi assim e me orgulho dela e de mim por termos procedido desta maneira. Se voltasse no tempo seria como foi sem mudar nada. Eu ela nos casamos novos ainda. Eu com vinte e dois ela com dezessete. Nossa alegria quando fomos para nossa casinha, não dá para contar. Claro não tivemos lua de mel. Nem pensar sobre isto. O Dinheiro passava longe. Fomos morar em Melo Viana, distrito de Coronel Fabriciano. Em uma casinha simples. Dois cômodos. Um quarto com cama e guarda roupa, cozinha e sala com uma mesa, uma prateleira, um fogão de quatro bocas simples e mais nada. A luz era mais fraca que uma vela. Um radinho de mesa que dava para escutar algumas rádios do Rio de Janeiro. Nacional e Mayrink Veiga. Mas que alegria meu Deus! Quando saia do meu trabalho na usina contava as horas de voltar e ficar ao lado dela. Horário difícil. Virava noites. Uma hora e meia em um caminhão lonado com mais de cem peões usineiros.

            Ela sempre sorrindo. Nunca reclamou. Aceitou minha maneira de ser do escotismo que era meu segundo amor. Na Usiminas mais de quatro mudanças. Cada uma mais divertida que a outra. Cada uma com uma história para contar. Invadimos em quatro casais um barracão abandonado de uma empreiteira no bairro da Candangolândia. Era isto mesmo. Os outros bairros eram da classe dominante da usina. Não tínhamos este direito ainda. Cada um escolheu dois cômodos todos de madeira. Foi divertido morar ali com os demais casais, todos da minha idade. Época de dinheiro curto. Só arroz e feijão e meus lambaris bocarra que pegava no Rio próximo onde morava. Depois uma nova casinha até que perdi o emprego. Fomos embora, sem dinheiro. Um caminhãozinho pequeno coube tudo. Lá fomos nós, eu ela e meu filho de um ano. Não estávamos triste. Uma parada para almoço. Almoço? Apenas um pão com mortadela que na época chamávamos de salame e um guaraná. Não dava para gastar. A epopeia de mudança não parou. Outra casinha em Vitória. Mudança à vista. Em Belo Horizonte moramos em três lugares. E assim vivíamos aqui e ali. Reclamar? A Célia? Nunca. Aceitava tudo com muito amor. Os filhos foram aparecendo. Uma mãe de verdade. Um do lado, outro do outro lado, um no colo e lá ia ela para o hospital, para a cidade para qualquer lugar. Ônibus? Demoravam uma até duas horas para chegarem ao ponto. Moramos em cada lugar que não dá para esquecer! Mas sabe, em todos eles com muito amor. Um belo dia disse a ela – Fui convidado. Dizem que me pagarão bem. Vamos morar em uma fazenda? Porque não? E lá fomos nós. Mais quatro anos de pura felicidade. Cavalos, bois, vacas, jardim, árvores frutíferas, pomar, horta, rio e lagoa piscosos. Uma vida que ninguém esqueceu.

          Quando compramos nossa primeira TV havia uma duvida. Geladeira ou TV? Risos. Geladeira primeiro é claro. Dinheiro escasso. Uma sobrinha de dinheiro aqui e outra ali difícil de arrumar para roupa dos meninos. Carro? Esqueça. Só muitos anos depois. E sempre ao meu lado a Celia. Incansável. Criando quatro filhos que sempre que podem a procuram até hoje. Muito mais que a mim.  Ela é mais confidente deles que eu. Ela reclamar? Sim, poucas vezes, mas como era disposta, ou melhor, como ainda é aceitava tudo com muito amor.  Quando fui fazer uma operação lá estava ela do meu lado. Quantas vezes minhas crises a fizeram perder noites e noites a me acompanhar em prontos socorros da vida. Varias vezes dormiu em cadeira simples ao meu lado de um leito de hospital. Que mulher meu Deus!

          Até hoje cuida de mim com carinho. Nunca me deixou faltar nada. O dinheiro para ela não era tudo. Fazia falta sim, mas ela sempre aceitou o destino que nos foi traçado, pois não somos ricos e hoje depois que aposentei dependo de tudo. Dela que cuida de mim, dos filhos que me ajudam a viver, de hospitais públicos que ela está sempre disposta a me levar, de passagens de ônibus gratuitas, mas isto para mim e ela é diversão. Suas obrigações, ou seja, ela sempre pensou que tinha o seu dever de esposa era e ainda é cumprida a risca. Hoje dificilmente podemos gastar. O dinheiro que temos não dá. Ela reclamar? Nunca! Sei que tem seus sonhos, nós dois os dividimos em partes iguais. Às vezes sentamos eu e ela na varanda e ficamos a criar fantasias de uma viagem, de uma compra extra e vejo que seus olhos ficam cheios d’água, pois sabe que são sonhos. Somente sonhos.

           Muitos anos se passaram desde que nos casamos. Em quatro de setembro de 1964. Um de nós vai partir primeiro um dia. Falamos sobre isto sempre. Eu acho que irei primeiro. Esta doença pulmonar que tenho é irreversível.  Ela não diz nada. Fica calada, mas sabe que vamos nos encontrar do outro lado. Somos espiritualista. Toda quarta feira e isto tem mais de vinte anos, fazemos nossas orações, ou melhor, nosso Evangelho no Lar. Antes com filhos hoje só eu e ela. É sagrado. Mesmo sabendo que estamos aqui de passagem sei que iremos sentir uma falta imensa um do outro. Mesmo sabendo que o tempo aqui na terra não é nada comparado ao da eternidade. Todas as noites deito e rezo. Para ela principalmente. Sei que sua saúde não é das melhores, mas ela tem uma força que tenho inveja. Mesmo com seus pés muitas vezes com feridas, pois ela tem erisipela, lá vai ela morro acima sem reclamar para marcar consultas, marcar exames ou fazer uma comprinha de supermercado. Nosso carrinho fundiu o motor. Sem chances para arrumar. Nosso transporte hoje é como brincava no passado. EVV – Empresa de Viação Vulcabrás.

           Ainda olha dois netos durante a tarde para que os pais possam trabalhar. Fica com eles boa parte do dia. Lição de casa. Refeições. Roupa lavada, passar tudo, não esquece nada. Fico admirado. Sei que tem muitas mulheres como ela, mas não acredito de forma nenhuma que tem alguma além dela. Celia, minha esposa, meu anjo minha vida. Amo você demais. Sei que somos uma família feliz. Quatro filhos, oito netos, um genro, três noras e quando estamos juntos pode-se notar o esplendor total desta família. Todos se entendem, todos conversam entre si. E nenhum deixa de ajudar o outro. Adoro esta família. Colaborei muito para que isto acontecesse. Mas a Célia foi a maior responsável por tudo. Seu amor aos filhos foi fenomenal. Eles até hoje sabem disto melhor que ninguém.

           Poderia ficar aqui, a preencher folhas e folhas sobre ela. Afinal temos uma vida juntos. Passamos por poucas e boas. Quantas coisas para contar, mas prefiro parar. Sei que ela sabe do meu amor por ela. Da minha admiração e acredito e peço a Deus sempre que nos mantenha juntos por toda a eternidade. Não sei se vou ser merecedor, mas peço aos anjos que me deem uma forcinha. Mas como digo sempre, aceito o que vier. Meu crescimento depende dos céus e de mim. Celia, muito obrigado. Você sempre foi e sempre será a luz da minha vida!

domingo, 16 de setembro de 2012

A riqueza passou longe de mim.



A riqueza passou longe de mim.

                Dinheiro não trás felicidade. De acordo. Mas ajuda e como ajuda. Não sou rico, nunca fui. Passei perto muitas vezes. Não deu. Claro nunca me faltou o necessário, para isto trabalhei e como trabalhei. Rodei alguns estados, finquei o pé na estrada e como meu suor consegui o sustento da minha família. Não reclamo, nunca reclamei. Sou feliz assim. Lembro que durante o ano de 1960 a 1965 trabalhava na Usiminas, em turnos alternados e por um capricho do destino em uma folga de “oitenta horas” viajei a Belo Horizonte com esposa e um filho aproveitando para um descanso junto aos meus pais que moravam lá. Isto em 1964. Já ia comprar as passagens de retorno quando os militares tomaram o poder em uma revolução que ninguém esperava. Nunca fui de me meter em politica muito menos em escolhas que não me levavam a me manter digno com minhas ideias e escolhas.
         
               Não consegui passagens. Tudo parado. Militares por todo lado. Ônibus, trem estradas, tudo sobre vigilância deles. Só cinco dias depois pude retornar. Trens cheios de militares e prisioneiros. Uma época que bastava você dizer que alguém era contra ou comunista e ia preso. Chegando a Mello Viana município de Coronel Fabriciano onde morava, no ônibus mesmo fiquei sabendo que o Carlos tinha sido preso. Procuraram-me vários dias para prender também. Fiquei apreensivo. Porque seria? Nunca comentei nada sobre politica. Em Mello Viana amigos e o Juiz muito meu amigo, pois participavam do Grupo Escoteiro comentaram comigo o por que. O lenço do grupo. Vermelho e branco. Alguém me “dedurou” como comunista e o Carlos. Fazer o que agora? Fique calmo respondeu o juiz. Ninguém mais apareceu por aqui. Acho que o assunto foi esquecido.
              
                Ao voltar ao trabalho soube do Carlos. Levado para Belo Horizonte. Caramba! Um lenço? Ele só foi solto trinta dias depois. Contava-me chorando o que aconteceu. Queria que dissesse quem era contra o governo novo. Como não sabia de nada arrancaram a alicate uma unha de sua mão. Ele gritou tanto que resolveram soltá-lo. Ele voltou magoado. Afiliou-se a um sindicado. Tentei demovê-lo e nada. Foi preso de novo. Apanhou muito. Mais vinte dias e estava de volta. Durante muitos dias os trens com destino a Belo Horizonte passavam cheio de prisioneiros. Nunca tinha visto nada disto. Alguma coisa estava errada e eu achei que não devia me meter. A esposa era dona de casa, na minha falta seria difícil para ela enfrentar a vida. Amava meu filho e queria ficar junto a ele até minha morte. Saí da Usina um ano depois. O Carlos ainda estava lá. Soube que se tornou uma figura importante no sindicato. Saiu quatro anos depois. No trevo de Juiz de Fora com a Rio Bahia seu carro foi esmagado por uma carreta. Deixou esposa e duas filhas.

                Hoje estou vendo que qualquer um que ficou uns dias preso naquela época recebeu do governo uma indenização. Algumas altas outras nem tanto. O próprio ex-presidente recebeu uma bolada. Teve gente de milhões. Não critico. Não sei o que passaram e quem sabe merecem. Acredito que a família do Carlos deve ter recebido. O destino ninguém conhece. Dizem que fazemos nosso destino. Não sei. Se não tivesse viajado teria sido preso. Na prisão poderia ter sofrido barbaridades ou não. Poderia ter morrido ou não, mas fico pensando se estivesse vivo não teria recebido hoje uma bolada? Seria um dinheiro bem vindo ou maldito? Fico na segunda hipótese. Melhor continuar pobre, mas com a consciência limpa.

                Até hoje não soube quem nos “dedurou” aos militares. Melhor não saber mesmo. Não vale a pena desenterrar defuntos mortos e bem enterrados. O grupo continuou. Vai bem obrigado. Ainda com o lenço vermelho e branco. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós... É isso. E vejam bem, se o destino fosse outro será que estaria cantando como canto até hoje no chuveiro? Ou mesmo vivo e feliz como eu sou? Não sei. Só o destino sabe. Não me meti com essa revolução. Minha preocupação era com minha família. Um emprego. Um salário. Não deixar faltar nada. Outros pensaram diferentes. Cada um escolhe seu caminho e eu escolhi o meu. A paz e a tranquilidade. Se nossa liberdade estava tolhida eu sabia que não iria durar muito tempo. Hoje dizem que somos um país democrático. Acredito. Eu mesmo aqui posso dizer e contar um passado que em outros países sem liberdade não poderia. Mas de uma coisa eu sei. Trabalhei duro. Duro mesmo. Horários impossíveis. Horas extras sem receber. Sábados e domingos também. Valeu? Claro que sim.  
        
                Não sou comunista. Se a palavra significa a distribuição de renda entre todos eu acredito, mas a maneira de se fazer isto tem muitos caminhos. O da ditadura do proletariado não é um deles. Enquanto lutamos para colocar a comida na mesa mesmo neste regime adocicado tem muitos que nas sombras conseguem tirar o que seria de todos. Acredito em Deus. Não sou juiz aqui. Revoltar não é bom. Cada um sabe onde pisa e claro, estes irão infelizmente passar por situações bem piores que hoje. Melhor seguir em frente honestamente. Não sou rico, nunca fui, mas verdadeiramente eu sou feliz!        

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Saudade não tem idade.



Saudade não tem idade.

        De vez em quando me olho no espelho e me pergunto: Quem é você? Risos. Pergunto-me porque morei em tantos lugares, pois deste pequeno até hoje morei por boa parte do Brasil. Fazendo um dia destes uma contagem me perdi nas setenta e quatro. Isto mesmo. A cada mudança uma maneira de ver o mundo, um sorriso aqui e ali, e não se iludam. Tinha e ainda tenho uma cara amarrada e feia. Se estiver naqueles dias cuidado ao se aproximar de mim. Setenta e quatro mudanças, mas acho que ouve muito mais. Ai eu começo a lembrar dos tempos de cada uma destas e como se fosse um filme elas vão passando pela minha mente.
         Vamos ver se consigo lembrar-se de fatos interessantes. Ops! Aqui está um. Dezessete anos. Sem dinheiro e duro. Trabalhando com meu pai, mas naquele galinheiro não tinha ovos com fartura. Tinha um primo. Cesamar. Seis meses mais "Velho". Conseguiu um emprego em uma empreiteira destas que tinham um bloco para asfaltar a Rio Bahia. “Bitelô” (como me chamava) se quiser consigo alguma coisa para você lá. Tire a profissional. Quando estiver com ela vai comigo até o trecho de obras. Não me lembro do nome da Companhia. Acho sem ter muita certeza que era a Techint Engenharia e Construção.
         Não foi difícil. Cheguei de manhã e a tarde estava empregado. Meu primeiro emprego de carteira assinada. Estava orgulhoso. Colocaram-me no Setor do Pessoal. Mas e mal escrevia a maquina. Mas dava para o gasto. O Chefe me disse que eu iria trabalhar no campo. Como apontador de horas. Era um trabalho simples. Durante um dia fiquei com ele na sede da empresa. No terceiro dia entrei em um caminhão caçamba e junto a diversos peões lá fui eu para o trecho. Orgulhoso. Primeiro emprego, dando sorrisos para a “piãozada” e pensei comigo. Breve seremos todos amigos.
          Quarto dia, muitos de cara amarrada comigo. – Porque motivo pensava. Estávamos próximos a Alpercata. Um poeirão dos diabos. Meu trabalho era simples. Verificar em um trecho de cinco quilômetros quem estava trabalhando, quem chegava atrasado ou quem tinha faltado. Não sabia, mas quase ninguém aceitava aquela função. Meu primo também não sabia. Dos anteriores dois foram esfaqueados, um morto e muitos que fugiram para nunca mais voltar. Por quê? Simples, era no salário deles que a gente estava mexendo. Você corta um dia, corta um atraso e o final do mês já sabe.
          Guachura era um moreno forte. Conversava muito comigo. Um dia menos de oito dias trabalhando ele me procurou. Bitelô, melhor se mandar. Neco e outros pretendem brincar de faquinhas em seu corpo. Juram que perderam muito dinheiro desde que você chegou. Tremi. Um medo enorme. Já sabia o que estava acontecendo. Contaram-me no alojamento das Três Marias. Falei com Cesamar ele era igual a mim. Um medo de morrer enorme. Falei com o Chefe do Pessoal. Ele riu e só disse – Calma, mas tenha cuidado. E todos lá na sala deram belas risadas.
           Cheguei atrasado ao trecho. Nem bem desci da caminhonete e eis que Guachura e mais cinco se aproximaram. Guachura levava nas mãos uma enorme faca, faca? Que isso, era uma enorme peixeira. Joguei a prancheta neles e aprontei uma correria infernal. Duvidava que me pegassem. Era bom corredor. Corri mais de cinco quilômetros e para descansar entrei na mata e lá fiquei até escurecer. Sai e meia hora depois cheguei em Alpercata. Peguei um ônibus para minha cidade. Medroso? Sou sim. Morrer para que? De morte morrida vá lá mas de morte matada não é mole.
           Cesamar uma semana depois trouxe meu dinheiro, minha mala e minha carteira já dado baixa. Carteira Profissional nova, dez dias e já dado baixa pode? Para mim sim. Ficar lá e ser estrepado por um punhal é que não ia dar. A vida vale muito para ser jogada pela janela. Mas não foi só essa vez que por um triz não me estrepei. Acho que Deus me ajudou e muito. Voces já sabem que fui um gerente de uma enorme fazenda. Coisa boa. O melhor emprego que já tive. Pena que só durou seis anos. Mas valeu.
            Estava no escritório. Um enorme galpão. Enorme meio. Para ter ideia eram quatro divisões de mais ou menos cento quarenta metros quadrados. Uma eu fazia de escritório e almoxarifado. Outra estoca milho. E olhe, vinte caminhões não dava para carregar ele todo. Minha casa ficava a uns cem metros dentro de um pequeno bosque. Manuel um dos vaqueiros veio correndo a cavalo. – Seu Osvaldo, um caminhão vindo da fazendo do senhor Manezinho está roubando muitos mourões pelo trecho que passam. Aqui vi eles pegarem um dez. algumas cercas foram derrubadas.
             E agora? Tinha fama de mau. Mau? Risos. Só fama. Tinha comprado um revolver do senhor Jacinto, um fazendeiro vizinho. Nunca tive uma arma. Nunca pensei em ter. Mas pensei comigo, mesmo que nunca houve nenhum roubo, nenhum crime aqui, estava com minha família e na sede não tem mais ninguém. As casas dos empregados ficavam longe. Mais de dois quilômetros. Divirto-me lembrar que comprei uma caixa de balas. Fui até a Larguinha, em uma elevação, coloquei duas latas de um litro de óleo vazias tomei distancia (mais ou menos dez metros). Esqueci de dizer, era um Colt calibre 38. Fui bom no fuzil quando estava no exercito mas fora isto nunca usei uma arma. Gastei uma dez balas e nenhuma acertou nas latas. Voltei para casa e guardei a arma no Escritório.
             Tinha que interceptar o caminhão. Não havia outro jeito. Que Deus me ajude. Peguei a arma e nem olhei se estava carregada. Pensei em chamar uns dois vaqueiros ou quem sabe os tratoristas. Não tinha ninguém na hora. Não dava tempo. Ou corria lá agora ou eles iriam levar todo produto do roubo. Peguei a C-10 cortei caminho pelo tanque d’água. Trecho ruim mas os pegaria na curva da onça. Entrei na estrada principal, pertencente à fazenda e logo vi o caminhão vindo em minha direção. Parei no meio da estrada. Não dava para eles passarem. Desci da caminhonete com a arma na cintura.
             Que merda! Mais de seis homens na carroceria e três na boleia. E agora José? Não tinha jeito. Pedi ao motorista para descer. Ele não disse nada. Os demais da boleia também desceram. Da carroceria ficaram todos. – Joguem todos os mourões que voces pegaram aqui. Agora e já! Só Deus sabia como eu estava. Olharam uns para os outros. Firmei uma mão na coronha do revolver. O motorista mandou jogar. Não eram dez, tinha mais de vinte! – Vou tirar meu carro e voces podem ir. Nunca mais poderão usar esta estrada. Se precisarem vão a pé até a sede e peçam.
            Entrei no carro morrendo de medo. Encostei e eles passaram. Fui atrás até que passaram pela porteira de entrada. Meu coração estava em disparada. Voltei à sede. Manezinho estava lá. – Seu Osvaldo, o senhor foi macho mesmo! Olhei para ele. – Eu estava lá. Fui a minha casa e peguei meu 32. Eles não me viram ou se viram obedeceram mais rápido. E começou a dar risadas que só ele sabia dar. Celia e os meninos não souberam ao que estava havendo. À noite contei. Ela ficou preocupada. - E agora marido? Eles podem te pegar em Pirapora. – Seja o que Deus quiser. Amanhã mesmo procuro o Delegado Fontoura. Ele saberá o que fazer. O Delegado era amigo. Um dos poucos que deixava pescar na fazenda e não escondia que a comida da Célia era uma das melhores. Sempre jantava conosco.
             Bem não houve nada mais através dos tempos. Fiquei lá por mais alguns anos e parti. Minha vida de andarilho. Uma proposta aqui outra ali lá ia eu embora. Arranchei-me em São Paulo. Tem tempo. Quanto tempo mais? Agora até o fim da vida. Não dá mais para aceitar desafios. São coisas da vida. Vida? Bem a minha foi assim. Um dia aqui outro ali e vivi feliz em todos estes anos. Dizem que saudade não tem idade e eu acredito. Não tem mesmo. Quem vive muito tem muitas lembranças. Quem vive pouco não vai lembrar de nada. E que assim seja!            

domingo, 12 de agosto de 2012

O delicioso vício do cigarro.



O delicioso vício do cigarro.

           Aos dezesseis anos comecei a fumar. Não devia. O primeiro foi um inferno. Tragava cospia e os amigos rindo. Sempre quando se começa era assim. Uma época que o cigarro era incentivado e falado nas altas rodas. Em toda parte era chique fumar. Você ia ao cinema e lá estavam os seus heróis fumando. Que o Diga John Wayne o herói americano dono de um curriculum de filmes inigualável. Mesmo participando do escotismo não havia naquela época nenhuma censura ao cigarro. O vício começou. Em pouco tempo estava fumando um maço por dia, depois um maço e meio. O Minister e o Luiz XV eram os meus favoritos.
          Durante anos fumei sem parar. Ainda bem que não fumava dentro do meu quarto na cozinha, mas na sala! Aos vinte e oito anos vi diversos homens fumando cachimbo. O cigarro já era considerado “persona non grata”. Hora de parar. Vamos para o cachimbo. Não se traga, aspira e solta pelo nariz. Não foi fácil deixar um e aprender a usar o outro. A saga do cachimbo me acompanhou por muitos anos. Em fins da década de oitenta resolvi largar tudo. Agora via que o cigarro, o cachimbo e o charuto estavam sendo condenados em todas as partes do mundo. Mas, acho que foi tarde demais.
         Durante muitos anos me senti melhor. Bons exercícios, caminhadas enormes meu ar melhorou e não engordei como dizem os que param de fumar. Mas um dia, acho que foi há uns três anos atrás estava tudo normal comigo. E uma manhã pimba! Não aguentava ficar em pé! O ar faltava! Achei que ia morrer. Fui direto ao pronto socorro.  O diagnóstico poderia ser Enfisema Pulmonar ou Edemar Pulmonar. Exames e mais exames. Um soro, umas injeções e voltei para casa. Mas não dava para deitar. Não dava. Era deitar e o ar sumia. Parecia que ia morrer ali na cama.
        Médicos e médicos. Ficou confirmado. Era uma Enfisema Pulmonar. Sem chances de cura. Um tratamento mantém um pouco a vida que se esvai. O ar falta sempre. Uma fraqueza incrível. Tosse terrível. Hoje me mantenho, mas as crises vão e vem. Um dia sei que o ar não irá voltar. Será o fim. Não me preocupo com isto. Não sei se estou preparado ou não para ir. Mas o que Deus achar que sim não tenho porque discordar. Dizem que sempre quando envelhecemos colocamos mensalmente um “bode” na sala. Na época da revolução russa todas as casas foram distribuídas entre várias famílias. Quando alguém reclamava que estava apertado, se colocava um bode na sala. O mau cheiro e as necessidades fisiológicas do bode incomodavam todo mundo. Retirava-se o bode e todos passavam a viver harmoniosamente.
         Assim acontece conosco. Quase sempre aparece um bode, ou seja, uma doença nova. E assim vamos vivendo. Quando vejo alguém fumando penso em dizer a ele o que tenho. Tudo por causa do cigarro. Mas não adianta. Os fumantes não dão ouvidos. Um dia se arrependerão, mas será tarde demais. Hoje vou levando a vida. Ainda bem que aceito tudo de bom grado sem reclamar. Claro inalações três ou mais vezes ao dia. Remédios diversos. Outros remédios para os bodes da vida. Não sou um sofredor. Nada disto. Tem amigos em piores situações que não reclamam.
         Mas o delicioso vicio do cigarro hoje é uma sina do passado que levo até o fim da vida. Ou seja, a vida me empurra e não sei o futuro o dia de amanhã. Ainda bem que tenho uma família linda e minha esposa é fenomenal. Está sempre ao meu lado, aqui no Pronto Socorro e até quando vou a um hospital para tirar umas férias de uma ou duas semanas. Ela é perfeita. A Amo de montão. Adoro-a. Acho que somos almas gêmeas e tenho certeza que ficaremos juntos por todas as outras vidas que virão.
        Os dias vão passando e vou me divertindo como posso. Milhões de fumantes um dia passarão o que estou passando. Não se tem leis para proibir e nem é possível proibir a escolha do ser humano. Não se pode voltar atrás para não colocar um cigarro na boca pela primeira vez. Mas dizem que sempre dá para recomeçar. Neste caso não. O corpo está condenado. Quem sabe em uma outra vida.
         Hoje ando pouco, o ar me falta toda hora e quando chega à época de frio é um desespero. Mesmo agasalhando ao máximo não adianta. É quando vem as crises. Bendito ou maldito cigarro? Se alguém que me lê fuma e minhas palavras serviu para alguma coisa, fico feliz. Aliás, sou um homem feliz. Aconteça o que acontecer. Tive uma vida cheia de felicidade. Não tenho o que reclamar. Obrigado meu Deus!

E hoje, o pior é quando alguém fuma perto de mim,
Parece que vou morrer. Não dá para fugir.
Ei você? Pense bem. Não fume não vá se matar por nada!