EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

domingo, 18 de dezembro de 2011

Um "causo" do acontecido



Um “causo” do acontecido

Minha vida de gerente de uma fazenda foi cheia de atropelos. Esta historia começou logo quando cheguei. E terminou quando todos nós já estávamos juntos naquele sertão.  Não tinha ainda passado dois meses e a minha família não tinha feito a mudança da capital. Claro, esperávamos as férias escolares para que fosse feito a transferência e a mudança sem prejudicar os filhos.

Apesar de todos estes acontecimentos, saibam que passei ali naquela fazenda um dos melhores anos da minha vida.. O que aconteceu naquele dia, poucos vão acreditar e é melhor assim. Ficar como ficção vale mais que a realidade do fato. Entretanto fatos são fatos. Verdadeiros ou não. Risos.

Mudei completamente meus hábitos de cidade grande. Dormia cedo. Muito. Morava só e a noite não tinha ninguém para conversar. A sede central tinha um gerador, mas eu quase não o ligava. Um rádio de pilha me mantinha informado do que acontecia no mundo e mais nada. Quando ia a Pirapora comprava todos os jornais e revistas. Dava para me divertir durante a semana.

Como dormia cedo levantava todos os dias as quatro ou cinco da matina. Achava que tinha de acompanhar os vaqueiros em uma das curralamas que lá existiam, pois sempre neste horário tinham que apartar a bezerrada e tirar um pouco de leite das vacas. Nada de extraordinário. Pouco leite. Em cada curralama (eram três) sempre tínhamos uma media de 80 a 120 vacas paridas.

Era divertido. Eu gostava de tudo. Aprendi inclusive ainda escuro, a laçar um cavalo, arriar e me mandava a cada dia para uma das curralamas. Nos primeiros meses ficar em cima de uma cela, era um suplicio. Aos poucos como dizem os vaqueiros, fui criando calo na “bunda” risos. Em cada curral (eram três) sempre havia de dois a quatro vaqueiros. Dependia muito do numero da vacada parida.

Estava eu absorto em cima de uma cerca de madeira do curral, observando a apartação de alguns bezerros e vi uma nuvem de poeira vindo em nossa direção da estrada que saia das barrancas do Rio das Velhas. Não era comum visitas, mas fiquei alerta para saber quem eram. Aos poucos foram chegando. Eram quatro a cavalo. Admirei-me com um deles. Novo menos de 30 anos. Um chapéu texano, perneiras amarelas, e uma jaqueta de couro preta de dar inveja. O pior, um cinturão cheio de balas e dois revolveres um em cada lado nas respectivas capas.

Ali estava uma autentica figura recém saída do faroeste americano. Chegou, me olhou, olhou os vaqueiros, apeou a moda dos pistoleiros dos filmes de western, sem tirar os olhos e sem dar as costas. Desceu, fez sinal para eu aproximar. Apenas um dedinho. Quase morri de rir, mas vi que era coisa séria. Fiz sinal para ele vir até onde estava. Aboletado no alto da cerca e ele ficaria na parte baixa, e claro completamente dominado. Risos.

Olhou-me com uns olhos que em outras épocas iriam me fazer tremer. Disse-me falando baixo, que soubera que na fazenda tinha duas vacas de sua fazenda. Chamei o Manezinho. - Leve o moço para uma volta na lagoa. Deixe ele averiguar. Olhei para ele de novo e expliquei que não sabíamos de nada. Se por acaso achássemos avisaríamos. Não gostou. Montou com movimentos lentos. Partiram.

Passou-se quase um ano. Manezinho me procurou e disse que faltavam mais de 30 cabeças do gado do Pique Manero. Um piquete enorme que fazia divida com o rio das Velhas. Contaram para ele no puteiro em Pirapora (era um freqüentador nato e muito conhecido lá – risos) que elas estavam na fazenda do Mario Moreno. Riu e completou - O pistoleiro que esteve aqui ano passado é o administrador lá.

Não podia deixar passar em branco. Se isto acontecesse iria se repetir sempre. Saibam que não sou um valentão. Nunca fui. Mas era o gerente da fazenda, ou tomava uma atitude ou seria desrespeitado para sempre. Até aquele dia nunca tinha usado uma arma. Fora o Fuzil Mauser que usei no exército e uma metralhadora, mais nada. 

O delegado Amâncio disse não poder me ajudar. Ele não podia entrar lá sem provas. Era meu amigo, ia sempre à fazenda pescar na lagoa. Um dos poucos que deixava entrar.

Vendeu-me um colt barato um 38 cano longo. Disse que era uma boa arma. Comprei cinco caixas de balas. Fiquei dois dias no capão da larga grande dando tiros a granel. Parecia que eu ia para a guerra. Risos. Sabia que nunca atiraria em ninguém. A arma me amedrontava, mas me dava um ar de coragem. Numa sexta feira partimos. Seis vaqueiros. Não deixei ninguém ir armado. Só eu.

Foi um barato atravessar o rio das Velhas agarrado no rabo do cavalo. Nossas roupas ficaram presas nas selas. Poderíamos ter ido até a ponte de Várzea da Palma, mas era uma volta de mais de 25 quilômetros. Não foi difícil alcançar a sede da fazenda. Menos de duas léguas. (uma légua tem seis quilômetros) avistamos a casa sede. Pequena ao lado devia ser a casa do tal administrador da fazenda.

Não me sentia bem com tudo aquilo. Não estava tranqüilo. Não sabia a reação do pistoleiro. Batemos e ninguém nos atendeu. Esperamos uns vinte minutos e vimos ao longe um cavalo a todo galope. Era ele. Sem aquela pompa de pistoleiro do oeste. Vestia uma calça jeans desbotada e uma camiseta. Na cabeça um chapéu de couro comum. Chegou assustado.
Pediu desculpas por não estar em casa. Chamou a esposa dele e ela abriu a porta. Antes ficara com medo e se trancou. Devia ser ordens dele. Convidou-me para entrar. Só eu. Ofereceu-me um café ralo. Foi educado. Expliquei nosso objetivo. Jurou por tudo quando é Deus que não sabia de nada. Caramba! O homem estava uma seda. Totalmente diferente do pistoleiro que foi me visitar.

Perguntei se ele não se importava dos vaqueiros fazerem um campeio pelos pastos quem sabe alguma seria encontrada? Ele me disse que não tinha visto nada, mas como há tempos não tinha ido para um piquete ao norte da serra negra quem sabe elas poderiam estar lá escondidas. Dito e feito. Não eram 30. Eram mais de 80! Todas ainda com nossa marca.

Pediu desculpas. Jurou que não sabia de nada. Não discuti. Acho que tinha muito mais lá. Desde o gerente anterior que substitui. Não sei se ele se preocupava com isso. Após a junta partimos. Agradeci a ele pela acolhida. Esperava um tiroteio e vi um sujeito medroso escondido dentro de uma capa de valente. Chegamos às margens do rio já noite escura. Manezinho nos aconselhou a não atravessar o rio à noite. Sabíamos que o gado não se afastaria. Dormimos sob as estrelas. Já estava acostumado.

No dia seguinte atravessamos. Só um garrote guzerá metido a esperto deu trabalho. Não queria atravessar de maneira nenhuma. Cheguei em casa lá pela uma da tarde. Estava cansado. Fora para mim uma aventura.  Deitei de roupa e tudo na cama. Nem almocei. Dormi e só acordei no outro dia às quatro da manhã. Um banho, roupa limpa e lá ia eu laçar o Negro azul, um cavalo baio que era o meu favorito.

Na curralama da larguinha, O Mané e os outros contavam historias. Não escutei todas, mas esta ficou marcada também para eles. Encontrei lá o Honório. Ele sempre me procurava para comprar alguma vaca velha para seu açougue. Contei a historia para ele. Riu. Disse que todos os açougueiros sempre iam a fazenda dele para comprar uma vaca. Ele cobrava barato. Imaginei de quem seria essas vacas.  

Tudo na vida a gente aprende a dar valor. Cada dia que vivemos mais crescemos em espírito. É como se fosse uma escola que você não passa por ela. Ela passa por você. Célia e os meninos até hoje me pedem para contar a aventura. Todos me olhando e querendo saber se dei algum tiro. Adoro meus filhos. Hoje o mais novo passou dos 36 anos. Mas ainda lembro-me de todos eles correndo pelas campinas da fazenda, atrás dos avestruzes ou dos “cocar” (galinhas d’angola selvagens).


Valeu! Não só para mim, mas também para todos eles! Até hoje contam historias. Até o caçula. Tinha três anos e parece se lembrar de tudo. Não sei não. Mas como dizem por aí, histórias são histórias, nada mais que histórias!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário