Zezé da Maria, um amigo que nunca esqueci.
Muitos o chamavam de Seu
Manezinho, mas ele me disse que era Zezé. Da Maria porque era sua mulher. A
roça é assim. Tonhão? Da Santinha. Adelaide? Do Zózimo vaqueiro. Totonho?
Vaqueiro. Totonho? Da Linda de Rio Feliz. Apelido mesmo quase nenhum. Lá eles não
gostam disto claro salvo um ou outro como o Bastião Cocar. O danado não queria
trabalhar e só vivia atrás de pássaros e bichos para comer. Um preguiçoso.
Muitas vezes o chamei para uma empreitada e ele dizia – “Bigado” Sô Osvardo.
Esta semana num dá! Zezé da Maria não era assim. Um trabalhador. De sol a sol.
Idade indefinida alguém me disse que tinha mais de oitenta. Uma parte da cerca
da Larguinha caiu com as chuvas. Mais de trezentos metros. Ele aceitou
consertar. - Seu Zezé, melhor chamar mais um. Não vai ser fácil. Ele me olhou
de soslaio, cuspiu um naco de fumo no chão me deu as costas e se foi. Sinal que
o ofendi. De manhã lá estava trabalhando. Em cinco dias terminou. Paguei com
gosto.
Foram cinco anos que eu
fiquei como gerente de uma fazenda de cria recria e engorda. Quase dez mil
cabeças de gado. Uma vida maravilhosa. Para mim um oásis de felicidades. Como
aprendi ali com os moradores do local. Gente pobre, sem estudo, mas cada um com
coração de ouro. E meus filhos? Para eles nunca ouve nada igual. A gente podia
confiar. Dona Maria me contava muitas coisas de Zezé da Maria. Sempre pitando
seu cigarrinho de palha. Lembro quando Sarduá um vaqueiro que admiti e por
sinal ninguém queria bebeu tudo que tinha direito. Avisaram-me que ele estava
correndo atrás da mulher do Coluna, meeiro do Seu Gerardo Véio. Bêbado que nem
uma égua. Em quinze minutos a C-10 me levou até lá. Coluna desmaiado sangrava. Sarduá
vermelho gritava que queria a mulher do Coluna. Zezé da Maria estava de braços
abertos, dizendo – Se entrar na casa do Coluna te quebro no meio! Desci do
carro correndo. – Carma seu Osvardo ele disse. Sarduá se passar daqui é um homi
morto. Zezé da Maria tinha mais de oitenta anos. Ele mesmo não sabia sua idade
real. Seus braços e pernas todos marcados de mordidas de cobras e escorpião.
Ele ria quando contava. Pegava Cascavel com a mão, segurava no rabo e girava
sobre a cabeça. A cobra era jogada tonta em um tronco de árvore e quase não
conseguia rastejar.
Fiquei lá cinco anos. Ele adorava cuidar do jardim e da horta da Celia. Era
bamba para matar um capado. Sabia destrinchar e fazia linguiças que até hoje
nunca vi igual. Eu levantava as cinco da matina para ir trabalhar com a vacada
parida na Curralama e ele já estava de enxada na mão trabalhando. Precisavam
ver o jardim da Célia. E a horta? Cada mamão que nem vou contar. Goiabas
enormes, pé de couve com mais de quarenta centímetros. Risos. Tomates que pareciam
laranja Bahia. Melhor parar, vão achar que estou blefando. Nunca o vi doente.
Nunca nem a Dona Maria. Em qualquer hora do dia lá estava ele com uma enxada na
mão. Nunca o vi reclamar, dizer qualquer coisa que pudesse ofender alguém.
Simples, honesto, trabalhador costumava ficar sentado na varanda da minha casa,
e ali contava histórias e histórias e o tempo custava a passar. Eu adorava.
Prestava uma atenção enorme. Muitas vezes eu e Celia levávamos os filhos
dormindo para seus quartos e voltávamos para ouvir mais. Todos gostavam dele.
Sai da fazenda e ele que nunca vi chorar, pela primeira vez deixou uma lágrima
correr quando disse adeus. Não disse nada. Na porteira da fazenda lá estavam os
amigos que fiz alguns chorando e outros acenando. Danada de saudade que eu
sinto até hoje. Nunca mais vi Zezé da Maria. Um dia um amigo de Pirapora,
aquela que é dona do Velho Chico, me escreveu contando as novidades. – Seu Zezé
da Maria morreu. Dona Maria também. Os dois foram encontrados abraçados no
barraco onde moravam. Barraco? Uma tapera de barro coberta com folha de
coqueiro.
Hoje não sei por que me lembrei dele. Lembrei-me da
fazenda. Tempos bons. Um dos melhores da minha vida. Tantas histórias eu vivi.
Melhor é ir dormir. Sono, muito sono.
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