EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

sábado, 7 de março de 2015

Da vida nada se leva.


Da vida nada se leva.

                  Tem fatos que acontecem em nossas vidas e que por mais procurarmos uma explicação não encontramos. Fatos da vida fatos da morte, fatos de sonhos e fatos de planos futuros. Eu tenho muitos fatos para cortar, eles vieram sem eu pedir. Apareceram em minha vida como se tudo já estivesse escrito e eu não tivesse escolha. Boa parte da minha vida fui empregado. Fui apontador de horas, Escriturário, Datilógrafo, Auxiliar Técnico, Técnico em Alto Forno, encarregado, gerente e Chefe de Administração. Nomes pomposos, mas que me deram uma lição de vida. Cada um deles. Alguns eu pedi demissão e outros fui demitido. Não sei se fui pacato, se fui disciplinado, mas se não fui eu tentei ser. Olhem, é dureza uma demissão. Dói, machuca muito. Você acha que está preparado, mas não está. Ela chega de várias maneiras. Não tive a sorte de uma demissão feita harmoniosamente educadamente ou com amor nas palavras. Bem sei que elas não existem. Não vou aqui contar cada uma delas, acho que não vale a pena. Mas o que dizer de uma demissão que fui avisado por um cartão de ponto? Empregado na chapeira, demitido fora da chapeira.

                  As demissões não foram privilégios meus. Muitos passam por isto. Sei que é um baque muito grande na vida de cada um principalmente devido à idade avançada e família para criar. No ultimo emprego fui demitido com 49 anos e sabia de antemão que conseguir outro não seria fácil. Estava na mesma empresa uma multinacional há mais de 14 anos. Nela mesmo fui empregado por 9 anos em Minas Gerais. Entrar em detalhes de como foi não vale a pena, só sei que cheguei a minha casa e ao contar para a minha esposa ficamos os dois chorando por horas sem nada dizer. Reclamar, desistir nunca foi do meu feitio. Rodei meio mundo a procura de outro. Nada. Competia com jovens universitários na flor da idade e sabia que não importava a experiência e os conhecimentos. Para eles eu já era um Velho.

                  Cinco meses depois tomei uma atitude. Não iria conseguir mesmo um emprego. Precisava montar um negócio para mim. Minha indenização não ia durar muito tempo. Passei um mês analisando qual seria. Fiz pesquisa de mercado e vi que vender tubos de aço que eu conhecia bem não iria dar resultados. Um dia assistindo um filme na TV pensei: - Ora, entendo muito de cinema, por que não abrir uma loja de Vídeos? Mãos a obra. Aluguei uma saleta pequena de não mais que 8 metros quadrados. Comprei filmes na época VHS. Tinha jeito com clientes e eles sempre me procuravam para sugerir filmes bons. O tempo foi passado e minha saleta não cabia mais os filmes. A clientela aumentando. Fins de semana não cabiam ninguém em determinadas horas. Parti para um salão maior, quase 80 metros quadrados. Cresci. Em pouco tempo estava com mais de 6.000 títulos. Vizinho ao meu salão desocupou outro. Mais de 350 metros quadrados. Meu filho me incentivou. Alugamos e nos tornamos a maior locadora do bairro. Cheguei a ter neste salão mais de 12.000 títulos em VHS e 8 funcionárias. Crescia a olhos vistos. Eu e meu filho resolvemos abrir uma filial. Já éramos uma potencia em vídeo na nossa região.

                 Chegou o DVD. A coisa complicou. O faturamento ia todo para a compra de discos e o VHS tinha de continuar. Mas ele foi definhando. Empenhava tudo no DVD. Mil dois mil cinco mil títulos. Muitos com seis a dez cópias. A procura era imensa. Não economizava. Tirava uma parte para minhas despesas pessoais e o saldo ia todo na compra de filmes, prateleiras, marketing e funcionárias. Acreditava que meu estoque era minha garantia para o futuro. Um dia alguém me procurou e disse estar interessado na compra da Vídeo Locadora. Ofereceu-me duzentos mil reais. Sorri e disse não. Até hoje fico pensando que o futuro a Deus pertence. Alugava em média quinze mil títulos por mês. Uma fortuna, mas toda ela investida no próprio negócio. Então a pirataria me pegou de chofre. Senti na pele  a queda. Principalmente quando o nosso Presidente (Lula) disse que nas viagens ele sempre levava um DVD e filmes piratas. Ele dizia que os outros também precisavam ganhar seu rico dinheirinho. Grande Presidente.

                 Os preços do DVD estavam nas alturas. As multinacionais americanas descobriram no Brasil a galinha dos ovos de ouro. Vendiam na Argentina um DVD por vinte dólares e no Brasil por sessenta dólares. Ótimo negócio. Para eles. Os cartuchos de Vídeo Game passavam de trezentos reais. Ninguém destas multinacionais viram que estavam matando a galinha dos ovos de ouro. Dito e feito. Dois anos depois em um mês meu faturamento caiu cinquenta por cento. Comecei a ficar preocupado para não dizer desesperado. Afinal tinha centenas de boletos a pagar e não podia deixar de comprar os lançamentos. A cada mês mais e mais o faturamento caia. Investi o que não tinha em uma Lan Rouse. Em uma loja coloquei vinte computadores e em outra mais dez. Deu para segurar um pouco, mas eu sabia que não tinha futuro.  O cabo de sinal de internet corria meu bairro e muitos já tinham sua Banda Larga em sua residência.


                Final da história. Quebrei. Quebrei bonito. Devendo a bancos, a multinacionais de filmes, as revendas e não tinha onde tirar. Coloquei tudo que tinha a venda. O que consegui mal cobriu os vinte e cinco mil reais. Nem deu para pagar sessenta por cento do que devia. Para quem teve uma oferta de duzentos mil era para rir ou chorar. Fechei tudo. Era só prejuízo. Ferrei-me bonito. A pirataria tomou conta. Acabou com tudo. Locadoras passaram a ser peças de museu. A gigante Blokbuster se foi. Fechou em todo o mundo. A Lan Rouse era um nada em meu faturamento. Nem pagar o aluguel dava. Tinha uma aposentadoria de dois salários. Como viver? Meus filhos se cotizaram e até hoje fazem isto. Sem eles não teria nada. Graças a eles eu me vejo na condição de alguém que não tem nada, mas tem uma casa alugada, não falta o trivial, e mesmo não tenho mais nada eu acho que tive o que mereci. Há mais de dez anos que descobri ter um Efisema Pulmonar. Sem cura, mas que com remédios certos vou podendo sobreviver. Ando sofregamente, faço inalações varias vezes ao dia. Consegui ter os remédios mais custosos custeado pelo Estado. Pois é, a vida é assim mesmo, como diz a nossa oração Escoteira, uns tem e não podem, outros podem e não tem, nós que temos e podemos agradecemos ao Senhor. De qualquer maneira sou feliz. Afinal quem tem uma linda esposa e lindos filhos quer mais o que?

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