Na década de 70, trabalhei por cinco anos, num empreendimento agropecuário no Norte de Minas. Foi uma das melhores épocas de minha vida. Vivi em plena natureza com minha mulher e meus filhos uma situação impar, aquela de estarmos juntos a cada minuto, em todo o tempo que lá estive.
A historia contada
abaixo pode quem sabe ser somente uma historia. Mas aqui não sei se a história
supera a ficção. Quem ler que tire suas conclusões.
“Inté
parece qui foi onti, inda me lembro cumo se fosse hoje. A lua bunita que nem um
quejo redondo resfolegava sua craridade por dentro das grades e eu aqui neste
buraco sujo com meus pensamentos martratados pela dor da lonjura, me fazia
lembrar de Rosamaria. Rosamaria, ah! – Meu Deus! Pru que teve qui sê ansim?”
Zé
Pindoba, um vaqueiro que deixou saudades!
Sô Chico, andava por aqueles
vales, correndo e sem enfrentar desafios pela frente. O velho Chico é o nosso
amigo que fica lá pelas bandas do norte de Minas, nasce na serra da Mantiqueira
e atravessa três estados do Brasil. Um rio que percorre a maior distancia da
nascente a foz em todo o mundo. Em cima de uma pequena elevação, avistávamos as
gaiolas (embarcações a vapor) indo e vindo, transportando um mundão de gente,
de Pirapora até a Bahia. Eram quatro dias descendo e sete subindo. Redes,
macacos, galinhas, cargas de toda espécie apinhada no convés.
Pescadores em suas tranas,
canoas e caiaques varavam de margem a margem a procura dos grandes ou mesmo
pequenos peixes. A força das águas do São Francisco não se compara ao por do
sol amarelado de um dia quente, e a apenas meio ou mais quilômetros de suas
margens já mostrava um terreno seco, sem vida, a espera de uma chuva que não
vinha. O rio ali oferecia muito mais. Acima, corredeiras lindas, abaixo uma
praia que refrescava quem se arriscava a pular em suas águas. Bem mais acima, a
ponte da estrada de ferro, hoje desativada, que levava a Buritizeiro.
Naquela época se viajava de
trem. Maria Fumaça e depois a Diesel. Mais de 8 horas da capital até lá. Após o
asfalto, vir de ônibus não demorava mais que 3 horas e meia. O trem, infelizmente
foi desativado. Uma pena. Lembro ainda, quando da chegada de uma gaiola, o
pequeno porto ficava apinhado de gente, olhando, vendendo, esperando, ou mesmo
quem sabe alugando seus braços para mais uma jornada de trabalho. Ali, a
chegada da “Baianada” era uma festa. Foi assim que conheci e vivi próximo àquela
cidade, que aprendi a amar, e que nunca mais esqueci. Não sei até hoje como foi
que fui parar ali, mas tenho certeza que foi um dos melhores anos de minha
vida.
Quatro léguas ao norte, no
sentido de Montes Claros, a Fazenda São Vicente com seus 22.500 hectares de
terra, com suas 3.500 cabeças de gado, fincada as margens do Rio das Velhas e
do Velho Chico, fazia divisa com Várzea da Palma, perto da estrada que levava a
capital do estado. Mas não estou aqui para prosa, pois quero é contar uma
passagem nesta terra, onde dizem que Cristo passou uma vez e nunca mais voltou.
Como não sei quando poderei contar de novo, é melhor aqui falar e falar, da
maneira com que vivi e acho que até esqueci. Espero que minhas escritas se
espalhem de norte a sul e de leste a oeste, como se fosse o vento ou a brisa de
um fogo de conselho, escondido em uma noite qualquer. Mas claro, só para os
amigos chegados.
Minha vida marcante, como
admistrador/gerente daquela fazenda, mostrou “causos”, lindas aventuras em cima
de um cavalo, belezas nunca vista e depois que de lá saí, nunca mais encontrei
neste mundo de Deus algum que se comparava com aquela vida. Fazenda São Vicente
ou do Banco, ou da Líder, dos grandes amigos sinceros e leais, do Nilo, do
Geraldo Velho, do sô Manezinho, Antonio Vaqueiro, Geraldo Tratorista, Antonio
da Linda, Negão, Geraldinho Vaqueiro, Sarduá e tantos e tantos outros que agora
não dá para anotar.
Mas chega de caçenga e vamos
aos entretantos.
“O gado, como se fosse um mar
de chifres, estava sendo levado para a curralama principal, os mugidos, os
pulos saltitantes de um e outro, o corre corre da bezerrada, uma vaqueiro
campeia em seu cavalo aqui, outro acolá. Alguém lá na frente canta em voz alta,
acreditando que o gado vai seguir o canto conhecido”. Te segura Mané! Pega lá
Tonho Vaqueiro! É isto aí, sarta de lado seu bosta!”– Puta que pariu”! To porco!
Oia vaca veia disgraçada. Aiôô vamos vacada!
Mais uma junta de gado. Isto
para mim sempre é um espetáculo diferente. Quando fazemos um junta, meus
pensamentos voltam no passado e me lembro com saudades daquele cabra da peste.
Meu amigo Zé Pindoba. É hoje faz muitos anos que ele se foi e outros tantos
quando o conheci. Para mim, um dos melhores vaqueiros daquelas bandas. Apesar
de tudo, da fatalidade do acontecido, de sua brutalidade, nunca, mas nunca
mesmo vou esquecê-lo, jamais. Foi lá pelos idos da década de 70, num verão
quente de inicio de março, aquele sol seco de quase 40’ graus, os pastos
amarelados, sem uma nuvem no céu, que o Zé das Flores, (não se enganem, apesar
do nome era muito macho!) um vaqueiro antigo foi embora.
Sarduá, aquele que se
intitulava vaqueiro chefe e um amigão, me procurou na sombra de um Caquí velho,
também já seco: - Oia seu Osvardo, num tá mole não. Tamo só eu e o Mané na
Larguinha com mais de mir res. Tá foda!
Siô sabe qui num é mole não. Campiá na beira do rio, vacada veia,
atolada até o jueio só de dois num dá. Assim aperta! – Continuá deste jeito
nois tá porco! - Tá bem Sarduá. Sábado vamos a Bom Jesus tentar um homem bom.
Quem sabe temos sorte e resolvemos o problema só com uma viagem.
Bom Jesus é afamado pelos seus
vaqueiros. Fazendeiro que se preza só contrata naquela região. É um lugarejo de
umas 500 almas, com duas ruas. Uma de ida e outra de volta. Uma pracinha
simples e uma capela ao fundo. Numa das ruas tinha uma pequena farmácia, o
armazém, um pequeno salão onde ficava uma pessoa responsável pela prefeitura da
cidade próxima e um cabo da policia militar. Mais ao final da rua ficava o
boteco do “seu Teneia”. No boteco, estava eu e o Sarduá. Não havia outros
fregueses a não ser um bêbado deitado num canto do salão. Tenéia, o botequeiro,
magro, sem bigodes, cabelos ralos e pretos, dentes cariados e amarelados,
falava fanhosamente, mostrando um principio de tuberculose, muito comum naquela
região.
Tomando de coragem, pedi uma
pinga para mim e o Sarduá, forcei a bebida naquele copo sujo, pois de outra
maneira sabia que não ia conseguir nada. – Pois é seu môço, tá meio difircil de
arrumá um vaquero bom nestas bandas, teve aqui uma cumpania qui levo uns deis
homes, junto foi treis vaqueros de primera. Inté qui foi bão num sabe, pois
acabô as bagunça na vila e tá tudo Carmo. Memo tomando prejuízo, pois minhas
pingas vendo poco. Num tem certeza, mas disse o Marquito onti, que do outro
lado do rio tem um bão. Mas acho que num vai não. Tá prantando roça e seu mio
tá bunito qui só vendo. Oia aqui só prá nois acho que ele vai perdê tudinho sô
moço. Com esse sor... Quá, ele tá porco!
O homem quando começa a falar
não parava. Era uma maritaca ambulante! Seu mau hálito enchia o boteco e se
deixasse ele falaria a tarde toda. Mas eu precisava de um vaqueiro e não queria
voltar de mãos abanando. - Oia, vou falá pru sinhô, incontraro o fio da
Fracisca com mais de 30 facada, o bicho tava parecendo uma penera. Ninguém sabi
quem foi. O delegado teve aqui e disistiu. Vai tá danado assim nos infernos
xente! – Se cotinuá assim nois tá porco! Falou, falou e falou até que
desconfiado me chamou num canto e disse: - Seu môço se o sinhô tá inrascado e
quizé tentá a sorte, aí tem um vaquero dos bãos. Não tem iguar nesta bandas.
Campeia como o vento. Laça qui nem avião. Trabaia que nem uma mula e sé dé prá
matá ele mata. Mas quando bebe, nem o capeta chega perto. É o diabo. Fica
valente, prosa e dispois é isso aí que o sinhô tá vendo. Seu nome? Zé Pindoba!
Já tínhamos viajado uns 20
quilômetros numa estrada esburacada, poeirenta e a C-10 não fazia mais que 40
por hora. O sol apesar da tarde ainda estava insurpotável. Sarduá comigo na
boleia estava calado. Olhos fixos na estrada, pois sempre que eu fazia o que
ele não gostava, fechava a cara e dizia – Quá, num sei não. Não teimava. Lá
atrás na carroceria ia o Zé Pindoba. Se entendeu bem o que disse não sei. Só
sei que depois de jogar na cara dele um balde de água e sacudi-lo bastante,
topou vir trabalhar conosco. Não falou bulhufas. Salário, comida, lugar de
dormir, não perguntou nada e não pediu nada.
Tinha passado uns dois meses
que o Zé Pindoba estava conosco. Sarduá e Mané a principio não foram com a cara
dele, mas passado semanas já estavam a elogiá-lo. O homem era um cavalo para
trabalhar. Lá pelas quatro da matina já esta de pé e era o primeiro a chegar ao
curral. Quando chegávamos o gado de leite já estava preso, algumas vacas já
desmamadas, a bezerrada berrando atrás da mãe e o Zé Pindoba cantando uma
canção que nunca vi ou ouvi. Olhava para nós dava uma risada e dizia, - vai prá
merda! –qui turma froxa! Tô aqui a tempo e só agora chega. Puta merda! – Assim
vou deixá de dá minha mijada e faço tudo sozinho. E dava outra gargalhada e
continuava cantando.
Terminado o serviço no curral,
bebia um litro de leite vivo e se mandava para o campeio. Voltava lá pelas onze
fazia seu almoço, dava uma cochilada e se manda de volta. Chega só pelas cinco.
Não tomava banho (dizia que só aos sábados, pois se não gastava a pele), fazia
a janta, sentava a porta do barraco que dei prá ele, acendia seu cigarro de
palha, mascava seu fumo tranqüilo. No inicio não bebeu, jurou para mim que
tinha parado e que iria iniciar vida nova.
- Porra seu Osvardo, nunca fui
nada na vida, agora quero miorá. Sinhô tá pagando bem, cumida, õ peste, Se num
fazê força num vô cunsigui nada! Era assim o Zé Pindoba. Toda conversa tinha
que ter um palavrão. Não só eu, mas todos viram que ele era um vaqueiro de
primeira. Trabalhador, sem frescura, amigo, boa praça, mas seu defeito demorou
a aparecer. A principio devagar. E eu mesmo aos poucos já estava perdendo a
paciência. Era a danada da bebida. Era difícil de acreditar, pois fazia seis
meses que estava conosco e não tinha ainda tomado uma providencia mais severa.
Uma tarde com o sol amarelado e
se pondo atrás da montanha do Arrió, eu estava sentado na varanda da minha
casa, quando me chamaram as pressas na fazenda do Zeca dos bode. Peguei a C-10
e me mandei. Lá chegando vi o Zé Pindoba com uma garrafa de pinga não mão,
bêbado feito uma égua (desculpe as éguas é só uma maneira de falar), querendo
de todo jeito agarrar a mulher do Coluna e levá-la para a cama. Coluna coitado,
já tinha levado uma cacetada na testa e meio zonzo num canto nem via o que
acontecia em redor. A mulher dele, gritando feito uma danada, com o Zé Pindoba
agarrando ela pelos cabelos e arrastando até o quarto da choupana me viu, fungou,
olhou de novo e disse – Oia seu Osvardo, vai prá porra, To sem muié a mais de
méis e essa aqui vai trepa cumigo. Vê si num trapaia, fais favô.
Fui até o carro, peguei o 38
que usava, voltei e disse – Olha Zé, se você não largar essa mulher agora e
sair daqui, te meto uns dois balaços no bucho e aí você vai pegar mulher no
inferno! Ele me olhou, serio a principio e depois deu um sorriso debochado,
balançando o corpo se aproximou e disse – Quando nasci mãe disse qui era
fedaputa, se sô fedaputa tanto faiz morrê agora ou otro lugar. Vô imbora, mas
num pensi qui é pru medo do revorve. Vô pru respeito cum sinhô. Me ajudô, me
respeitô e dívida é divida. Pegou seu chapéu, olhou para o Coluna, deu uma
risada e se foi.
Voltei à fazenda e fui até o
escritório para fazer a papelada de demissão do Zé Pindoba. Esperei ele curar
da bebedeira. Passou a noite e pela manha ele não estava na choupana. Fui para
o curral e lá estava ele. Me olhou, olhou os outros vaqueiros e repetiu o velho
chavão – Vai prá merda! Qui turma froxa. Tô aqui a tempo e só tão chegando
agora? Vai prá puta qui pariu. – Pensei comigo, deixe para lá. Quem sabe ele
aprende desta vez.
O tempo foi passando e o Zé
Pindoba sempre aprontava mais uma. Uma tarde fui chamado às pressas na
curralama da Larguinha e lá chegando, vi o Zé Pindoba com ar debochado, olhos
vermelhos (pinga na certa) encostado nas tabuas da cerca e quando me viu olhou,
fungou e disse: - Sô Osvardo, num foi curpa minha, a vaca era parida e tirou de
valente cumigo. Fui tirá bezerro dela prá tratá umbigo e ela me deu chifrada,
quase me arrancô o saco! Tá doendo prá merda! Fiquei puto e dei uma cacetada na
testa dela. Ela deito aí e fico cumo o sinhô tá vendo!
- A vaca estava morta. Era uma
vaca de uns 12 anos, mas achei que agora o Zé tinha passado das medidas. Chamei
no Escritório a tarde e dei uma boa de uma sacada nele. Minha intenção era ver
se ele me respondia mal e assim demiti-lo. Mas ele não falou nada. Ficou calado
o tempo todo. Adiei mais uma vez sua demissão e acho que não tenho culpa do que
aconteceu. Ainda acho que foi o destino.
Só quem conhecia o Zé Pindoba
como eu podia avaliar melhor. Costumava vir a minha casa, e lá pelas oito da noite
desligava o gerador de luz e uma visão sublime de um céu estrelado se abria e
ele ficava comigo na varanda, olhando este céu, as estrelas, embriagado com a
visão, pois ali estava um espetáculo inusitado. Zé sempre chegava de mansinho
ficava comigo olhando, jogando conversa fora. Muitas vezes eu falava como era
as estrelas, o céu, o espaço cósmico, falava de uma outra vida, de Deus e
tentava mostrar a ele como nós humanos devíamos proceder. Zé, com cara de
santo, balançava a cabeça, mas acho que não estava entendendo nada. Explicava o
Zé dos animais, do amor a eles e ele fingindo, balançava a cabeça concordando.
Zé Miranda tinha uma cara
gorda, baixo, com seus 50 e poucos anos, fala mansa como a não querer nada,
sempre com um cigarro de palha na boca, chapéu preto de copa com abas dobradas,
roupa comum de vaqueiro, botina clara, pisava macio e tinha muita conversa. E
que conversa! Chegou numa segunda feira pela manhã. Fui alertado pela empresa
de sua contratação. Sem me consultar diziam que entendia muito de novas
aguadas, pastos, plantação de capim de diversos tipos, além de conhecer bem
outras culturas. Diziam que seria de boa serventia para mim. Criar problema com
isto não seria de bom alvitre. Afinal quem sabe ele poderia me ajudar? Educadamente
ouvi tudo o que dizia, mas sem me fazer de sabido, infelizmente conhecia tudo o
que dizia saber. Com meus botões eu falava que aos poucos o colocaria nos
eixos.
No dia seguinte, pedi ao Zé
Pindoba para mostrar a parte mais distante da fazenda. Combinaram em sair bem
cedo no dia seguinte e assim foi feito. Iniciaram pelas largas do alto do Rio
das Velhas. Não sei não, mas estava adivinhando o desfecho. Alguns acharam que
o acontecido fora premeditado por mim e o Zé. De minha parte não. Mas acho até hoje que tenho culpa. Logo após
o serviço na curralama, partiram. Levaram uma marmita cada um, pois a viagem
levaria o dia todo. E olhe, veriam somente uma pequena parte da fazenda. Se
fossem conhecer tudo, levaria bem uns três dias.
La pelas dezoito horas comecei
a ficar preocupado. Não tinham ainda
chegado. Pensei no pior, mas achei que o Zé Pindoba não chegaria a tanto. Foi dito e feito. À noitinha o Zé chegou e
nada do Zé Miranda. Perguntei o que aconteceu e ele disse meio sério e meio
fingindo (sorria de leve) que o seu Miranda tinha deixado ele na mata e que
iria seguir sozinho, pois sabia o caminho. – Seu Osvardo, quem sou eu prá
discordá. Disse também que ele iria dar uma volta no capão da Larga Grande. No
capão? Pensei eu. O local é um leito seco, sem água, espinhos para todo o lado,
mata fechada e sem saída!
Naquela hora não falei nada. Chamei
mais uns 10 vaqueiros e fomos a procurada do Zé Miranda. Levei varias
lanternas, pilhas de reserva e claro, meu 38. Quase 3 horas da manhã, rouco de
tanto gritar passei pelo Mané, Seu Geraldo Velho, Nilo e nada. Do Zé Pindoba nem cheiro. O homem também
sumiu. Seis da manhã, com o corpo cansado, moído, voltei para a sede, e fui até
a cerca do pavão, quando vi o Mané o Zé Miranda e junto o Zé Pindoba. Outros
vaqueiros começaram a aparecer.
Zé Miranda parecia um mulambo.
Todo arranhado, roupas rasgadas, sangue espirrando na perna, na testa e
chingava feito um danado – Se eu não fosse pai de família – dizia – enchia de
chumbo o Zé Pindoba! – Ainda lembro da cara do Zé, ria baixinho e fingindo não
ter culpa dizia – olhe se você não tirasse uma de besta, metido a sabido, não
teria perdido. – Falou o Zé Miranda – Perdido sua mãe! Seu cachorro! Você me
deixou lá no meio do mato, eu chamei você e você se mandou! – Seu filudaputa! –
Seu filodumaegua!
Zé Pindoba fechou a cara virou
para o homem e disse mostrando o punhal na cintura – Num tenho pai e mãe nesse
mundo. Fui cagado num canto quarquer de um puteiro e se repeti de novo, te abro
uma brexa de cabo a rabo! Zé Miranda foi embora naquele mesmo dia. Mais uma vez
não mandei Zé Pindoba embora. Desta vez me senti culpado e quem sabe não foi eu
mesmo quem armei tudo no meu pensamento?
O tempo foi passando e ele
sempre aprontava uma e outra. Eu dizia e ele me respondia dizendo estar
arrependido e que não faria mais. Notei que os vizinhos e caminheiros que
passavam diariamente pela fazenda rarearam. Davam a volta pela fazenda do
Anísio que aumentava em muito a viagem. Motivo? – Zé Pindoba. Um dia estava eu
no escritório, todos os vaqueiros no campeio e chegou três homens a cavalo. Um
deles se identificou como Delegado de Captura e começamos a conversar. Para
melhorar a prosa, peguei uma garrafa de geremum, pinga da boa, feita do outro
lado do rio pelo Camberra, que tinha um alambique de primeira.
Logo começou a me fazer perguntas, sobre um
homem. Me descreveu seu tipo, era um vaqueiro daquelas bandas, com o nome de Dionísio
da Cruz. Falou que ele tinha umas 15 mortes nas costas. Matou o último num
boteco as margens do São Francisco, perto de Buritizeiro. Ele dizia o delegado,
era um perigo. Claro nunca matava pelas costas. Usava um punhal e uma garrucha
velha, mas sempre pronta a funcionar. Nunca utilizava uma segunda bala. A primeira
bastava. Depois de algumas horas se foram, não sem antes pedirem que se ver
alguém como ele para logo em seguida contar na delegacia de Pirapora. Não havia
dúvida. Era o Zé Pindoba. Agora o assunto tinha mudado. Sua demissão deveria
ser imediata. No entanto era época da vacinação contra aftosa e plantio de roça
e achei melhor adiar uns meses.
O Zé ficou. Não sei se foi uma
desculpa, o que eu estava pretendendo, dar sempre uma nova oportunidade,
acreditar no ser humano e quem sabe ele mudaria? Afinal todos sempre todos tem
direito a uma oportunidade, mas talvez eu estivesse dando a um homem perigoso e
que alem de assassino poderia matar alguém na fazenda. Quem sabe até eu. Um dos
maiores defeitos do Zé Pindoba era a maneira com que tratava os animais. Ele
achava que o animal veio a terra para servir o homem. Se o cachorro não
obedecia, faca nele. Se a galinha não botava ovos, panela para ela. Animal tem
que servir o dono seu Osvardo, dizia, ô intonse não vali nada!
Em todo campeio lá estava ele,
com um laço rodando, pega daqui, corre lá e pumba! Não errava. Jogava a rês no chão,
amarrava as patas, olhava as feridas, tratava, desamarrava e dava um belo chute
no trazeiro do bicho. “Zé diziam todos, um dia você vai pagar por isto”. – Mas
sô Osvardo, foi só um chutinho! E ria desbragadamente. Quá, ele não tem jeito
não. Em meados de maio, não me lembro bem, foi até uma semana boa, pois tivemos
algumas chuvas, claro que de manga (chuva por área, chove aqui não chove ali),
mas sempre valiam. Quem sabe atrás delas viriam uma chuvarada das boas.
Estávamos todo mundo em volta
da lagoa, juntando um gado arisco e levando para a curralama da Larga Grande.
Comprei uma grande quantidade de vermífugos e aproveitamos para vacinar também
contra aftosa. Meu corpo naquela tarde estava todo moído. Mais de quatro dias
correndo aqui e ali atrás do gado com os vaqueiros e minha bunda doía naquela
cela infernal. Ainda não tinha o calo dos veteranos como me diziam. Valia à
pena, no entanto o espetáculo. Os pássaros assustados, as cascavéis ocultas no
cupim, o barulho do gado, a poeira solta, e lá íamos nós levando o gado para o
curral.
Ali já no corredor (estrada
estreita com cerca dos dois lados que terminava na porteira do curral) eu ia atrás,
comendo poeira das boas, olhos vermelhos, ouvia alguns cantando suas canções
prediletas, e como sempre achavam que o gado ficava manso com aquela maneira de
cantar. Zé pindoba ia à frente, e ao chegar na porteira para abrir montado em
seu cavalo Beiçudo, viu que ela estava agarrando e não abria. Fez o que nunca
se faz, principalmente com aquela boiada atrás. Desceu do cavalo e forçou a
porteira. Tentava e tentava e o gado ajuntando forçando para frente. Claro que
o gado sempre para quando vê o homem, mas naquele dia não parou. Foi um
verdadeiro estouro!
Anos depois, estava eu de novo
na junta, desta vez à frente, e abri com facilidade a porteira claro que a
cavalo. O gado parou esperou e andando normalmente foi para a curralama sem
correr, sem forçar.... – É sempre assim que acontece. Sejas com quem seja. O gado conhece, ele marca ele respeita. Um
mar de chifres, o céu azul, lá ao longe nas serras distantes algumas nuvens
brancas correm rumo ao sol. Quem sabe pode vir alguma chuva. Vamo Redonda! Vamo
Risoleta! Oia vaca veia! Aiô gado dos inferno. É eu me sinto bem aqui. No meu
cavalo, naquela lida, vendo o tempo passar com a natureza em volta me sinto
realizado. Isto me faz continuar aqui. Quanto tempo não sei, sou meio
andarilho, hoje aqui, amanhã ali. Mas faz cinco anos que estou nesta lida.
Passo pela porteira que ao lado
tem uma cruz de madeira fincada. Me benzo e peço a Deus pela vida dele. A
poeira cobre tudo, o suor se mistura. Amanhã é outro dia. Ainda tenho muitas
coisas que aprender. Quem diria algum dia que eu dormiria às sete da noite e
acordaria às cinco da manhã?
Vamo Risoleta! Vorta Andorinha,
vamo gado dos infernos!Oia caraio da porra!
O tempo passou eu passei com o
tempo, outras historias aconteceram, mas agora sentado ouvindo o Miguezinho
cantando na sombra deste pé de Piqui, começo a lembrar do passado com saudades
e pensar que o destino é assim, não tem volta. Cada um escolhe seu caminho. Zé
pindoba marcou. Ficou marcado para sempre em minha vida. Tudo é bom enquanto
dura e melhor ainda se as lembranças marcam para sempre no nosso coração.
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