EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

segunda-feira, 24 de março de 2014

Lembranças do meu passado. A morte do Jequitibá.


Lembranças do meu passado.
A morte do Jequitibá.

         Há muitos e muitos anos eu um agraciado por Deus fui morar em uma grande fazenda. Ali vivi os melhores anos de minha vida, anos que nunca mais esqueci. Foram tantos momentos sublimes, momentos difíceis que me serviram de aprendizado e até hoje os trago no coração. Esta pequena história não tem nada de sublime e nem especial. Tudo começou em uma madrugada, dormia os sonos dos justos quando batidas na porta me acordaram. Olhei no relógio e era quatro e quinze. Eu sempre levantava às cinco e meia para ir a Curralama, conversar com a vaqueirada, beber um leite quente e voltar para o café que a Célia já teria preparado. Fui atender. Era o Manoel – Seu Osvaldo lá na entrada da porteira (ele morava perto) tem dois caminhões enormes, com dois tratores em cima e mais uns dez homens. Disseram que vieram a mando do Presidente da Fazenda. – Humm! Eu pensei. Não sabia de nada. Na C-10 era menos de cinco minutos. Contaram-me tudo. Iriam fazer um desmatamento e limpeza em duas largas e prepará-las para o plantio de eucaliptos.

       Foi um choque. Nunca pensei que o Presidente pudesse fazer aquilo. Cortar uma árvore para mim era como se cortasse uma parte de mim. - Fiquem aí. Quando amanhecer vou a Pirapora saber melhor desta história. Por enquanto não sei de nada e não posso autorizar. As nove já estava na Cia. Telefônica em Pirapora, em quinze minutos estava falando com um dos diretores. – Osvaldo o Presidente está nos Estados Unidos, mas eu estou sabendo de tudo. Conseguimos um financiamento da SUDENE e ele é muito bom. Só para reflorestar. O Presidente conta com você. – Fazer o que? Eu era um empregado. Achei que deveriam ter mais consideração e conversado comigo. A fazenda não ia mal, tínhamos quase nove mil cabeças de gado, eu praticamente plantava tudo, fazia silos para a seca, plantei uma boa área de braquiária e lá fiz oito piquetes. Dava tranquilamente para a vacada parida. Acontece que eu não era dono. Era empregado. Ordem dada é para ser cumprida.

      No papel dizia que a Larga Grande e a Larguinha seria toda ela limpa. Que tristeza. Na Larga Grande era onde tínhamos a única nascente. Mesmo que a limpa deixasse os arvoredos em suas margens eu sabia que o riacho ia secar. Como era triste ver os dois tratores trabalhando. Uma enorme corrente presa em cada um e eles como se fossem máquinas assassinas levavam consigo tudo que encontravam pelo chão. A vegetação do serrado não é densa, mas eu gostava dela. Milhares de pés de Pequis, pau-santo e lixeira eram dizimados sem dó e sem piedade. Pensava que o Presidente era como eu, um amante da natureza, lembro quando ele quase me implorou se conseguisse trazer a lagoa de volta. A seca de três anos atrás praticamente a deixou seca. Não foi difícil, uma boa limpeza, aprofundar mais a vazão e melhorar a barragem foi meu segundo passo. Na primeira cheia do Rio das Velhas o açude começou a encher. Eu sabia que os peixes iriam procurar a barragem, pois eles precisavam de águas calmas para desovar.

        Dois meses depois o Presidente chegou sorridente. Abraçou-me e me parabenizou. Acho que a Lagoa para ele era muito mais que o gado e as plantações. Quando ele chegava se arranchava o dia inteiro proximo as mangueiras, fazendo churrasco e pescando. Nem sempre trazia amigos, mas agora depois da lagoa virou uma visita constante. Era o dono é claro. Agora tudo para mim estava acabando. Cada árvore cortada me machucava muito. E o pior, fizeram diversos fornos para fazer carvão com a lenha dizimada. Tudo autorizado. Uma tarde a cavalo vi os tratores se aproximando do pé de Jequitibá. A galope cheguei lá a tempo. - Este não eu disse. Este vai ficar. Quantas vezes ele me serviu de sombra quando fazia uma inspeção no gado ali alocado? Eu e Celia e os meninos quantas vezes fizemos ali pic nics que nunca esquecemos? – Ele não! – Me olharam como se eu fosse um idiota.

      Chamei-os todos em minha volta, não pretendia dar uma lição da natureza, eram homens rústicos e incultos neste mister, e só disse que os pés de árvores mais conhecidas deveriam ser preservadas. Riram baixinho – Olhe seu Osvaldo, nossas ordens são outras. – Repisei - Se eu encontrar um só pé de Jequitibá, aroeira ou outra retiro vocês da fazenda imediatamente. Enquanto estiver aqui quem manda sou eu! Mais um ano e fui embora para São Paulo. Não cheguei a ver o plantio de eucaliptos. Mesmo sendo uma floresta diferente eles nunca iriam substituir o cerrado que eu amava em minha mente. Voltei lá dois anos depois para visitar amigos. O eucalipto estava crescendo e já se via uma bela mata. Fomos eu e o Antonio Tratorista que trabalhou comigo dar uma volta na larga grande. O jequitibá não estava lá. Os monstros o haviam cortado. Por quê? Ele não iria atrapalhar em nada!   

     Preferi não voltar mais lá. Queria manter na lembrança como era a Larguinha e a Larga Grande. Queria pensar como era a lagoa quando sai, pois agora a transformaram em um imenso arrozal O gado foi todo vendido. Por quê? Não sei e nem perguntei. E meu Jequitibá com copa alta e suas folhas que lhe davam uma sombra gostosa ele sim, devia ficar cravado em minhas memórias como eu o conhecia antes. De vez em quando eu maldigo a modernidade. Os homens não se preocupam como será a terra quando seus filhos e netos crescerem. A culpa é de quem? Dos donos do poder e daqueles que poderiam fazer algum e não o fazem.

Plantar e crescer colher ou envelhecer
tratar ou poluir desmatar ou construir

essa é a natureza com toda a sua beleza
que alguns com certeza já puderam amar

rosas nos campos aromas de amor
de todas as flores você meu amor.

Taiane Nascimento Grimas.

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