EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

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Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Eu tive uma bicicleta Husqvarna. Ela se chamava “Filisbina”.



Eu tive uma bicicleta Husqvarna. Ela se chamava “Filisbina”.

      Eu tive uma bicicleta Husqvarna. Sei que muitos de vocês também tiveram suas bicicletas, mas a minha Husqvarna... Deus do céu! Era linda. Poderia contar mil histórias da minha bicicleta Husqvarna, mas hoje tirei o dia para lembrar. Sempre sonhei com uma bicicleta. Sonhava em ter uma para que ela me levasse a todos os lugares, a fazer as compras que minha pedia e devolver quando ela mandava, pois nem sempre ela concordava com o preço. “Que vergonha” ao devolver. Ouvia poucas e boas do vendeiro. Mas com uma bicicleta só minha seria diferente. Devolveria, pegaria o dinheiro de volta e pernas para quem vos quero. Andava eu pelos meus oitos anos. Meu pai estava trabalhando em uma cidade distante. Minha mãe foi lá para que ele voltasse a nossa casa, pois sentíamos muita falta.

    Qual não foi minha surpresa quando vi que ele tinha uma bicicleta Phillips, mas para adulto. Não me dei por vencido. Fiquei ali por horas olhando a bicicleta do meu pai. Era preta quadro duplo. Um dia soube que as Phillips eram fabricadas em Smethwick, Birmingham na Inglaterra. Era uma fábrica famosa. Ainda não tinham aparecido as brasileiras e as poucas que apareciam tais como a Monark ninguém ainda dava valor. Papai! Posso? Ele balançou a cabeça. Sabe andar? Claro papai! – sabia nada. Nunca andei. Empurrei morro acima na rua ao lado onde ele morava, enfiei uma perna entre os quadros, pois por cima não tinha altura, e deixei a bicicleta correr morro abaixo. A velocidade aumentando, o vento batendo no meu rosto, a adrenalina subindo eu rindo e esqueci que precisava parar! Esborrachei ao lado da rua em um terreno baldio. Levei a bicicleta arrastando para o meu pai. Chorava e sabia que a bronca não ia ser fácil de ouvir. Meu pai me olhou e disse – Machucou? Ele viu varia escoriações e nesta hora o mertiolate era a salvação.

      Meu pai, meu amigo, não brigou comigo. Parou o que estava fazendo – Esta bicicleta é grande demais para você. Vamos andar um pouco, mas não vai ser fácil você pedalar entre os quadros – ele disse. Foi assim que começou minha vida de bicicleteiro. Hoje chamam de ciclista. O tempo passou e ele voltou para casa abrindo uma oficina de rádio. – Você trabalha comigo depois da escola e eu lhe compro uma bicicleta nova. Ele disse. Não deu outra. Entrava nos meus onze anos e como ela fazia falta. Não demorou um mês. Ao chegar na oficina logo vi uma linda e maravilhosa Husqvarna, pneu balão faixa branca. Linda demais. Ria a mais não poder. Dei um grande abraço nele e vi seus olhos brilharem. Posso? É hora de trabalhar eu sei! – Vá, experimente. Fiz uma troca com o Zé Valentim. Ela é nova. Tem dois meses de uso. Deus do céu! Era bom demais. Em minutos cheguei à casa do Helinho – Vamos lá amigo, pegue a sua, vamos rodar por aí!

     Eu sabia de cor o nome da minha bicicleta marrom, pneu balão faixa branca. Era uma Husqvarna, fabricada na Suécia. Diziam a boca pequena que tudo de lá era perfeito. Fiquei com ela por muitos anos. Rodamos juntos meio Brasil. Levou-me a lugares nunca antes imaginados. Todas as cidades próximas a minha foram visitados. Ela ficou conhecida. Era tão boa que eu judiava dela. Levava um na garupa, outro no quadro e outro sentado no guidom. Quatro na coitada da “Filisbina”. Ela nunca reclamou nem quebrou. Todos os dias eu a lavava e engraxava. Tratava dela como um irmão. Um dia quase ela se foi quando fomos a Mantena. Uma descida forte e do lado direito um despenhadeiro. Perdi o equilíbrio e ela se foi montanha abaixo. Eu fiquei preso a uns arbustos. Lá de cima ouvíamos um barulho de uma cachoeira. Todos diziam que não valia a pena descer. Ela estava perdida.

    Fiquei ali sentado e não chorei. Já estava entrando nos meu quatorze anos e como era um Escoteiro todo diziam que escoteiro não chora. O sol já ia se por, mas peguei umas cordas amarrei e comecei a descida. Chegue à metade do despenhadeiro e a corda acabou. Desci devagar. Passo por passo. Noite escura e eu achei minha querida “Filisbina” em cima de uma arvore. Em minutos ela estava no chão, não sofreu nada a não ser alguns arranhões de guerra. Passei a noite ali com ela, pois no outro dia e pensar como voltar à estrada. Nunca foi tão fácil. O dia amanheceu e a menos de duzentos metros vi a estrada. Não foi só essa aventura. Tiveram várias. Com a “Filisbina” eu cresci. Todos na cidade a conheciam, pois sempre tinha dois ou três Escoteiros sentados nela. A Celia a conheceu e nela andou muitas vezes. Quando minha sogra deixava ela sentava no bagageiro e a gente ia passear na cidade. Na cidade ok?

    Belos tempos, tempos da minha “Filisbina” querida. Quando fiz dezoito e a família foi para a capital não tive como levá-la. A vendi a troco de nada. Sempre desejei que ela fosse feliz com o novo dono como foi comigo. Foram quase sete anos juntos. Nunca deixei que nada nela ficasse sem arrumar. São coisas da vida. Sempre temos fatos para lembrar e pensar que a gente foi feliz. Uma bicicleta me fez feliz. Tive outra na Usiminas. Uma Hércules inglesa. Não era uma Husqvarna e todos diziam que a Hércules era mais forte. Sei não! Hoje passado tanto tempo lembro com alegria das minhas duas bicicletas e pouco me lembro dos automóveis que possui. Não me deram a alegria que um dia as bicicletas me proporcionaram.


     Belos tempos! Belas jornadas e uma bicicleta inesquecível! A minha querida “Filisbina”!      

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