EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Saudade não tem idade.



Saudade não tem idade.

        De vez em quando me olho no espelho e me pergunto: Quem é você? Risos. Pergunto-me porque morei em tantos lugares, pois deste pequeno até hoje morei por boa parte do Brasil. Fazendo um dia destes uma contagem me perdi nas setenta e quatro. Isto mesmo. A cada mudança uma maneira de ver o mundo, um sorriso aqui e ali, e não se iludam. Tinha e ainda tenho uma cara amarrada e feia. Se estiver naqueles dias cuidado ao se aproximar de mim. Setenta e quatro mudanças, mas acho que ouve muito mais. Ai eu começo a lembrar dos tempos de cada uma destas e como se fosse um filme elas vão passando pela minha mente.
         Vamos ver se consigo lembrar-se de fatos interessantes. Ops! Aqui está um. Dezessete anos. Sem dinheiro e duro. Trabalhando com meu pai, mas naquele galinheiro não tinha ovos com fartura. Tinha um primo. Cesamar. Seis meses mais "Velho". Conseguiu um emprego em uma empreiteira destas que tinham um bloco para asfaltar a Rio Bahia. “Bitelô” (como me chamava) se quiser consigo alguma coisa para você lá. Tire a profissional. Quando estiver com ela vai comigo até o trecho de obras. Não me lembro do nome da Companhia. Acho sem ter muita certeza que era a Techint Engenharia e Construção.
         Não foi difícil. Cheguei de manhã e a tarde estava empregado. Meu primeiro emprego de carteira assinada. Estava orgulhoso. Colocaram-me no Setor do Pessoal. Mas e mal escrevia a maquina. Mas dava para o gasto. O Chefe me disse que eu iria trabalhar no campo. Como apontador de horas. Era um trabalho simples. Durante um dia fiquei com ele na sede da empresa. No terceiro dia entrei em um caminhão caçamba e junto a diversos peões lá fui eu para o trecho. Orgulhoso. Primeiro emprego, dando sorrisos para a “piãozada” e pensei comigo. Breve seremos todos amigos.
          Quarto dia, muitos de cara amarrada comigo. – Porque motivo pensava. Estávamos próximos a Alpercata. Um poeirão dos diabos. Meu trabalho era simples. Verificar em um trecho de cinco quilômetros quem estava trabalhando, quem chegava atrasado ou quem tinha faltado. Não sabia, mas quase ninguém aceitava aquela função. Meu primo também não sabia. Dos anteriores dois foram esfaqueados, um morto e muitos que fugiram para nunca mais voltar. Por quê? Simples, era no salário deles que a gente estava mexendo. Você corta um dia, corta um atraso e o final do mês já sabe.
          Guachura era um moreno forte. Conversava muito comigo. Um dia menos de oito dias trabalhando ele me procurou. Bitelô, melhor se mandar. Neco e outros pretendem brincar de faquinhas em seu corpo. Juram que perderam muito dinheiro desde que você chegou. Tremi. Um medo enorme. Já sabia o que estava acontecendo. Contaram-me no alojamento das Três Marias. Falei com Cesamar ele era igual a mim. Um medo de morrer enorme. Falei com o Chefe do Pessoal. Ele riu e só disse – Calma, mas tenha cuidado. E todos lá na sala deram belas risadas.
           Cheguei atrasado ao trecho. Nem bem desci da caminhonete e eis que Guachura e mais cinco se aproximaram. Guachura levava nas mãos uma enorme faca, faca? Que isso, era uma enorme peixeira. Joguei a prancheta neles e aprontei uma correria infernal. Duvidava que me pegassem. Era bom corredor. Corri mais de cinco quilômetros e para descansar entrei na mata e lá fiquei até escurecer. Sai e meia hora depois cheguei em Alpercata. Peguei um ônibus para minha cidade. Medroso? Sou sim. Morrer para que? De morte morrida vá lá mas de morte matada não é mole.
           Cesamar uma semana depois trouxe meu dinheiro, minha mala e minha carteira já dado baixa. Carteira Profissional nova, dez dias e já dado baixa pode? Para mim sim. Ficar lá e ser estrepado por um punhal é que não ia dar. A vida vale muito para ser jogada pela janela. Mas não foi só essa vez que por um triz não me estrepei. Acho que Deus me ajudou e muito. Voces já sabem que fui um gerente de uma enorme fazenda. Coisa boa. O melhor emprego que já tive. Pena que só durou seis anos. Mas valeu.
            Estava no escritório. Um enorme galpão. Enorme meio. Para ter ideia eram quatro divisões de mais ou menos cento quarenta metros quadrados. Uma eu fazia de escritório e almoxarifado. Outra estoca milho. E olhe, vinte caminhões não dava para carregar ele todo. Minha casa ficava a uns cem metros dentro de um pequeno bosque. Manuel um dos vaqueiros veio correndo a cavalo. – Seu Osvaldo, um caminhão vindo da fazendo do senhor Manezinho está roubando muitos mourões pelo trecho que passam. Aqui vi eles pegarem um dez. algumas cercas foram derrubadas.
             E agora? Tinha fama de mau. Mau? Risos. Só fama. Tinha comprado um revolver do senhor Jacinto, um fazendeiro vizinho. Nunca tive uma arma. Nunca pensei em ter. Mas pensei comigo, mesmo que nunca houve nenhum roubo, nenhum crime aqui, estava com minha família e na sede não tem mais ninguém. As casas dos empregados ficavam longe. Mais de dois quilômetros. Divirto-me lembrar que comprei uma caixa de balas. Fui até a Larguinha, em uma elevação, coloquei duas latas de um litro de óleo vazias tomei distancia (mais ou menos dez metros). Esqueci de dizer, era um Colt calibre 38. Fui bom no fuzil quando estava no exercito mas fora isto nunca usei uma arma. Gastei uma dez balas e nenhuma acertou nas latas. Voltei para casa e guardei a arma no Escritório.
             Tinha que interceptar o caminhão. Não havia outro jeito. Que Deus me ajude. Peguei a arma e nem olhei se estava carregada. Pensei em chamar uns dois vaqueiros ou quem sabe os tratoristas. Não tinha ninguém na hora. Não dava tempo. Ou corria lá agora ou eles iriam levar todo produto do roubo. Peguei a C-10 cortei caminho pelo tanque d’água. Trecho ruim mas os pegaria na curva da onça. Entrei na estrada principal, pertencente à fazenda e logo vi o caminhão vindo em minha direção. Parei no meio da estrada. Não dava para eles passarem. Desci da caminhonete com a arma na cintura.
             Que merda! Mais de seis homens na carroceria e três na boleia. E agora José? Não tinha jeito. Pedi ao motorista para descer. Ele não disse nada. Os demais da boleia também desceram. Da carroceria ficaram todos. – Joguem todos os mourões que voces pegaram aqui. Agora e já! Só Deus sabia como eu estava. Olharam uns para os outros. Firmei uma mão na coronha do revolver. O motorista mandou jogar. Não eram dez, tinha mais de vinte! – Vou tirar meu carro e voces podem ir. Nunca mais poderão usar esta estrada. Se precisarem vão a pé até a sede e peçam.
            Entrei no carro morrendo de medo. Encostei e eles passaram. Fui atrás até que passaram pela porteira de entrada. Meu coração estava em disparada. Voltei à sede. Manezinho estava lá. – Seu Osvaldo, o senhor foi macho mesmo! Olhei para ele. – Eu estava lá. Fui a minha casa e peguei meu 32. Eles não me viram ou se viram obedeceram mais rápido. E começou a dar risadas que só ele sabia dar. Celia e os meninos não souberam ao que estava havendo. À noite contei. Ela ficou preocupada. - E agora marido? Eles podem te pegar em Pirapora. – Seja o que Deus quiser. Amanhã mesmo procuro o Delegado Fontoura. Ele saberá o que fazer. O Delegado era amigo. Um dos poucos que deixava pescar na fazenda e não escondia que a comida da Célia era uma das melhores. Sempre jantava conosco.
             Bem não houve nada mais através dos tempos. Fiquei lá por mais alguns anos e parti. Minha vida de andarilho. Uma proposta aqui outra ali lá ia eu embora. Arranchei-me em São Paulo. Tem tempo. Quanto tempo mais? Agora até o fim da vida. Não dá mais para aceitar desafios. São coisas da vida. Vida? Bem a minha foi assim. Um dia aqui outro ali e vivi feliz em todos estes anos. Dizem que saudade não tem idade e eu acredito. Não tem mesmo. Quem vive muito tem muitas lembranças. Quem vive pouco não vai lembrar de nada. E que assim seja!            

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