Na
década de 70, trabalhei por cinco anos, num empreendimento agropecuário no
Norte de Minas. Foi uma das melhores épocas de minha vida. Vivi em plena
natureza com minha mulher e meus filhos uma situação impar, aquela de estarmos
juntos a cada minuto, em todo o tempo que lá estive.
A história
contada abaixo pode quem sabe ser somente uma historia. Mas aqui não sei se a
história supera a ficção. Quem ler que tire suas conclusões.
“Inté
parece qui foi onti, inda me lembro de cumo se fosse hoje. A lua bunita que nem
um quejo redondo resfolegava sua craridade por dentro das grades e eu aqui
neste buraco sujo com meus pensamentos martratados pela dor da lonjura, me
fazia lembrar-se de Rosamaria. Rosamaria, ah! – Meu Deus! Pru que teve qui sê
ansim?”
ZÉ
PINDOBA, UM VAQUEIRO QUE DEIXOU SAUDADES.
Sô
Chico, andava por aqueles vales, correndo e sem enfrentar desafios pela frente.
O velho Chico é o nosso amigo que fica lá pelas bandas do norte de Minas, nasce
na serra da Mantiqueira e atravessa três estados do Brasil. Um rio que percorre
a maior distancia da nascente a foz em todo o mundo. Em cima de
uma pequena elevação, avistávamos as gaiolas (embarcações a vapor) indo e
vindo, transportando um mundão de gente, de Pirapora até a Bahia. Eram quatro
dias descendo e sete subindo. Redes, macacos, galinhas, cargas de toda espécie
apinhada no convés.
Pescadores
em suas tranas, canoas e caiaques varavam de margem a margem a procura dos
grandes ou mesmo pequenos peixes. A força das águas do São
Francisco não se compara ao por do sol amarelado de um dia quente, e a apenas
meio ou mais quilômetros de suas margens já mostrava um terreno seco, sem vida,
a espera de uma chuva que não vinha. O rio ali oferecia muito mais. Acima,
corredeiras lindas, abaixo uma praia que refrescava quem se arriscava a pular
em suas águas. Bem mais acima, a ponte da estrada de ferro, hoje desativada,
que levava a Buritizeiro.
Naquela
época se viajava de trem. Maria Fumaça e depois a Diesel. Mais de 8 horas da
capital até lá. Após o asfalto, vir de ônibus não demorava mais que 3 horas e
meia. O trem, infelizmente foi desativado. Uma pena. Lembro ainda,
quando da chegada de uma gaiola, o pequeno porto ficava apinhado de gente,
olhando, vendendo, esperando, ou mesmo quem sabe alugando seus braços para mais
uma jornada de trabalho. Ali, a chegada da “Baianada” era uma festa.
Foi
assim que conheci e vivi próximo àquela cidade, que aprendi a amar, e que nunca
mais esqueci. Não sei até hoje como foi que fui parar ali, mas tenho certeza
que foi um dos melhores anos de minha vida. Quatro léguas ao
norte, no sentido de Montes Claros, a Fazenda São Vicente com seus 22.500
hectares de terra, com suas 3.500 cabeças de gado, fincada as margens do Rio
das Velhas e do Velho Chico, fazia divisa com Várzea da Palma, perto da estrada
que levava a capital do estado.
Mas não
estou aqui para prosa, pois quero é contar uma passagem nesta terra, onde dizem
que Cristo passou uma vez e nunca mais voltou. Como não sei quando poderei
contar de novo, é melhor aqui falar e falar, da maneira com que vivi e acho que
até esqueci. Espero que minhas escritas se espalhem de norte a sul e de leste a
oeste, como se fosse o vento ou a brisa de um fogo de conselho, escondido em
uma noite qualquer. Mas claro, só para os amigos chegados. Minha
vida marcante, como administrador/gerente daquela fazenda, mostrou “causos”,
lindas aventuras em cima de um cavalo, belezas nunca vista e depois que de lá
saí, nunca mais encontrei neste mundo de Deus algum que se comparava com aquela
vida.
Fazenda
São Vicente ou do Banco, ou da Líder, dos grandes amigos sinceros e leais, do
Nilo, do Geraldo Velho, do sô Manezinho, Antonio Vaqueiro, Geraldo Tratorista,
Antonio da Linda, Negão, Geraldinho Vaqueiro, Sarduá e tantos e tantos outros
que agora não dá para anotar.
Mas
chega de caçenga e vamos aos entretantos.
“O
gado, como se fosse um mar de chifres, estava sendo levado para a curralama
principal, os mugidos, os pulos saltitantes de um e outro, o corre corre da
bezerrada, uma vaqueiro campeia em seu cavalo aqui, outro acolá. Alguém lá na
frente canta em voz alta, acreditando que o gado vai seguir o canto conhecido”.
Te segura Mané! Pega lá Tonho Vaqueiro! É isto aí, sarta de lado seu bosta!”–
Puta que pariu! To porco! Oia vaca veia disgraçada. Aiôô vamos vacada!
Mais uma junta de gado. Isto para mim sempre é um espetáculo diferente. Quando
fazemos um junta, meus pensamentos voltam no passado e me lembro com saudades
daquele cabra da peste. Meu amigo Zé Pindoba.
É hoje
faz muitos anos que ele se foi e outros tantos quando o conheci. Para mim, um
dos melhores vaqueiros daquelas bandas. Apesar de tudo, da fatalidade do
acontecido, de sua brutalidade, nunca, mas nunca mesmo vou esquecê-lo, jamais.
Foi lá pelos idos da década de 70, num verão quente de inicio de março, aquele
sol seco de quase 40’ graus, os pastos amarelados, sem uma nuvem no céu, que o
Zé das Flores, (não se enganem, apesar do nome era muito macho!) um vaqueiro
antigo foi embora. Sarduá, aquele que se intitulava vaqueiro chefe
e um amigão, me procurou na sombra de um Caquí velho, também já seco:
- Oia
seu Osvardo, num tá mole não. Tamo só eu e o Mané na Larguinha com mais de mir
res. Tá foda! Siô sabe qui num é mole não. Campiá na beira do rio, vacada
veia, atolada até o jueio só de dois num dá. Assim aperta! – Continuá deste
jeito nois tá porco! - Tá bem Sarduá. Sábado vamos a Bom Jesus
tentar um homem bom. Quem sabe temos sorte e resolvemos o problema só com uma
viagem.
Bom
Jesus é afamado pelos seus vaqueiros. Fazendeiro que se preza só contrata naquela
região. É um lugarejo de umas 500 almas, com duas ruas. Uma de ida e outra de
volta. Uma pracinha simples e uma capela ao fundo. Numa das ruas tinha uma
pequena farmácia, o armazém, um pequeno salão onde ficava uma pessoa
responsável pela prefeitura da cidade próxima e um cabo da policia militar.
Mais ao final da rua ficava o boteco do “seu Teneia”. No boteco,
estava eu e o Sarduá. Não havia outros fregueses a não ser um bêbado deitado
num canto do salão. Tenéia, o botequeiro, magro, sem bigodes, cabelos ralos e
pretos, dentes cariados e amarelados, falava fanhosamente, mostrando um
principio de tuberculose, muito comum naquela região.
Tomando
de coragem, pedi uma pinga para mim e o Sarduá, forcei a bebida naquele copo
sujo, pois de outra maneira sabia que não ia conseguir nada. –
Pois é seu moço, tá meio difircil de arrumá um vaquero bom nestas bandas, teve
aqui uma cumpania qui levo uns deis homes, junto foi treis vaqueros de primera.
Inté qui foi bão num sabe, pois acabô as bagunça na vila e tá tudo Carmo. Memo
tomando prejuízo, pois minhas pingas vendo poco. Num tem certeza,
mas disse o Marquito onti, que do outro lado do rio tem um bão. Mas acho que
num vai não. Tá prantando roça e seu mio tá bunito qui só vendo. Oia aqui só
prá nois acho que ele vai perdê tudinho sô moço. Com esse sor... Quá, ele tá
porco!
O homem
quando começa a falar não parava. Era uma maritaca ambulante! Seu mau hálito
enchia o boteco e se deixasse ele falaria a tarde toda. Mas eu precisava de um
vaqueiro e não queria voltar de mãos abanando. - Oia, vou falá pru
sinhô, incontraro o fio da Fracisca com mais de 30 facada, o bicho tava
parecendo uma penera. Ninguém sabi quem foi. O delegado teve aqui e disistiu.
Vai tá danado assim nos infernos xente! – Se cotinuá assim nois tá porco!
Falou,
falou e falou até que desconfiado me chamou num canto e disse: - Seu moço se o
sinhô tá inrascado e quizé tentá a sorte, aí tem um vaquero dos bãos. Não tem
iguar nesta bandas. Campeia como o vento. Laça qui nem avião. Trabaia que nem
uma mula e sé dé prá matá ele mata. Mas quando bebe, nem o capeta chega perto.
É o diabo. Fica valente, prosa e dispois é isso aí que o sinhô tá vendo. Seu
nome? Zé Pindoba!
Já
tínhamos viajado uns 20 quilômetros numa estrada esburacada, poeirenta e a C-10
não fazia mais que 40 por hora. O sol apesar da tarde ainda estava insuportável.
Sarduá comigo na boleia estava calado. Olhos fixos na estrada, pois sempre que
eu fazia o que ele não gostava, fechava a cara e dizia – Quá, num sei não. Não
teimava. Lá atrás na carroceria ia o Zé Pindoba. Se entendeu bem o que disse
não sei. Só sei que depois de jogar na cara dele um balde de água e sacudi-lo
bastante, topou vir trabalhar conosco. Não falou bulhufas. Salário, comida,
lugar de dormir, não perguntou nada e não pediu nada.
Tinha
passado uns dois meses que o Zé Pindoba estava conosco. Sarduá e Mané a
principio não foram com a cara dele, mas passado semanas já estavam a
elogiá-lo. O homem era um cavalo para trabalhar. Lá pelas quatro da matina já
esta de pé e era o primeiro a chegar no curral. Quando chegávamos o gado de
leite já estava preso, algumas vacas já desmamadas, a bezerrada berrando atrás
da mãe e o Zé Pindoba cantando uma canção que nunca vi ou ouvi. Olhava
para nós dava uma risada e dizia, - vai prá merda! –qui turma froxa! Tô aqui a
tempo e só agora chega. Puta merda! – Assim vou deixá de dá minha mijada e faço
tudo sozinho. E dava outra gargalhada e continuava cantando.
Terminado
o serviço no curral, bebia um litro de leite vivo e se mandava para o campeio.
Voltava lá pelas onze fazia seu almoço, dava uma cochilada e se manda de volta.
Chega só pelas cinco. Não tomava banho (dizia que só aos sábados, pois se não
gastava a pele), fazia a janta, sentava a porta do barraco que dei prá ele,
acendia seu cigarro de palha, mascava seu fumo tranquilo. No inicio não bebeu,
jurou para mim que tinha parado e que iria iniciar vida nova.
- Porra
seu Osvardo, nunca fui nada na vida, agora quero miorá. Sinhô tá pagando bem,
cumida, õ peste, Se num fazê força num vô cunsigui nada!
Era assim
o Zé Pindoba. Toda conversa tinha que ter um palavrão. Não só eu, mas todos
viram que ele era um vaqueiro de primeira. Trabalhador, sem frescura, amigo,
boa praça, mas seu defeito demorou a aparecer. A principio devagar. E eu mesmo
aos poucos já estava perdendo a paciência. Era a danada da bebida. Era difícil
de acreditar, pois fazia seis meses que estava conosco e não tinha ainda tomado
uma providencia mais severa.
Uma
tarde com o sol amarelado e se pondo atrás da montanha do Arrió, eu estava
sentado na varanda da minha casa, quando me chamaram as pressas na fazenda do
Zeca dos bode. Peguei a C-10 e me mandei. Lá chegando vi o Zé Pindoba com uma
garrafa de pinga não mão, bêbado feito uma égua (desculpe as éguas é só uma
maneira de falar), querendo de todo jeito agarrar a mulher do Coluna e levá-la
para a cama. Coluna coitado, já tinha levado uma cacetada na testa e meio zonzo
num canto nem via o que acontecia em redor.
A
mulher dele, gritando feito uma danada, com o Zé Pindoba agarrando ela pelos
cabelos e arrastando até o quarto da choupana me viu, fungou, olhou de novo e
disse – Oia seu Osvardo, vai prá porra, To sem muié a mais de méis e essa aqui
vai trepa cumigo. Vê si num trapaia, fais favô. Fui até o carro,
peguei o 38 que usava, voltei e disse – Olha Zé, se você não largar essa mulher
agora e sair daqui, te meto uns dois balaços no bucho e aí você vai pegar
mulher no inferno!
Ele me
olhou, serio a principio e depois deu um sorriso debochado, balançando o corpo
se aproximou e disse – Quando nasci mãe disse qui era fedaputa, se sô fedaputa
tanto faiz morrê agora ou otro lugar. Vô imbora, mas num pensi qui é pru medo
do revorve. Vô pru respeito cum sinhô. Me ajudô, me respeitô e dívida é divida.
Pegou seu chapéu, olhou para o Coluna, deu uma risada e se foi. Voltei
à fazenda e fui até o escritório para fazer a papelada de demissão do Zé
Pindoba. Esperei ele curar da bebedeira. Passou a noite e pela manha ele não
estava na choupana. Fui para o curral e lá estava ele. Me olhou, olhou os
outros vaqueiros e repetiu o velho chavão – Vai prá merda! Qui turma froxa. Tô
aqui a tempo e só tão chegando agora? Vai prá puta qui pariu. – Pensei comigo,
deixe para lá. Quem sabe ele aprende desta vez.
O tempo
foi passando e o Zé Pindoba sempre aprontava mais uma. Uma tarde fui chamado às
pressas na curralama da Larguinha e lá chegando, vi o Zé Pindoba com ar
debochado, olhos vermelhos (pinga na certa) encostado nas tabuas da cerca e
quando me viu olhou, fungou e disse: - Sô Osvardo, num foi curpa minha, a vaca
era parida e tirou de valente cumigo. Fui tirá bezerro dela prá tratá umbigo e
ela me deu chifrada, quase me arrancô o saco! Tá doendo prá merda! Fiquei puto
e dei uma cacetada na testa dela. Ela deito aí e fico cumo o sinhô tá vendo! -
A vaca estava morta. Era uma vaca de uns 12 anos, mas achei que agora o Zé
tinha passado das medidas. Chamei no Escritório a tarde e dei uma boa de uma
sacada nele. Minha intenção era ver se ele me respondia mal e assim demiti-lo.
Mas ele não falou nada. Ficou calado o tempo todo. Adiei mais uma vez sua
demissão e acho que não tenho culpa do que aconteceu. Ainda acho que foi o
destino.
Só quem
conhecia o Zé Pindoba como eu podia avaliar melhor. Costumava vir a minha casa,
e lá pelas oito da noite desligava o gerador de luz e uma visão sublime de um
céu estrelado se abria e ele ficava comigo na varanda, olhando este céu, as
estrelas, embriagado com a visão, pois ali estava um espetáculo inusitado. Zé
sempre chegava de mansinho ficava comigo olhando, jogando conversa fora. Muitas
vezes eu falava como era as estrelas, o céu, o espaço cósmico, falava de uma
outra vida, de Deus e tentava mostrar a ele como nós humanos devíamos proceder.
Zé, com cara de santo, balançava a cabeça, mas acho que não estava entendendo
nada. Explicava o Zé dos animais, do amor a eles e ele fingindo, balançava a
cabeça concordando.
Zé
Miranda tinha uma cara gorda, baixo, com seus 50 e poucos anos, fala mansa como
a não querer nada, sempre com um cigarro de palha na boca, chapéu preto de copa
com abas dobradas, roupa comum de vaqueiro, botina clara, pisava macio e tinha
muita conversa. E que conversa! Chegou numa segunda feira pela
manhã. Fui alertado pela empresa de sua contratação. Sem me consultar diziam
que entendia muito de novas aguadas, pastos, plantação de capim de diversos
tipos, além de conhecer bem outras culturas. Diziam que seria de boa serventia
para mim. Criar problema com isto não seria de bom alvitre. Afinal quem sabe
ele poderia me ajudar?
Educadamente
ouvi tudo o que dizia, mas sem me fazer de sabido, infelizmente conhecia tudo o
que dizia saber. Com meus botões eu falava que aos poucos o colocaria nos eixos.
No dia seguinte, pedi ao Zé Pindoba para mostrar a parte mais distante da
fazenda. Combinaram em sair bem cedo no dia seguinte e assim foi feito.
Iniciaram pelas largas do alto do Rio das Velhas. Não sei não, mas
estava adivinhando o desfecho. Alguns acharam que o acontecido fora premeditado
por mim e o Zé. De minha parte não. Mas acho até hoje que tenho culpa.
Logo após o serviço na curralama, partiram. Levaram uma marmita cada um, pois a
viagem levaria o dia todo. E olhe, veriam somente uma pequena parte da fazenda.
Se fossem conhecer tudo, levaria bem uns três dias.
La
pelas dezoito horas comecei a ficar preocupado. Não tinham ainda chegado.
Pensei no pior, mas achei que o Zé Pindoba não chegaria a tanto. Foi dito
e feito. À noitinha o Zé chegou e nada do Zé Miranda. Perguntei o que aconteceu
e ele disse meio sério e meio fingindo (sorria de leve) que o seu Miranda tinha
deixado ele na mata e que iria seguir sozinho, pois sabia o caminho. – Seu
Osvardo, quem sou eu prá discordá. Disse também que ele iria dar uma volta no
capão da Larga Grande. No capão? Pensei eu. O local é um leito seco, sem água,
espinhos para todo o lado, mata fechada e sem saída!
Naquela
hora não falei nada. Chamei mais uns 10 vaqueiros e fomos a procurada do Zé
Miranda. Levei varias lanternas, pilhas de reserva e claro, meu 38.
Quase 3 horas da manhã, rouco de tanto gritar passei pelo Mané, Seu Geraldo
Velho, Nilo e nada. Do Zé Pindoba nem cheiro. O homem também sumiu.
Seis da manhã, com o corpo cansado, moído, voltei para a sede, e fui até a
cerca do pavão, quando vi o Mané o Zé Miranda e junto o Zé Pindoba. Outros
vaqueiros começaram a aparecer.
Zé
Miranda parecia um mulambo. Todo arranhado, roupas rasgadas, sangue espirrando
na perna, na testa e chingava feito um danado – Se eu não fosse pai de família
– dizia – enchia de chumbo o Zé Pindoba! – Ainda lembro-me da cara do Zé, ria
baixinho e fingindo não ter culpa dizia – olhe se você não tirasse uma de
besta, metido a sabido, não teria perdido. – Falou o Zé Miranda – Perdido sua
mãe! Seu cachorro! Você me deixou lá no meio do mato, eu chamei você e você se
mandou! – Seu filudaputa! – Seu filodumaegua!
Zé
Pindoba fechou a cara virou para o homem e disse mostrando o punhal na cintura
– Num tenho pai e mãe nesse mundo. Fui cagado num canto quarquer de um puteiro
e se repeti de novo, te abro uma brexa de cabo a rabo! Zé Miranda
foi embora naquele mesmo dia. Mais uma vez não mandei Zé Pindoba embora. Desta
vez me senti culpado e quem sabe não foi eu mesmo quem armei tudo no meu
pensamento?
O tempo
foi passando e ele sempre aprontava uma e outra. Eu dizia e ele me respondia
dizendo estar arrependido e que não faria mais. Notei que os vizinhos e
caminheiros que passavam diariamente pela fazenda rarearam. Davam a volta pela
fazenda do Anísio que aumentava em muito a viagem. Motivo? – Zé Pindoba.
Um dia estava eu no escritório, todos os vaqueiros no campeio e chegou três
homens a cavalo. Um deles se identificou como Delegado de Captura e começamos a
conversar. Para melhorar a prosa, peguei uma garrafa de geremum, pinga da boa,
feita do outro lado do rio pelo Camberra, que tinha um alambique de primeira.
Logo
começou a me fazer perguntas, sobre um homem. Me descreveu seu tipo, era um
vaqueiro daquelas bandas, com o nome de Dionísio da Cruz. Falou que ele tinha
umas 15 mortes nas costas. Matou o último num boteco as margens do São
Francisco, perto de Buritizeiro. Ele dizia o delegado, era um perigo. Claro
nunca matava pelas costas. Usava um punhal e uma garrucha velha, mas sempre
pronta a funcionar. Nunca utilizava uma segunda bala. A primeira bastava.
Depois de algumas horas se foram, não sem antes pedirem que se ver alguém como
ele para logo em seguida contar na delegacia de Pirapora.
Não
havia dúvida. Era o Zé Pindoba. Agora o assunto tinha mudado. Sua demissão
deveria ser imediata. No entanto era época da vacinação contra aftosa e plantio
de roça e achei melhor adiar uns meses. O Zé ficou. Não sei se foi
uma desculpa, o que eu estava pretendendo, dar sempre uma nova oportunidade,
acreditar no ser humano e quem sabe ele mudaria? Afinal todos sempre todos tem
direito a uma oportunidade, mas talvez eu estivesse dando a um homem perigoso e
que além de assassino poderia matar alguém na fazenda. Quem sabe até eu.
Um dos
maiores defeitos do Zé Pindoba era a maneira com que tratava os animais. Ele
achava que o animal veio a terra para servir o homem. Se o cachorro não
obedecia, faca nele. Se a galinha não botava ovos, panela para ela. Animal tem
que servir o dono seu Osvardo, dizia, ô intonse não vali nada! Em
todo campeio lá estava ele, com um laço rodando, pega daqui, corre lá e pumba!
Não errava. Jogava a rês no chão, amarrava as patas, olhava as feridas,
tratava, desamarrava e dava um belo chute no trazeiro do bicho. “Zé diziam
todos, um dia você vai pagar por isto”. – Mas sô Osvardo, foi só um chutinho! E
ria desbragadamente. Quá, ele não tem jeito não.
Em
meados de maio, não me lembro bem, foi até uma semana boa, pois tivemos algumas
chuvas, claro que de manga (chuva por área, chove aqui não chove ali), mas
sempre valiam. Quem sabe atrás delas viriam uma chuvarada das boas.
Estávamos todo mundo em volta da lagoa, juntando um gado arisco e levando para
a curralama da Larga Grande. Comprei uma grande quantidade de vermífugos e
aproveitamos para vacinar também contra aftosa. Meu corpo naquela tarde estava
todo moído. Mais de quatro dias correndo aqui e ali atrás do gado com os
vaqueiros e minha bunda doía naquela cela infernal. Ainda não tinha o calo dos
veteranos como me diziam.
Valia à
pena, no entanto o espetáculo. Os pássaros assustados, as cascavéis ocultas no
cupim, o barulho do gado, a poeira solta, e lá íamos nós levando o gado para o
curral. Ali já no corredor (estrada estreita com cerca dos dois
lados que terminava na porteira do curral) eu ia atrás, comendo poeira das
boas, olhos vermelhos, ouvia alguns cantando suas canções prediletas, e como
sempre achavam que o gado ficava manso com aquela maneira de cantar. Zé pindoba
ia à frente, e ao chegar na porteira para abrir montado em seu cavalo Beiçudo,
viu que ela estava agarrando e não abria.
Fez o
que nunca se faz, principalmente com aquela boiada atrás. Desceu do cavalo e
forçou a porteira. Tentava e tentava e o gado ajuntando forçando para frente.
Claro que o gado sempre para quando vê o homem, mas naquele dia não parou. Foi
um verdadeiro estouro!
Anos
depois, estava eu de novo na junta, desta vez à frente, e abri com facilidade a
porteira claro que a cavalo. O gado parou esperou e andando normalmente foi
para a curralama sem correr, sem forçar... – É sempre assim que acontece. Sejas
com quem seja. O gado conhece, ele marca ele respeita.
Um mar
de chifres, o céu azul, lá ao longe nas serras distantes algumas nuvens brancas
correm rumo ao sol. Quem sabe pode vir alguma chuva. Vamo Redonda!
Vamo Risoleta! Oia vaca veia! Aiô gado dos inferno. É eu me sinto bem aqui. No
meu cavalo, naquela lida, vendo o tempo passar com a natureza em volta me sinto
realizado. Isto me faz continuar aqui. Quanto tempo não sei, sou meio
andarilho, hoje aqui, amanhã ali. Mas faz cinco anos que estou nesta lida.
Passo
pela porteira que ao lado tem uma cruz de madeira fincada. Me benzo e peço a
Deus pela vida dele. A poeira cobre tudo, o suor se mistura.
Amanhã é outro dia. Ainda tenho muitas coisas que aprender. Quem diria algum
dia que eu dormiria às sete da noite e acordaria às cinco da manhã?
Vamo
Risoleta! Vorta Andorinha, vamo gado dos infernos! Oia caraio da porra!
O tempo
passou eu passei com o tempo, outras historias aconteceram, mas agora sentado
ouvindo o Miguezinho cantando na sombra deste pé de Pequi, começo a lembrar do
passado com saudades e pensar que o destino é assim, não tem volta. Cada um escolhe
seu caminho. Zé pindoba marcou. Ficou marcado para sempre em minha vida. Tudo é
bom enquanto dura e melhor ainda se as lembranças marcam para sempre no nosso
coração.
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