EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coisas da vida.


Coisas da vida.

                            Cada dia que passa, mais nós vamos pensando no próximo que vai passar. Mas o amanhã é só previsível e o hoje já é uma realidade isto na medida em que o ponteiro do relógio avança e vamos esperando acontecer o que planejamos o que nem sempre dá certo. Complicado não? Eu também achei. Mas não mudei, talvez por achar que assim é o começo e o fim ainda não sei como será. Vejam se entendem com a historieta que conto abaixo. Quando casei, há muitos e muitos anos atrás, lá pelos idos de 1963, me lembrei de um fato interessante.

                          É bom os amigos saberem que não é como contam hoje os articulistas, os fazedores de historia e os artigos escritos de uma forma toda simpática, dentro de um principio de classe média, o que no meu caso não era real. Até a tal de lua de mel não existia. Ela era feita com dois dias de folga conseguidos a custo no trabalho. Não tinha jaqueta preta, não podia comprar os discos da jovem guarda (dinheiro curto), e nem freqüentar o Guarujá, descendo a serra de Santos. Mal tinha uma bicicleta de pneu balão, freqüentemente cheia com meus amigos. Um na garupa, um dirigindo e eu no quadro com uma perna em volta do guidon.
                     
                       Mas vamos lá, casei, foi um dia festivo, com muitos amigos presentes, minha sogra é quem financiou a festa realizada na residência dela. Ficamos ali conversando bebendo um pouco (nunca fui de muita bebida) esperando a noite passar. Iríamos voltar para minha cidade onde iríamos morar às cinco da manhã. A viagem seria de trem, no expresso da manhã. Quando casei, não tinha reserva financeira, não tinha casa própria e os móveis, uma cama, um guarda roupa, uma cristaleira comprei de um amigo que era marceneiro para pagar em 4 vezes. Claro que paguei. Com muito custo consegui um fogão a gás. Na época na cidade onde iria morar eles eram ainda “coisa de rico”. Geladeira? Muitos anos depois. Televisão? Risos. Quanto tempo demorou eu não me lembro.

                           Como o dinheiro estava curto, basta dizer que três dias antes, (do religioso) casamos no civil na minha cidade (minha esposa era menor de idade e sem o aval do pai desaparecido, não quiseram fazer o casamento. Assim fomos à cidade que morava, pois conhecíamos o juiz de paz) e fiz o pagamento assim:

- Meu padrinho, amigo do Juiz pegou 60 cruzeiros emprestado com ele, me emprestou e eu paguei ao mesmo Juiz o valor do casamento, ou seja, 60 cruzeiros. Entenderam? Olhem o Juiz também meu amigo ficou cismado, pois achava que conhecia algumas notas recebidas, mas deixa prá lá. Quando chegamos a minha cidade, (a viagem era curta, apenas duas horas de trem) conversei com um amigo dono de um taxi, para me levar a casa em que iríamos morar, e se ele podia receber no fim do mês. Incrível não? Vocês não viram nada ainda. Quando chegamos a casa (esta casa, também tem uma historia, mas fica para outra vez), lá encontramos alguns amigos a espera. Era sempre assim. Todos me queriam muito bem. Entramos (ainda não conhecia o costume de levar a mulher no colo para atravessar a porta e acho até que nem existia). Minha esposa fez cafezinhos, serviu e nada dos amigos irem embora, lá pelas duas da tarde, despediram e saíram. Olhei para ela, um sorrisinho maroto. E surpresa, bateram na porta. Mais quatro amigos que chegavam. Queriam conversar e parabenizar.

                     Eu cansado e a esposa também, tivemos que ser educados e durante duas horas ali permaneceram. Quando saíram já passava das sete da noite, logo chegou o pároco, alguns casais da igreja que me conheciam. Deus do céu! Ficaram até a meia noite.  Foram embora sorrindo. Que dia. Claro tinha muitos amigos, mas aquilo parecia coisa combinada. Já preparávamos para dormir e eis que surge outros amigos, cujo turno de trabalho terminava às onze horas da noite, também resolveram nos visitar! – tudo isto na noite de núpcias! Incrível não? Agüentei até duas da manhã e infelizmente fui mal educado, mandei embora o padre e os amigos. Na saída, estavam todos ali, na minha porta. Mais de vinte pessoas. Rindo batendo palmas, cantaram (alguém levou um violão). Lá pelas quatro da manhã acho que não agüentavam mais e foram para suas casas me deixando a sós com minha mulher. O cansaço era muito grande e sempre achamos que alguns deles estavam à espreita nas janelas e esperavam o ponto culminante que claro não aconteceu naquele dia.

                     Só mesmo a noite, quando voltei do trabalho pude descansar e ter com minha esposa a lua de mel que não conhecemos no primeiro dia. Sempre de olho na porta para ver se não aparecia ninguém.  É bom ter amigos. Eles fazem falta. Hoje tenho poucos. Muitos que não conheço através desta telinha do computador. Acho que eles me querem bem mesmo sem me conhecer pessoalmente. Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça deserto.


Hoje lembro com saudade de todos eles. Foram tempos bons. Uma amizade sem interesse. Não sei onde andam, e se ainda estão vivos. Mas valeu tudo que passei junto a eles. Se pudesse voltar no tempo o faria sem pestanejar. Mas o tempo não é mais nada que uma lembrança que se foi.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Um cafezinho, por favor!


Um cafezinho, por favor!

                   Há muitos e muitos anos, lá pelos idos de 1959 eu viajava de trem para a cidade de Dom Silvério interior de Minas Gerais. Época que a Estrada de Ferro Leopoldina cortava quase todo o Brasil. Era um promotor de vendas, ou melhor, um reles vendedor de livros. Uma serra montanhosa ligava uma cidade à outra. Em linha reta se fazia a pé em uma hora e meia, mas de trem era cinco horas. Paramos em uma estação. Não ia descer. Os meninos gritavam tentando vender seus pasteizinhos, pão com carne, churrasco, goiaba, manga e tantas guloseimas possível. Na janela vi uma morena de olhos verdes, cabelos negros ondulantes, linda demais. Ofereceu-me cafezinho em um copo de vidro. – Só um real moço! Caramba, era linda demais. Precisava vê-la de corpo inteiro. Desci do trem. Era mestre para subir com ele andando. Ela sorriu para mim. Pensei com meus botões: - Que corpinho lindo! Quinze? Dezesseis? Por aí. – tomei um café, depois outro, brincando disse – Te dou cinco reais por um beijo! – Ela fez beicinho. O trem ia saindo. Dei um breve beijinho no rosto dela e sai correndo. Peguei o trem e pensei que seria o beijo mais lindo que tinha dado. Fui sonhando até a próxima estação.


                    O trem apitou. Encostou-se à plataforma. A garotada gritando – Goiaba, banana manga! Pão com Carne, Pastelzinho, churrasco! Olhei pela janela e lá estava ela de novo. Como? Ela voava? – Cafezinho moço? Ou um beijinho? – Surgiu na janela um garoto forte, alto com uma garrucha na mão. – Beije aqui moço! É de graça! – Nossa Senhora! O que é isto? O trem foi saindo de mansinho. Um tiro ecoou e bateu no vidro da janela do outro lado. Um túnel e uma descida. Mãe de Deus! Salvei-me desta. Um velho ao meu lado explicou que era só atravessar uma garganta, menos de cinco minutos e passava de uma estação a outra. De trem um volta enorme. Aprendi. Nunca mais comprei um beijinho viajando. O pior é que nunca fiz isto! Foi a primeira e única vez em minha vida. Beijinhos? Risos, nunca mais...