Coisas da vida
Uma lua de mel para lembrar.
Cada dia que passa, mais vamos pensando no próximo
que vai passar. Mas o amanhã é só previsível e o hoje já é uma realidade isto
na medida em que o ponteiro do relógio avança e vamos esperando acontecer o que
planejamos o que nem sempre dá certo. Complicado não? Eu também
achei. Mas não mudei, talvez por achar que assim é o começo e o fim ainda não
sei como será. Vejam se entendem com a historieta que conto abaixo.
Quando casei, há muitos e muitos anos atrás, lá
pelos idos de 1963, me lembrei de um fato interessante. É bom os
amigos saberem que não é como contam hoje os articulistas, os fazedores de
historia e os artigos escritos de uma forma toda simpática, dentro de um
principio de classe média, o que no meu caso não era real. Até a tal de lua de
mel não existia. Ela era feita com dois dias de folga conseguidos a custo no
trabalho.
Não tinha jaqueta preta, não podia comprar os discos
da jovem guarda (dinheiro curto), e nem frequentar o Guarujá, descendo a serra
de Santos. Mal tinha uma bicicleta de pneu balão, frequentemente
cheia com meus amigos. Um na garupa, um dirigindo e eu no quadro com uma perna
em volta do guidom. Mas vamos lá, casei, foi um dia festivo, com
muitos amigos presentes, minha sogra é quem financiou a festa realizada na
residência dela. Ficamos ali conversando bebendo um pouco (nunca fui de muita
bebida) esperando a noite passar. Iríamos voltar para minha cidade onde iríamos
morar às cinco da manhã. A viagem seria de trem, no expresso da manhã.
Quando casei, não tinha reserva financeira, não
tinha casa própria e os móveis, uma cama, um guarda roupa, uma cristaleira
comprei de um amigo que era marceneiro para pagar em quatro vezes. Claro que
paguei. Com muito custo consegui um fogão a gás. Na época na cidade onde iria
morar eles eram ainda “coisa de rico”. Geladeira? Muitos anos depois.
Televisão? Risos. Quanto tempo demorou eu não me lembro. Como o
dinheiro estava curto, basta dizer que três dias antes, (do religioso) casamos
no civil na minha cidade (minha esposa era menor e sem o aval do pai
desaparecido, não quiseram fazer o casamento, assim fomos à cidade que morava,
pois conhecíamos o juiz de paz) e fiz o pagamento assim:
- Meu padrinho, amigo do Juiz pegou 60 cruzeiros
emprestado com ele, me emprestou e eu paguei ao mesmo Juiz o valor do
casamento, ou seja, 60 cruzeiros. Entenderam? Olhem o Juiz também meu amigo
ficou cismado, pois achava que conhecia algumas notas recebidas, mas deixa prá
lá. Quando chegamos a minha cidade, (a viagem era curta, apenas
duas horas de trem) conversei com um amigo dono de um taxi, para me levar a
casa em que iríamos morar, e se ele podia receber no fim do mês. Incrível não?
Vocês não viram nada ainda.
Quando chegamos a casa (esta casa, também tem uma
historia, mas fica para outra vez), lá encontramos alguns amigos a espera. Era
sempre assim. Todos me queriam muito bem. Entramos (ainda não conhecia o
costume de levar a mulher no colo para atravessar a porta e acho até que nem
existia). Minha esposa fez cafezinhos, serviu e nada dos amigos
irem embora, lá pelas duas da tarde, despediram e saíram. Olhei para ela, um
sorrisinho maroto. E surpresa, bateram na porta. Mais quatro amigos que
chegavam. Queriam conversar e parabenizar.
Eu cansado e a esposa também, tivemos que ser
educados e durante duas horas ali permaneceram. Quando saíram já passava das
sete da noite, logo chegou o pároco, alguns casais da igreja que me conheciam.
Deus do céu! Ficaram até a meia noite. Foram embora sorrindo. Que
dia. Claro tinha muitos amigos, mas aquilo parecia coisa combinada. Já
preparávamos para dormir e eis que surge outros amigos, cujo turno de trabalho
terminava às onze horas da noite, também resolveram nos visitar! – tudo isto na
noite de núpcias! Incrível não?
Aguentei até duas da manhã e infelizmente fui mal
educado, mandei embora o padre e os amigos. Na saída, estavam
todos ali, na minha porta. Mais de vinte pessoas. Rindo batendo palmas,
cantaram (alguém levou um violão). Lá pelas quatro da manhã acho que não aguentavam
mais e foram para suas casas me deixando a sós com minha mulher. O cansaço era
muito grande e sempre achamos que alguns deles estavam à espreita nas janelas e
esperavam o ponto culminante que claro não aconteceu naquele dia.
Só mesmo a noite, quando voltei do trabalho pude
descansar e ter com minha esposa a lua de mel que não conhecemos no primeiro
dia. Sempre de olho na porta para ver se não aparecia ninguém. É
bom ter amigos. Eles fazem falta. Hoje tenho poucos. Muitos que não conheço
através desta telinha do computador. Acho que eles me querem bem mesmo sem me
conhecer pessoalmente. Não há solidão mais triste do que a do homem sem
amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça deserto.
Hoje lembro com saudade de todos eles. Foram tempos
bons. Uma amizade sem interesse. Não sei onde andam, e se ainda estão vivos.
Mas valeu tudo que passei junto a eles. Se pudesse voltar no tempo o faria sem
pestanejar. Mas o tempo não é mais nada que uma lembrança que se foi.
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