EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

terça-feira, 20 de maio de 2014

Um “causo” do acontecido

  
 
Um “causo” do acontecido

Minha vida de gerente de uma fazenda foi cheia de atropelos. Esta historia começou logo quando cheguei. E terminou quando todos nós já estávamos juntos naquele sertão.  Não tinha ainda passado dois meses e a minha família não tinha feito a mudança da capital. Claro, esperávamos as férias escolares para que fosse feito a transferência e a mudança sem prejudicar os filhos. Apesar de todos estes acontecimentos, saibam que passei ali naquela fazenda um dos melhores anos da minha vida. O que aconteceu naquele dia, poucos vão acreditar e é melhor assim. Ficar como ficção vale mais que a realidade do fato. Entretanto fatos são fatos. Verdadeiros ou não. Risos.

Mudei completamente meus hábitos de cidade grande. Dormia cedo. Muito. Morava só e a noite não tinha ninguém para conversar. A sede central tinha um gerador, mas eu quase não o ligava. Um rádio de pilha me mantinha informado do que acontecia no mundo e mais nada. Quando ia a Pirapora comprava todos os jornais e revistas. Dava para me divertir durante a semana. Como dormia cedo levantava todos os dias as quatro ou cinco da matina. Achava que tinha de acompanhar os vaqueiros em uma das curralamas que lá existiam, pois sempre neste horário tinham que apartar a bezerrada e tirar um pouco de leite das vacas. Nada de extraordinário. Pouco leite. Em cada curralama (eram três) sempre tínhamos uma media de 80 a 120 vacas paridas.

Era divertido. Eu gostava de tudo. Aprendi inclusive ainda escuro, a laçar um cavalo, arriar e me mandava a cada dia para uma das curralamas. Nos primeiros meses ficar em cima de uma cela, era um suplicio. Aos poucos como dizem os vaqueiros, fui criando calo na “bunda” risos. Em cada curral (eram três) sempre havia de dois a quatro vaqueiros. Dependia muito do numero da vacada parida. Estava eu absorto em cima de uma cerca de madeira do curral, observando a apartação de alguns bezerros e vi uma nuvem de poeira vindo em nossa direção da estrada que saia das barrancas do Rio das Velhas. Não era comum visitas, mas fiquei alerta para saber quem eram. Aos poucos foram chegando. Eram quatro a cavalo. Admirei-me com um deles. Novo menos de 30 anos. Um chapéu texano, perneiras amarelas, e uma jaqueta de couro preta de dar inveja. O pior, um cinturão cheio de balas e dois revolveres um em cada lado nas respectivas capas.

Ali estava uma autentica figura recém saída do Velho oeste americano. Chegou, me olhou, olhou os vaqueiros, apeou a moda dos pistoleiros dos filmes de western, sem tirar os olhos e sem dar as costas. Desceu, fez sinal para eu aproximar. Apenas um dedinho. Quase morri de rir, mas vi que era coisa séria. Fiz sinal para ele vir até onde estava. Aboletado no alto da cerca e ele ficaria na parte baixa, e claro completamente dominado. Risos. Olhou-me com uns olhos que em outras épocas iriam me fazer tremer. Disse-me falando baixo, que soubera que na fazenda tinha duas vacas de sua fazenda. Chamei o Manezinho. - Leve o moço para uma volta na lagoa. Deixe ele averiguar. Ele agradeceu. Olhei para ele de novo e expliquei que não sabíamos de nada. Se por acaso achássemos avisaríamos. Não gostou. Montou com movimentos lentos. Partiram.

Passou-se quase um ano. Manezinho me procurou e disse que faltavam mais de 30 cabeças do gado do Pique Manero. Um piquete enorme que fazia divisa com o rio das Velhas. Contaram para ele no puteiro em Pirapora (era um freqüentador nato e muito conhecido lá – risos – e eu também - risos) que elas estavam na fazenda do Mario Moreno. Riu e completou - O pistoleiro que esteve aqui ano passado é o administrador lá. Não podia deixar passar em branco. Se isto acontecesse iria se repetir sempre. Saibam que não sou um valentão. Nunca fui. Mas era o gerente da fazenda, ou tomava uma atitude ou seria desrespeitado para sempre. Até aquele dia nunca tinha usado uma arma. Fora o Fuzil Mauser que usei no exército e uma metralhadora, mais nada. O delegado Amâncio disse não poder me ajudar. Ele não podia entrar lá sem provas. Era meu amigo, ia sempre à fazenda pescar na lagoa. Um dos poucos que deixava entrar.

Vendeu-me um colt barato um 38 cano longo. Disse que era uma boa arma. Comprei cinco caixas de balas. Fiquei dois dias no capão da larga grande dando tiros a granel. Parecia que eu ia para a guerra. Risos. Sabia que nunca atiraria em ninguém. A arma me amedrontava, mas me dava um ar de coragem. Numa sexta feira partimos. Seis vaqueiros. Não deixei ninguém ir armado. Só eu. Foi um barato atravessar o rio das Velhas agarrado no rabo do cavalo. Nossas roupas ficaram presas nas selas. Poderíamos ter ido até a ponte de Várzea da Palma, mas era uma volta de mais de 25 quilômetros. Não foi difícil alcançar a sede da fazenda. Menos de duas léguas. (uma légua tem seis quilômetros) avistamos a casa sede. Pequena ao lado devia ser a casa do tal administrador da fazenda.

Não me sentia bem com tudo aquilo. Não estava tranqüilo. Não sabia a reação do pistoleiro. Batemos e ninguém nos atendeu. Esperamos uns vinte minutos e vimos ao longe um cavalo a todo galope. Era ele. Sem aquela pompa de pistoleiro do oeste. Vestia uma calça jeans desbotada e uma camiseta. Na cabeça um chapéu de couro comum. Chegou assustado. Pediu desculpas por não estar em casa. Chamou a esposa dele e ela abriu a porta. Antes ficara com medo e se trancou. Devia ser ordens dele. Convidou-me para entrar. Só eu. Ofereceu-me um café ralo. Foi educado. Expliquei nosso objetivo. Jurou por tudo quando é Deus que não sabia de nada. Caramba! O homem estava uma seda. Totalmente diferente do pistoleiro que foi me visitar.

Perguntei se ele não se importava dos vaqueiros fazerem um campeio pelos pastos quem sabe alguma rês seria encontrada? Ele me disse que não tinha visto nada, mas como há tempos não tinha ido para um piquete ao norte da serra negra quem sabe elas poderiam estar lá escondidas. Dito e feito. Não eram 30. Eram mais de 80! Todas ainda com nossa marca. Ou o cara era burro ou achou que nunca iríamos lá. Pediu desculpas. Jurou que não sabia de nada. Não discuti. Acho que tinha muito mais lá. Desde o gerente anterior que substitui. Não sei se ele se preocupava com isso. Após a junta partimos. Agradeci a ele pela acolhida. Esperava um tiroteio e vi um sujeito medroso escondido dentro de uma capa de valente. Chegamos às margens do rio já noite escura. Manezinho nos aconselhou a não atravessar o rio à noite. Sabíamos que o gado não se afastaria. Dormimos sob as estrelas. Já estava acostumado.

No dia seguinte atravessamos. Só um garrote guzerá metido a esperto deu trabalho. Não queria atravessar de maneira nenhuma. Cheguei em casa lá pela uma da tarde. Estava cansado. Fora para mim uma aventura.  Deitei de roupa e tudo na cama. Nem almocei. Dormi e só acordei no outro dia às quatro da manhã. Um banho, roupa limpa e lá ia eu laçar o Negro azul, um cavalo baio que era o meu favorito. Na curralama da larguinha, O Mané e os outros contavam historias. Não escutei todas, mas esta ficou marcada também para eles. Encontrei lá o Honório. Ele sempre me procurava para comprar alguma vaca velha para seu açougue. Contei a historia para ele. Riu. Disse que todos os açougueiros sempre iam a fazenda dele para comprar uma vaca. Ele cobrava barato. Imaginei de quem seria essas vacas. 

Tudo na vida a gente aprende a dar valor. Cada dia que vivemos mais crescemos em espírito. É como se fosse uma escola que você não passa por ela. Ela passa por você. Célia e os meninos até hoje me pedem para contar a aventura. Todos me olhando e querendo saber se dei algum tiro. Adoro meus filhos. Hoje o mais novo passou dos 36 anos. Mas ainda lembro-me de todos eles correndo pelas campinas da fazenda, atrás dos avestruzes ou dos “cocar” (galinhas d’angola selvagens).

Valeu! Não só para mim, mas também para todos eles! Até hoje contam historias. Até o caçula. Tinha três anos e parece se lembrar de tudo. Não sei não. Mas como dizem por aí, histórias são histórias, nada mais que histórias!   

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma lua de mel para lembrar.


Coisas da vida
Uma lua de mel para lembrar.

Cada dia que passa, mais vamos pensando no próximo que vai passar. Mas o amanhã é só previsível e o hoje já é uma realidade isto na medida em que o ponteiro do relógio avança e vamos esperando acontecer o que planejamos o que nem sempre dá certo. Complicado não? Eu também achei. Mas não mudei, talvez por achar que assim é o começo e o fim ainda não sei como será. Vejam se entendem com a historieta que conto abaixo.

Quando casei, há muitos e muitos anos atrás, lá pelos idos de 1963, me lembrei de um fato interessante. É bom os amigos saberem que não é como contam hoje os articulistas, os fazedores de historia e os artigos escritos de uma forma toda simpática, dentro de um principio de classe média, o que no meu caso não era real. Até a tal de lua de mel não existia. Ela era feita com dois dias de folga conseguidos a custo no trabalho.

Não tinha jaqueta preta, não podia comprar os discos da jovem guarda (dinheiro curto), e nem frequentar o Guarujá, descendo a serra de Santos. Mal tinha uma bicicleta de pneu balão, frequentemente cheia com meus amigos. Um na garupa, um dirigindo e eu no quadro com uma perna em volta do guidom. Mas vamos lá, casei, foi um dia festivo, com muitos amigos presentes, minha sogra é quem financiou a festa realizada na residência dela. Ficamos ali conversando bebendo um pouco (nunca fui de muita bebida) esperando a noite passar. Iríamos voltar para minha cidade onde iríamos morar às cinco da manhã. A viagem seria de trem, no expresso da manhã.

Quando casei, não tinha reserva financeira, não tinha casa própria e os móveis, uma cama, um guarda roupa, uma cristaleira comprei de um amigo que era marceneiro para pagar em quatro vezes. Claro que paguei. Com muito custo consegui um fogão a gás. Na época na cidade onde iria morar eles eram ainda “coisa de rico”. Geladeira? Muitos anos depois. Televisão? Risos. Quanto tempo demorou eu não me lembro. Como o dinheiro estava curto, basta dizer que três dias antes, (do religioso) casamos no civil na minha cidade (minha esposa era menor e sem o aval do pai desaparecido, não quiseram fazer o casamento, assim fomos à cidade que morava, pois conhecíamos o juiz de paz) e fiz o pagamento assim:

- Meu padrinho, amigo do Juiz pegou 60 cruzeiros emprestado com ele, me emprestou e eu paguei ao mesmo Juiz o valor do casamento, ou seja, 60 cruzeiros. Entenderam? Olhem o Juiz também meu amigo ficou cismado, pois achava que conhecia algumas notas recebidas, mas deixa prá lá. Quando chegamos a minha cidade, (a viagem era curta, apenas duas horas de trem) conversei com um amigo dono de um taxi, para me levar a casa em que iríamos morar, e se ele podia receber no fim do mês. Incrível não? Vocês não viram nada ainda.

Quando chegamos a casa (esta casa, também tem uma historia, mas fica para outra vez), lá encontramos alguns amigos a espera. Era sempre assim. Todos me queriam muito bem. Entramos (ainda não conhecia o costume de levar a mulher no colo para atravessar a porta e acho até que nem existia). Minha esposa fez cafezinhos, serviu e nada dos amigos irem embora, lá pelas duas da tarde, despediram e saíram. Olhei para ela, um sorrisinho maroto. E surpresa, bateram na porta. Mais quatro amigos que chegavam. Queriam conversar e parabenizar.

Eu cansado e a esposa também, tivemos que ser educados e durante duas horas ali permaneceram. Quando saíram já passava das sete da noite, logo chegou o pároco, alguns casais da igreja que me conheciam. Deus do céu! Ficaram até a meia noite. Foram embora sorrindo. Que dia. Claro tinha muitos amigos, mas aquilo parecia coisa combinada. Já preparávamos para dormir e eis que surge outros amigos, cujo turno de trabalho terminava às onze horas da noite, também resolveram nos visitar! – tudo isto na noite de núpcias! Incrível não?

Aguentei até duas da manhã e infelizmente fui mal educado, mandei embora o padre e os amigos. Na saída, estavam todos ali, na minha porta. Mais de vinte pessoas. Rindo batendo palmas, cantaram (alguém levou um violão). Lá pelas quatro da manhã acho que não aguentavam mais e foram para suas casas me deixando a sós com minha mulher. O cansaço era muito grande e sempre achamos que alguns deles estavam à espreita nas janelas e esperavam o ponto culminante que claro não aconteceu naquele dia.

Só mesmo a noite, quando voltei do trabalho pude descansar e ter com minha esposa a lua de mel que não conhecemos no primeiro dia. Sempre de olho na porta para ver se não aparecia ninguém. É bom ter amigos. Eles fazem falta. Hoje tenho poucos. Muitos que não conheço através desta telinha do computador. Acho que eles me querem bem mesmo sem me conhecer pessoalmente. Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça deserto.


Hoje lembro com saudade de todos eles. Foram tempos bons. Uma amizade sem interesse. Não sei onde andam, e se ainda estão vivos. Mas valeu tudo que passei junto a eles. Se pudesse voltar no tempo o faria sem pestanejar. Mas o tempo não é mais nada que uma lembrança que se foi.