Ouro Negro, o magnifico manga-larga
do sertão.
A beleza de
um cavalo é indiscutível. O seu porte, a crina, o pelo macio faz dele um dos
animais mais queridos do homem. Sempre foi um fiel amigo e sempre presente nos
mais variados momentos da história. Hoje tirei o dia para falar de um cavalo.
Não um cavalo qualquer e sim de um Manga-larga marchador, uma raça que remonta
a coudelaria Alter-Real e chegou ao Brasil por meio de nobre da Corte Portuguesa.
Dizem os criadores que o Manga-larga é a mais bela criatura depois do homem. Aconselham
que o melhor mister é criá-lo, a melhor das ocupações tratá-lo e o maior prazer
montá-lo. Este introito é para dar uma ideia do que seria Ouro Negro. O conheci
na fazenda que trabalhei por seis anos como Administrador. Um empreendimento
enorme e quando lá cheguei de animais não entendia bulhufas.
Meus
primeiros dias de administrador foram de um aprendizado enorme. Como qualquer responsável
por uma fazenda teria que ter um cavalo. Diziam que sem um eu estaria nu. Mas
como escolher? Eram vários vaqueiros e cada um tinha o dele. A manada dos manga-larga
era enorme. Eram intocáveis. Ordens da diretoria. Mais de trinta animais. Todos
eles capitaneados por Ouro Negro. Que cavalo! Lindo mesmo. Alto, enorme e para
minha infelicidade arisco e selvagem. Considerado um grande reprodutor era
tratado como um rei. Manoel era o mais Velho vaqueiro de lá. Não podia dar
bandeira. Sabia que sempre aproveitavam dos novos e lhe davam sempre o pior
cavalo. Mais tarde fiquei sabendo que eles riam a vontade quando os visitantes
ou empregados escolhiam o Pimentinha. Um cavalo ainda novo, mas preguiçoso.
Dois passos parava. – Manoel não conheço cavalos, você escolhe. Se daqui a
meses souber que sua escolha foi para rir de mim te coloco na rua no outro dia!
Ele escolheu
bem. Deu-me uma égua rajada com porte de rainha. Chamava-se Cristal. Eu e
Cristal ficamos juntos durante meus seis anos que lá permaneci. Acho que
ficamos amigos apesar de sempre me dar uma canseira pela madrugada quando ia
laçar para o inicio das lides do dia. Mas eu tinha uma queda mesmo era para o
Ouro Negro. Ele sempre junto a sua manada como a dizer - Aqui mando eu! Pensei
até em criar junto a mim um potrinho que vi nascer e que era filho dele. Não
deu certo. Jurei para mim que iria montá-lo, pois Manoel me disse que todos que
tentaram caíram. O único que ficou alguns minutos sem sela foi ele. Manoel era
um gozador. Vaqueiro dos bons. Magro como uma caveira. Barba enorme negra,
dentes cariados, chapéu de couro a moda nordestina, perneiras e gibão de couro
fazia dele um autêntico vaqueiro nordestino.
Contaram-me
várias histórias sobre os que tentaram montá-lo. Muitos nem conseguiam colocar
nele a sela. O Próprio Presidente da Empresa, a quem chamavam de comandante foi
ao chão por várias vezes. Aprendeu a cair caindo. Foi um desafio. Adoro
desafios. Ia montar o Ouro Negro ou não era o Escoteiro que pensava ser. Bolei
um plano. Ia conquista o Magnífico Ouro Negro pela barriga. Ninguém iria saber.
Todos os domingos a sede da fazenda ficava vazia. A vaqueirada, os tratoristas
e outros funcionários não apareciam. Eu despistava pela manhã e ia jogar a “pelada”
que todos os domingos aconteciam nas terras do Seu Geraldo Velho. Era
divertido. Vinha gente de toda a redondeza. Uma das poucas diversões da
peãozada. No retorno almoçava cedo e ia direto ao “piquete onde era a morada de
Ouro Negro”. Um bornal cheio de milho atravessado em meu ombro.
Ouro Negro no
inicio nem deu bola. Coloquei várias espigas na grama, em um galho baixo e ele
passava perto e olhava para mim e saia com seu porte altivo. Demorou dois meses
quando ele se interessou por uma espiga. Aos poucos comia quando eu chegava e
quatro meses depois aceitou comer na minha mão. Foi um dia de alegria. Se
tivesse foguetes tinha soltado. Deixou daí em diante que eu o acariciasse e até
concordou quando levei a escova para escová-lo. Agora precisava colocar nele a rédea
e por último a sela. De novo ele sumiu no canto do piquete. Voltou e sumiu
novamente. Um dia deixou que eu colocasse nele a sela. E a coragem de montá-lo?
Chamei a Celia e os meninos para assistir. Não para exibir não. Seria se eu
sofresse alguma acidente na montaria. Deixei a C-10 em ponto de bala caso em me
machucasse para ela me levar Ao pequeno Hospital de Pirapora. Surpresa. Ouro
Negro deixou que eu o montasse sem reclamar, sem pular ou empinar. Dei algumas
voltas e ele obedeceu.
As coisas
sempre tem uma razão de ser. No mês seguinte recebemos a visita do Comandante e
ele como sempre trouxe uma comitiva de amigos. Quer saber? Os amigos do
comandante eram quase todos esnobes. Achavam que os funcionários estavam ali para
servi-los em tudo e isto me desgostava. Falei um dia ao Comandante. Ele riu e
disse que ficasse em casa. Passasse para outros esta incumbência. Estava na
minha varanda ouvindo no meu radinho de pilha a Radio Nacional quando o Antonio
Tratorista veio me avisar que estavam todos na curralama e fazendo apostas em
quem montaria o Ouro Negro. O Comandante macaco Velho não montou uma única vez.
Nem o Manoel arriscou. Muita gente fazendo barulho e ele sabia que Ouro Negro
estava arisco. – Quanto oferecem Antonio? - Seu Osvardo, já passou de cinco mil
reais.
Falei com a
Celia e ela achava que eu não devia ir. Mesmo que montasse poderia ser que o
Comandante não visse com bons olhos. Eu estava de olho em uma Variant Brasília
que a amiga de minha mana em São Paulo estava vendendo por ótimo preço.
Precisava de um carro. Nunca tive um na vida. Peguei três espigas de milho,
coloquei no bolso, montei na Cristal e fui para a curralama. Estava uma festa
lá. A cerveja jorrava. Tonico Borra Mancha improvisou uma churrasqueira e a
carne parecia gostosa. Procurei o Comandante. Senhor! Quanto todos irão me
pagar para montar o Ouro Negro? O Comandante caiu na risada. Falou com todos e
eles queriam ver alguém se esborrachar no chão. Faltava para eles este espetáculo.
Juntaram os reais de cada um. Chegou a onze mil reais. Papagaio! Quer saber? Minha
consciência doeu. Ninguém sabia da minha amizade com Ouro Negro. Tudo foi feito
as escondidas. Mas dinheiro é dinheiro, negócio é negócio,
Fui devagar
sem fazer barulho até Ouro Negro. Muitos anos de experiência no escotismo para
se aproximar de animais selvagens apesar de que ele não era. Quando me viu
levantou a cabeça e relinchou. Assustei. Ele não fazia aquilo sempre. Deixou
que eu o acariciasse, joguei nele a rédea e aos poucos fui encilhando. Coloquei
uma espiga em sua boca. Ele não reclamou. Chegou o momento sublime. Pé no
estribo bem devagar. Ele tremeu e senti na rédea que ele parecia não gostar.
Aos poucos montei. Ele não reclamou. Balancei a rédea, pois não usava esporas.
Nunca gostei delas. Senti que ele deu um tranco e saiu a toda para o fundo do
piquete. Aguentei-me o quanto pude. Não cai graças a Deus. No final do piquete
ele parou. Direcionei a rédea até a curralama. Ele obedeceu. Pela primeira vez
mostrou toda sua pose de Cavalo Marchador. Que orgulho. Ninguém nunca o tinha
feito marchar. Era nato no Manga-larga. Vi que todos estavam estupefatos. Não
acreditavam no que viam.
O dinheiro
veio a calhar. Foi um final de tarde glorioso e até comi churrasco de colchão
duro que detestava. O tempo todo fiquei com a consciência pesada e quando o
Comandante partiu naquela tarde de domingo eu contei toda a história. Ele deu
boas risadas. – Valeu Osvaldo, valeu, nosso churrasco e o desafio tiveram novo
sabor. Um mês depois eu olhava na porta da minha casa meu primeiro carro. A Variant
branca era linda. Dois anos de uso. Sentia-me nas nuvens. Dizem que do primeiro
a gente não esquece e eu nunca o esqueci. Passado tantos anos, mais de trinta e
sete anos nunca me esqueci daqueles belos tempos que se foram. Devia ter tirado
uma foto de Ouro Negro. Não tirei. Foram anos e anos de amizade, mas nunca fiz
dele meu cavalo da lida. Ele era um rei e como tal devia ser considerado. Li
uma vez que o verdadeiro paraíso terrestre reside sobre o dorso de um bom
cavalo. Dizem que seus relinchos levarão a fé, ressoando nos ouvidos dos infiéis
e enchendo de medo seus corações. Aprendi que quem cuida bem de seu cavalo terá
sempre uma fonte de perpétua felicidade.
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