EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A vida passa, e a gente passa com ela. Momentos de nostalgia.



A vida passa, e a gente passa com ela.
Momentos de nostalgia.

         Coisas da vida. Assim dizemos sempre. Quem abraçou um credo enfrenta a seu modo as coisas da vida. Eu mesmo já escrevi diversas vezes sobre nossa passagem aqui na terra. Sabemos como é como vai ser e até quem sabe imaginamos um futuro em tudo isto. Mas não é fácil envelhecer. Podemos querer mostrar para os outros uma faceta que no fundo não é a nossa. Podemos acreditar que tudo isto tem uma razão de ser, mas no fundo sempre um ponto de interrogação. Quem sabe se com os outros é diferente? Mas com a gente não. Quando envelhecemos é que mais nossa mente trabalha. Incessantemente. Lembrar-se de tudo. Saber as horas, onde estão suas coisas, os remédios e manter uma rotina para que não percamos o caminho tão dificilmente percorrido, mas que vai chegando ao fim.

         Não sei como é a vida dos outros velhos. Os vejo por aí claudicando e contando suas dores, suas vidas que um dia foi boa, mas hoje sem esperanças. Estes velhos com seus olhinhos miúdos são verdadeiros. Dizem o que se passa no fundo do seu coração. Sabem que aqueles que estão ao seu redor têm outras preocupações, se ressentem por eles não verem as suas. Agora muito mais do que quando jovens. Eu mesmo não tenho muita paciência em ouvi-los. Não tenho paciência nem comigo mesmo. Sou um noctívago do dia, da noite, da vida que levo. Não é fácil. Uma falta de ar enorme. O corpo não obedece. Sempre cansado. Fraco, todos os membros se ressentem quando quero usá-los. Todos os dias levanto, olho pela janela pensando eu pergunto: – Até quando meu Deus? Quanto tempo ainda tenho? O corpo já não é o mesmo. Pudera, sou um "Velho". Um dia melhor outro não aguentando andar.

          A indiferença dos médicos, as horas sentadas em postos de saúde, seus olhares em nossa direção como se nós fossemos os culpados por sermos velhos. Não sei se para os mais bem aquinhoados da vida seria diferente. Sem depender da boa vontade de outrem. Saber que seria olhado diferente. Ah! O dinheiro. Rege-nos e rege nosso destino. Dói aqui, dói ali, dói acolá. E daí? "Velho" é assim mesmo. Chega à noite, cansado por nada fazer, mas e o ar que se foi? E as pernas que não obedecem? E esta tremedeira? Diabete que não me deixa. E a confusão que se forma em nossa mente? Dormir? Eu? Um sono de quarenta em quarenta minutos. Uma bexiga que exige minha ida ao banheiro neste tempo. Dia e noite, semana após semana, meses após meses, anos após anos. Uma hora da manhã, uma e quarenta, duas e vinte e assim vai. Olhando o relógio como se ele fosse responsável pela bexiga desobediente.

          Cada um faz seu próprio destino. Eu sei disto. Fui eu quem fiz o meu. Mas enfrentar pensando assim não é fácil. Pensar que a cada seis horas você vai para a sala, faz uma inalação, pensando e pensando nos remédios que vai tomar. Não esquecer as horas, quantos por dia? E aquele de oito em oito horas? Até quando Senhor? Até quando? Você não sabe e nem irá saber. Ser "Velho" dizem que é bom, mas eu digo que ser "Velho" só é bom para aqueles que nos programas coloridos da vida aparecem na TV correndo, dançando, mergulhando em piscinas, viajando com sua cara metade pelo país e pelo mundo. Cada sorriso, e a gente fica pensando como eles conseguiram? Será porque tiveram condição financeira melhor e a gente não? Quando a gente lutou, a favor do vento ou contra a maré e perdeu tudo, quando sabe que a vida cobrou sua divida passada e agora não tem mais nada para sobreviver?

          Você sabe que não adianta ficar aqui e ali dizendo que sofre que dói que tem falta de ar, que está cansado muito cansado! Isto não ajuda. Não dói em ninguém. Esperar que uns e outro digam – Calma "Velho", amanhã você estará melhor. Melhor é tentar sorrir. Um sorriso triste que está engastado dentro da gente. Ainda bem que ainda tenho lucidez. De vez em quando ela se vai e preciso perguntar a Celia qual é a cor da minha escova de dente, qual é minha toalha de banho, se já está na hora de trocar de roupa. Se não é preciso ir ao posto médico apanhar os remédios, mandar uma lista para meu filho comprar, são tantas coisas, são tantas coisas! Mente, mente que brilha no corpo deste "Velho". Ainda bem que minha diversão é pensar. Assim posso escrever como estou escrevendo agora. Nos meus escritos parece que estou lúcido, forte, alegre, pois tento mesmo com minha dificuldade transmitir alegria aos amigos invisíveis.

             É bom quando se faz isto. Quando se lê os filósofos dizendo lindas coisas que encantam. Será que alem de escrever eles se sentem assim? Será que no fundo do coração é isto mesmo? Veja o Senhor Brian Weiss, um psiquiatra e escritor, escreveu um dos mais belos poemas que já li e que sempre releio - “A chuva cai tanto nas ervas daninhas quanto nas flores, e o sol brilha tanto nas prisões quanto nas igrejas”. A luz de Deus não discrimina e a nossa luz também não deveria discriminar. Não existe um só caminho, uma única maneira, uma igreja ou ideologia. Existe apenas uma luz.
“Quando as cercas caírem, todas as flores poderão desabrochar juntas em um jardim de esplendor incomparável, um paraíso na Terra.”

              Poemas, frases poéticas, lindas histórias sobre a vida. Todos estão aí a escrever a dizer e outros tentando esconder a verdade do seu coração. Um dia fui criança, fui adolescente, fui o homem maduro até que envelheci. Dizem que só colhemos o que plantamos. Se hoje tenho minhas doenças, minhas fraquezas, minhas dores e a rotina que não me deixa mudar dos remédios da vida, da corrida aos banheiros só pode ser eu mesmo que plantei. A colheita está aí. Tem que aceitar os frutos. Afinal não fui que escolhi este caminho?

              E infelizmente eu nunca deixo de perguntar. Até quando meu Deus! Mas não deixo de completar, até quando Deus quiser!
          
A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma 
no seu halo feliz de ensombramento. 
E em nós depõe do que se deu à obra 
somente o modo de não sentir o tempo, 
senão no ritmo interior de a sombra 
passar à transparência do momento. 
Mas um momento de que baniram horas 
o hábito e o jeito de estar vendo 
para muito mais longe. Para de onde a obra 
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 

Fernando Echevarría, in "Figuras”.

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