EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.



O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.

             Nunca reclamei das diversas estradas que percorri em minha vida. Chorar? Também não. Vivi outra época e tudo que acontecia parecia natural. Claro dor é dor, seja onde for. Mas tem a dor da ferida, a dor da doença e a dor do coração. Não existe época para a dor no coração. Mas é fácil controlar. Dizem que o trabalho é o melhor remédio para todo tipo de dor e eu acredito nisto. Minha vida já foi contada aqui em diversas fases nos artigos postados neste blog. Nem sempre as dores são produzidas por feridas na pele ou uma fratura qualquer. Já senti muitas dores em minha vida. Mas elas foram um bálsamo para meu aprendizado. Já sentei em uma trilha na subida de uma montanha e quase chorei. Motivo? Outra história.  Já cai de uma bicicleta rodando em alta velocidade à noite em estrada de terra em cima de uma cerca de arame farpado. Uma fratura no tornozelo. Chorei quando perdi um emprego com meu primeiro filho que estava com um ano. O que fazer? Pensei. E assim fui chorando e aprendendo. Aprendi muito com os outros.

              O mundo é uma escola. Quando aproveitamos as aulas que nos são ministradas melhor. Cair, levantar, cair de novo e assim faz parte do nosso crescimento. O que é dor para um nem sempre é dor para outros. Chico Xavier disse que um arranhão em uma senhora acostumado a ser servida, dói mais em uma pessoa simples com uma faca cravada em alguma parte do corpo. A dor não é igual para ninguém. Quando você pensando o que vai ser da sua vida, na janela de uma Chevrolet 55, levando sua mudança em uma estrada esburacada, e ao seu lado sua esposa e seu filho e sem dinheiro até para um lanche você sabe que a dor não é aparente. Ela é profunda. Ela é menor para aqueles quem não tiveram na infância os prazeres dos jovens de hoje. Até mesmo uma simples geladeira, uma TV ou mesmo um fogão a gás não me foi permitido para eu possuir antes dos vinte e seis anos.

                Conheci um homem, integro grande homem que servia de exemplo para muitos. Estudo? Nenhum. Idade? Acima de oitenta anos. Levantava cedo. Antes de o sol nascer. Enxada nas costas. Tentando ganhar a vida. Um dia me correram para me dizer que uma cobra Jararaca tinha mordido sua perna. Corri para ajudar. Ele? Olhou-me e disse – Calma seu Osvardo. A dor é pouca. Passei um pouco de fumo e ela logo passará. Não se preocupe. O veneno no corpo deste preto "Velho" não faz efeito! É. Seu Manezinho foi uma figura que me marcou. Nunca vi reclamando da vida. Morava em uma tapera, mas limpa. Com galhos fez bancos e mesas. Sua esposa sempre sorrindo. Uma vez ele pegou uma empreitada de limpar meia légua de cerca da divisa. Precisava. Evitava queimadas se espalharem. Combinamos o preço. Terminada foi a sede da fazenda para receber. Paguei. Dei mais uns trocados. Ele devolveu. O combinado Seu Osvardo foi este e não este!

                Quando sai de lá vi em seus olhos uma lágrima. Uma só. Pela primeira vez segurou minha mão com força. Diferente do passado, do “tarde”, “inté”, “noite”. Pessoas assim eu acho que não se fazem mais. Vi dezenas de outros diferentes. Aproveitadores. O mundo está cheio deles. Bajuladores enquanto acharem que você pode servi-los. Estes são perigosos. Um deles foi o pivô de uma demissão importante na minha vida. Precisava do emprego. Época difícil. Brasil sem nada. Andei estados para conseguir e um fez tudo para me ver pelas costas. Hoje até penso – Quem sabe merecia?

                  Quantos tipos passaram por mim e se foram. Centenas? Milhares? Sei lá! Mas houve muita gente boa. Aos vinte e um tomei uma sova de quatro vigilantes tentando arrumar um emprego. Uma boa alma me defendeu. Consegui o emprego graças a um faxineiro de um olho cego que me protegeu. O paradoxo foi que mais tarde fui promovido a Chefe dos meus espancadores. Sem vingança. Não cabia ali. Olhe, não fui assim tão santo. Aprontei algumas. Se arrependo? Acho que sim. Sabe a maior dor que senti? Uma besteira. Uma bobagem. Jovem ainda nos meus quinze anos vivia em brigas com Zé Neguinho. Tínhamos brigas homéricas. Eu e ele somente. Nos “muques”. Sempre foi uma luta limpa. Ele era bom de soco e eu também. Muitas vezes fiquei de olho roxo. Marcas no corpo. Eu até admirava o Zé Neguinho. Nunca levantou para mim um porrete, uma pedra nada. Porque doeu? Porque pela primeira vez ele e mais quatro me cercaram quando ia para casa a noite. Me deram uma tremenda surra.

                    Um dia perguntei a ele – Porque Zé? Por quê? Sempre foi eu e você! Ele abaixou a cabeça e me disse – Sabe Valente (me chamava assim) até hoje me arrependo. Não sei por que fiz aquilo. A sua maneira foi honesto. Continuamos brigando por muitos anos. Risos. Mas tive muitas dores em todas as épocas de minha vida. Lembro-me delas hoje para dizer que não foi nada. Apenas uma passagem na vida para que eu pudesse aprender. Uma vez quase fui baleado por algum que não fiz. Uma pequena cidade. Vendendo livros. Eu e mais dois. Um deles metidão. Achava ser o gostoso. Cantou a mulher do guarda freio. Jantando na pensão, o marido entra com um trinta e oito na mão e mais dois com ele armados também. Nem conversaram. Abriram fogo. Pulei a janela e foi pernas prá quem vos quero. Sumi da cidade. Deixei tudo para trás. Andei mais de vinte quilômetros a pé. Eles também conseguiram se salvar. O gostosão levou um tiro na “bunda”. Bem feito!

                 Em uma usina siderúrgica em tinha um amigo. Não vou dizer o nome. Ele era um operador de alto forno e eu um programador. A cada três horas havia uma corrida de gusa líquido. Ele e outros faziam as canaletas na areia para o gusa sair do forno e correr até uma abertura e cair em um vagão tipo panela. Dai o vagão era levado para a aciaria. Não se sabe como ele escorregou. Caiu dentro da panela. Gusa liquido. Fervendo. Um estrondo e ele sumiu. Enterraram um pedacinho do gusa onde ele caiu. No enterro chorei. Chorei não pelo gusa, mas pelo seu espírito que estava ali. Sorria eu tinha certeza. Porque estava feliz não sei.

                Difícil escrever aqui tudo. Todas as dores. Foram muitas, mas todas valeram a pena. Se voltasse ao passado não iria fugir de nenhuma delas. Até mesmo quando o pistoleiro enfiou uma quarenta e cinco em meus olhos e disse – Respire devagar, para morrer você não precisa respirar! Deu uma risada, subiu em seu cavalo e sumiu na estrada de Pirapora. Mas dores são dores. Sei de muitos que tiveram mais que eu. Eu um dia vou partir. Lá aonde vou não sei se terei tantas dores, mas se tiver que assim seja. Elas fazem parte da nossa vida!         

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A vida passa, e a gente passa com ela. Momentos de nostalgia.



A vida passa, e a gente passa com ela.
Momentos de nostalgia.

         Coisas da vida. Assim dizemos sempre. Quem abraçou um credo enfrenta a seu modo as coisas da vida. Eu mesmo já escrevi diversas vezes sobre nossa passagem aqui na terra. Sabemos como é como vai ser e até quem sabe imaginamos um futuro em tudo isto. Mas não é fácil envelhecer. Podemos querer mostrar para os outros uma faceta que no fundo não é a nossa. Podemos acreditar que tudo isto tem uma razão de ser, mas no fundo sempre um ponto de interrogação. Quem sabe se com os outros é diferente? Mas com a gente não. Quando envelhecemos é que mais nossa mente trabalha. Incessantemente. Lembrar-se de tudo. Saber as horas, onde estão suas coisas, os remédios e manter uma rotina para que não percamos o caminho tão dificilmente percorrido, mas que vai chegando ao fim.

         Não sei como é a vida dos outros velhos. Os vejo por aí claudicando e contando suas dores, suas vidas que um dia foi boa, mas hoje sem esperanças. Estes velhos com seus olhinhos miúdos são verdadeiros. Dizem o que se passa no fundo do seu coração. Sabem que aqueles que estão ao seu redor têm outras preocupações, se ressentem por eles não verem as suas. Agora muito mais do que quando jovens. Eu mesmo não tenho muita paciência em ouvi-los. Não tenho paciência nem comigo mesmo. Sou um noctívago do dia, da noite, da vida que levo. Não é fácil. Uma falta de ar enorme. O corpo não obedece. Sempre cansado. Fraco, todos os membros se ressentem quando quero usá-los. Todos os dias levanto, olho pela janela pensando eu pergunto: – Até quando meu Deus? Quanto tempo ainda tenho? O corpo já não é o mesmo. Pudera, sou um "Velho". Um dia melhor outro não aguentando andar.

          A indiferença dos médicos, as horas sentadas em postos de saúde, seus olhares em nossa direção como se nós fossemos os culpados por sermos velhos. Não sei se para os mais bem aquinhoados da vida seria diferente. Sem depender da boa vontade de outrem. Saber que seria olhado diferente. Ah! O dinheiro. Rege-nos e rege nosso destino. Dói aqui, dói ali, dói acolá. E daí? "Velho" é assim mesmo. Chega à noite, cansado por nada fazer, mas e o ar que se foi? E as pernas que não obedecem? E esta tremedeira? Diabete que não me deixa. E a confusão que se forma em nossa mente? Dormir? Eu? Um sono de quarenta em quarenta minutos. Uma bexiga que exige minha ida ao banheiro neste tempo. Dia e noite, semana após semana, meses após meses, anos após anos. Uma hora da manhã, uma e quarenta, duas e vinte e assim vai. Olhando o relógio como se ele fosse responsável pela bexiga desobediente.

          Cada um faz seu próprio destino. Eu sei disto. Fui eu quem fiz o meu. Mas enfrentar pensando assim não é fácil. Pensar que a cada seis horas você vai para a sala, faz uma inalação, pensando e pensando nos remédios que vai tomar. Não esquecer as horas, quantos por dia? E aquele de oito em oito horas? Até quando Senhor? Até quando? Você não sabe e nem irá saber. Ser "Velho" dizem que é bom, mas eu digo que ser "Velho" só é bom para aqueles que nos programas coloridos da vida aparecem na TV correndo, dançando, mergulhando em piscinas, viajando com sua cara metade pelo país e pelo mundo. Cada sorriso, e a gente fica pensando como eles conseguiram? Será porque tiveram condição financeira melhor e a gente não? Quando a gente lutou, a favor do vento ou contra a maré e perdeu tudo, quando sabe que a vida cobrou sua divida passada e agora não tem mais nada para sobreviver?

          Você sabe que não adianta ficar aqui e ali dizendo que sofre que dói que tem falta de ar, que está cansado muito cansado! Isto não ajuda. Não dói em ninguém. Esperar que uns e outro digam – Calma "Velho", amanhã você estará melhor. Melhor é tentar sorrir. Um sorriso triste que está engastado dentro da gente. Ainda bem que ainda tenho lucidez. De vez em quando ela se vai e preciso perguntar a Celia qual é a cor da minha escova de dente, qual é minha toalha de banho, se já está na hora de trocar de roupa. Se não é preciso ir ao posto médico apanhar os remédios, mandar uma lista para meu filho comprar, são tantas coisas, são tantas coisas! Mente, mente que brilha no corpo deste "Velho". Ainda bem que minha diversão é pensar. Assim posso escrever como estou escrevendo agora. Nos meus escritos parece que estou lúcido, forte, alegre, pois tento mesmo com minha dificuldade transmitir alegria aos amigos invisíveis.

             É bom quando se faz isto. Quando se lê os filósofos dizendo lindas coisas que encantam. Será que alem de escrever eles se sentem assim? Será que no fundo do coração é isto mesmo? Veja o Senhor Brian Weiss, um psiquiatra e escritor, escreveu um dos mais belos poemas que já li e que sempre releio - “A chuva cai tanto nas ervas daninhas quanto nas flores, e o sol brilha tanto nas prisões quanto nas igrejas”. A luz de Deus não discrimina e a nossa luz também não deveria discriminar. Não existe um só caminho, uma única maneira, uma igreja ou ideologia. Existe apenas uma luz.
“Quando as cercas caírem, todas as flores poderão desabrochar juntas em um jardim de esplendor incomparável, um paraíso na Terra.”

              Poemas, frases poéticas, lindas histórias sobre a vida. Todos estão aí a escrever a dizer e outros tentando esconder a verdade do seu coração. Um dia fui criança, fui adolescente, fui o homem maduro até que envelheci. Dizem que só colhemos o que plantamos. Se hoje tenho minhas doenças, minhas fraquezas, minhas dores e a rotina que não me deixa mudar dos remédios da vida, da corrida aos banheiros só pode ser eu mesmo que plantei. A colheita está aí. Tem que aceitar os frutos. Afinal não fui que escolhi este caminho?

              E infelizmente eu nunca deixo de perguntar. Até quando meu Deus! Mas não deixo de completar, até quando Deus quiser!
          
A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma 
no seu halo feliz de ensombramento. 
E em nós depõe do que se deu à obra 
somente o modo de não sentir o tempo, 
senão no ritmo interior de a sombra 
passar à transparência do momento. 
Mas um momento de que baniram horas 
o hábito e o jeito de estar vendo 
para muito mais longe. Para de onde a obra 
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 

Fernando Echevarría, in "Figuras”.