O lado bom das coisas ruins que aconteceram em minha vida.
Nunca reclamei das diversas
estradas que percorri em minha vida. Chorar? Também não. Vivi outra época e
tudo que acontecia parecia natural. Claro dor é dor, seja onde for. Mas tem a dor
da ferida, a dor da doença e a dor do coração. Não existe época para a dor no
coração. Mas é fácil controlar. Dizem que o trabalho é o melhor remédio para todo
tipo de dor e eu acredito nisto. Minha vida já foi contada aqui em diversas
fases nos artigos postados neste blog. Nem sempre as dores são produzidas por
feridas na pele ou uma fratura qualquer. Já senti muitas dores em minha vida.
Mas elas foram um bálsamo para meu aprendizado. Já sentei em uma trilha na
subida de uma montanha e quase chorei. Motivo? Outra história. Já cai de uma bicicleta rodando em alta
velocidade à noite em estrada de terra em cima de uma cerca de arame farpado.
Uma fratura no tornozelo. Chorei quando perdi um emprego com meu primeiro filho
que estava com um ano. O que fazer? Pensei. E assim fui chorando e aprendendo.
Aprendi muito com os outros.
O mundo é uma escola. Quando
aproveitamos as aulas que nos são ministradas melhor. Cair, levantar, cair de
novo e assim faz parte do nosso crescimento. O que é dor para um nem sempre é
dor para outros. Chico Xavier disse que um arranhão em uma senhora acostumado a
ser servida, dói mais em uma pessoa simples com uma faca cravada em alguma
parte do corpo. A dor não é igual para ninguém. Quando você pensando o que vai
ser da sua vida, na janela de uma Chevrolet 55, levando sua mudança em uma
estrada esburacada, e ao seu lado sua esposa e seu filho e sem dinheiro até
para um lanche você sabe que a dor não é aparente. Ela é profunda. Ela é menor
para aqueles quem não tiveram na infância os prazeres dos jovens de hoje. Até
mesmo uma simples geladeira, uma TV ou mesmo um fogão a gás não me foi
permitido para eu possuir antes dos vinte e seis anos.
Conheci um homem, integro
grande homem que servia de exemplo para muitos. Estudo? Nenhum. Idade? Acima de
oitenta anos. Levantava cedo. Antes de o sol nascer. Enxada nas costas.
Tentando ganhar a vida. Um dia me correram para me dizer que uma cobra Jararaca
tinha mordido sua perna. Corri para ajudar. Ele? Olhou-me e disse – Calma seu
Osvardo. A dor é pouca. Passei um pouco de fumo e ela logo passará. Não se
preocupe. O veneno no corpo deste preto "Velho" não faz efeito! É.
Seu Manezinho foi uma figura que me marcou. Nunca vi reclamando da vida. Morava
em uma tapera, mas limpa. Com galhos fez bancos e mesas. Sua esposa sempre
sorrindo. Uma vez ele pegou uma empreitada de limpar meia légua de cerca da
divisa. Precisava. Evitava queimadas se espalharem. Combinamos o preço.
Terminada foi a sede da fazenda para receber. Paguei. Dei mais uns trocados. Ele
devolveu. O combinado Seu Osvardo foi este e não este!
Quando sai de lá vi em seus
olhos uma lágrima. Uma só. Pela primeira vez segurou minha mão com força.
Diferente do passado, do “tarde”, “inté”, “noite”. Pessoas assim eu acho que não
se fazem mais. Vi dezenas de outros diferentes. Aproveitadores. O mundo está
cheio deles. Bajuladores enquanto acharem que você pode servi-los. Estes são
perigosos. Um deles foi o pivô de uma demissão importante na minha vida.
Precisava do emprego. Época difícil. Brasil sem nada. Andei estados para
conseguir e um fez tudo para me ver pelas costas. Hoje até penso – Quem sabe
merecia?
Quantos tipos passaram por
mim e se foram. Centenas? Milhares? Sei lá! Mas houve muita gente boa. Aos vinte
e um tomei uma sova de quatro vigilantes tentando arrumar um emprego. Uma boa
alma me defendeu. Consegui o emprego graças a um faxineiro de um olho cego que
me protegeu. O paradoxo foi que mais tarde fui promovido a Chefe dos meus
espancadores. Sem vingança. Não cabia ali. Olhe, não fui assim tão santo.
Aprontei algumas. Se arrependo? Acho que sim. Sabe a maior dor que senti? Uma
besteira. Uma bobagem. Jovem ainda nos meus quinze anos vivia em brigas com Zé
Neguinho. Tínhamos brigas homéricas. Eu e ele somente. Nos “muques”. Sempre foi
uma luta limpa. Ele era bom de soco e eu também. Muitas vezes fiquei de olho
roxo. Marcas no corpo. Eu até admirava o Zé Neguinho. Nunca levantou para mim
um porrete, uma pedra nada. Porque doeu? Porque pela primeira vez ele e mais
quatro me cercaram quando ia para casa a noite. Me deram uma tremenda surra.
Um dia perguntei a ele –
Porque Zé? Por quê? Sempre foi eu e você! Ele abaixou a cabeça e me disse –
Sabe Valente (me chamava assim) até hoje me arrependo. Não sei por que fiz
aquilo. A sua maneira foi honesto. Continuamos brigando por muitos anos. Risos.
Mas tive muitas dores em todas as épocas de minha vida. Lembro-me delas hoje
para dizer que não foi nada. Apenas uma passagem na vida para que eu pudesse
aprender. Uma vez quase fui baleado por algum que não fiz. Uma pequena cidade.
Vendendo livros. Eu e mais dois. Um deles metidão. Achava ser o gostoso. Cantou
a mulher do guarda freio. Jantando na pensão, o marido entra com um trinta e
oito na mão e mais dois com ele armados também. Nem conversaram. Abriram fogo.
Pulei a janela e foi pernas prá quem vos quero. Sumi da cidade. Deixei tudo
para trás. Andei mais de vinte quilômetros a pé. Eles também conseguiram se
salvar. O gostosão levou um tiro na “bunda”. Bem feito!
Em uma usina siderúrgica em
tinha um amigo. Não vou dizer o nome. Ele era um operador de alto forno e eu um
programador. A cada três horas havia uma corrida de gusa líquido. Ele e outros
faziam as canaletas na areia para o gusa sair do forno e correr até uma
abertura e cair em um vagão tipo panela. Dai o vagão era levado para a aciaria.
Não se sabe como ele escorregou. Caiu dentro da panela. Gusa liquido. Fervendo.
Um estrondo e ele sumiu. Enterraram um pedacinho do gusa onde ele caiu. No
enterro chorei. Chorei não pelo gusa, mas pelo seu espírito que estava ali.
Sorria eu tinha certeza. Porque estava feliz não sei.
Difícil escrever aqui tudo.
Todas as dores. Foram muitas, mas todas valeram a pena. Se voltasse ao passado
não iria fugir de nenhuma delas. Até mesmo quando o pistoleiro enfiou uma
quarenta e cinco em meus olhos e disse – Respire devagar, para morrer você não
precisa respirar! Deu uma risada, subiu em seu cavalo e sumiu na estrada de
Pirapora. Mas dores são dores. Sei de muitos que tiveram mais que eu. Eu um dia
vou partir. Lá aonde vou não sei se terei tantas dores, mas se tiver que assim
seja. Elas fazem parte da nossa vida!