EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

domingo, 16 de setembro de 2012

A riqueza passou longe de mim.



A riqueza passou longe de mim.

                Dinheiro não trás felicidade. De acordo. Mas ajuda e como ajuda. Não sou rico, nunca fui. Passei perto muitas vezes. Não deu. Claro nunca me faltou o necessário, para isto trabalhei e como trabalhei. Rodei alguns estados, finquei o pé na estrada e como meu suor consegui o sustento da minha família. Não reclamo, nunca reclamei. Sou feliz assim. Lembro que durante o ano de 1960 a 1965 trabalhava na Usiminas, em turnos alternados e por um capricho do destino em uma folga de “oitenta horas” viajei a Belo Horizonte com esposa e um filho aproveitando para um descanso junto aos meus pais que moravam lá. Isto em 1964. Já ia comprar as passagens de retorno quando os militares tomaram o poder em uma revolução que ninguém esperava. Nunca fui de me meter em politica muito menos em escolhas que não me levavam a me manter digno com minhas ideias e escolhas.
         
               Não consegui passagens. Tudo parado. Militares por todo lado. Ônibus, trem estradas, tudo sobre vigilância deles. Só cinco dias depois pude retornar. Trens cheios de militares e prisioneiros. Uma época que bastava você dizer que alguém era contra ou comunista e ia preso. Chegando a Mello Viana município de Coronel Fabriciano onde morava, no ônibus mesmo fiquei sabendo que o Carlos tinha sido preso. Procuraram-me vários dias para prender também. Fiquei apreensivo. Porque seria? Nunca comentei nada sobre politica. Em Mello Viana amigos e o Juiz muito meu amigo, pois participavam do Grupo Escoteiro comentaram comigo o por que. O lenço do grupo. Vermelho e branco. Alguém me “dedurou” como comunista e o Carlos. Fazer o que agora? Fique calmo respondeu o juiz. Ninguém mais apareceu por aqui. Acho que o assunto foi esquecido.
              
                Ao voltar ao trabalho soube do Carlos. Levado para Belo Horizonte. Caramba! Um lenço? Ele só foi solto trinta dias depois. Contava-me chorando o que aconteceu. Queria que dissesse quem era contra o governo novo. Como não sabia de nada arrancaram a alicate uma unha de sua mão. Ele gritou tanto que resolveram soltá-lo. Ele voltou magoado. Afiliou-se a um sindicado. Tentei demovê-lo e nada. Foi preso de novo. Apanhou muito. Mais vinte dias e estava de volta. Durante muitos dias os trens com destino a Belo Horizonte passavam cheio de prisioneiros. Nunca tinha visto nada disto. Alguma coisa estava errada e eu achei que não devia me meter. A esposa era dona de casa, na minha falta seria difícil para ela enfrentar a vida. Amava meu filho e queria ficar junto a ele até minha morte. Saí da Usina um ano depois. O Carlos ainda estava lá. Soube que se tornou uma figura importante no sindicato. Saiu quatro anos depois. No trevo de Juiz de Fora com a Rio Bahia seu carro foi esmagado por uma carreta. Deixou esposa e duas filhas.

                Hoje estou vendo que qualquer um que ficou uns dias preso naquela época recebeu do governo uma indenização. Algumas altas outras nem tanto. O próprio ex-presidente recebeu uma bolada. Teve gente de milhões. Não critico. Não sei o que passaram e quem sabe merecem. Acredito que a família do Carlos deve ter recebido. O destino ninguém conhece. Dizem que fazemos nosso destino. Não sei. Se não tivesse viajado teria sido preso. Na prisão poderia ter sofrido barbaridades ou não. Poderia ter morrido ou não, mas fico pensando se estivesse vivo não teria recebido hoje uma bolada? Seria um dinheiro bem vindo ou maldito? Fico na segunda hipótese. Melhor continuar pobre, mas com a consciência limpa.

                Até hoje não soube quem nos “dedurou” aos militares. Melhor não saber mesmo. Não vale a pena desenterrar defuntos mortos e bem enterrados. O grupo continuou. Vai bem obrigado. Ainda com o lenço vermelho e branco. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós... É isso. E vejam bem, se o destino fosse outro será que estaria cantando como canto até hoje no chuveiro? Ou mesmo vivo e feliz como eu sou? Não sei. Só o destino sabe. Não me meti com essa revolução. Minha preocupação era com minha família. Um emprego. Um salário. Não deixar faltar nada. Outros pensaram diferentes. Cada um escolhe seu caminho e eu escolhi o meu. A paz e a tranquilidade. Se nossa liberdade estava tolhida eu sabia que não iria durar muito tempo. Hoje dizem que somos um país democrático. Acredito. Eu mesmo aqui posso dizer e contar um passado que em outros países sem liberdade não poderia. Mas de uma coisa eu sei. Trabalhei duro. Duro mesmo. Horários impossíveis. Horas extras sem receber. Sábados e domingos também. Valeu? Claro que sim.  
        
                Não sou comunista. Se a palavra significa a distribuição de renda entre todos eu acredito, mas a maneira de se fazer isto tem muitos caminhos. O da ditadura do proletariado não é um deles. Enquanto lutamos para colocar a comida na mesa mesmo neste regime adocicado tem muitos que nas sombras conseguem tirar o que seria de todos. Acredito em Deus. Não sou juiz aqui. Revoltar não é bom. Cada um sabe onde pisa e claro, estes irão infelizmente passar por situações bem piores que hoje. Melhor seguir em frente honestamente. Não sou rico, nunca fui, mas verdadeiramente eu sou feliz!        

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Saudade não tem idade.



Saudade não tem idade.

        De vez em quando me olho no espelho e me pergunto: Quem é você? Risos. Pergunto-me porque morei em tantos lugares, pois deste pequeno até hoje morei por boa parte do Brasil. Fazendo um dia destes uma contagem me perdi nas setenta e quatro. Isto mesmo. A cada mudança uma maneira de ver o mundo, um sorriso aqui e ali, e não se iludam. Tinha e ainda tenho uma cara amarrada e feia. Se estiver naqueles dias cuidado ao se aproximar de mim. Setenta e quatro mudanças, mas acho que ouve muito mais. Ai eu começo a lembrar dos tempos de cada uma destas e como se fosse um filme elas vão passando pela minha mente.
         Vamos ver se consigo lembrar-se de fatos interessantes. Ops! Aqui está um. Dezessete anos. Sem dinheiro e duro. Trabalhando com meu pai, mas naquele galinheiro não tinha ovos com fartura. Tinha um primo. Cesamar. Seis meses mais "Velho". Conseguiu um emprego em uma empreiteira destas que tinham um bloco para asfaltar a Rio Bahia. “Bitelô” (como me chamava) se quiser consigo alguma coisa para você lá. Tire a profissional. Quando estiver com ela vai comigo até o trecho de obras. Não me lembro do nome da Companhia. Acho sem ter muita certeza que era a Techint Engenharia e Construção.
         Não foi difícil. Cheguei de manhã e a tarde estava empregado. Meu primeiro emprego de carteira assinada. Estava orgulhoso. Colocaram-me no Setor do Pessoal. Mas e mal escrevia a maquina. Mas dava para o gasto. O Chefe me disse que eu iria trabalhar no campo. Como apontador de horas. Era um trabalho simples. Durante um dia fiquei com ele na sede da empresa. No terceiro dia entrei em um caminhão caçamba e junto a diversos peões lá fui eu para o trecho. Orgulhoso. Primeiro emprego, dando sorrisos para a “piãozada” e pensei comigo. Breve seremos todos amigos.
          Quarto dia, muitos de cara amarrada comigo. – Porque motivo pensava. Estávamos próximos a Alpercata. Um poeirão dos diabos. Meu trabalho era simples. Verificar em um trecho de cinco quilômetros quem estava trabalhando, quem chegava atrasado ou quem tinha faltado. Não sabia, mas quase ninguém aceitava aquela função. Meu primo também não sabia. Dos anteriores dois foram esfaqueados, um morto e muitos que fugiram para nunca mais voltar. Por quê? Simples, era no salário deles que a gente estava mexendo. Você corta um dia, corta um atraso e o final do mês já sabe.
          Guachura era um moreno forte. Conversava muito comigo. Um dia menos de oito dias trabalhando ele me procurou. Bitelô, melhor se mandar. Neco e outros pretendem brincar de faquinhas em seu corpo. Juram que perderam muito dinheiro desde que você chegou. Tremi. Um medo enorme. Já sabia o que estava acontecendo. Contaram-me no alojamento das Três Marias. Falei com Cesamar ele era igual a mim. Um medo de morrer enorme. Falei com o Chefe do Pessoal. Ele riu e só disse – Calma, mas tenha cuidado. E todos lá na sala deram belas risadas.
           Cheguei atrasado ao trecho. Nem bem desci da caminhonete e eis que Guachura e mais cinco se aproximaram. Guachura levava nas mãos uma enorme faca, faca? Que isso, era uma enorme peixeira. Joguei a prancheta neles e aprontei uma correria infernal. Duvidava que me pegassem. Era bom corredor. Corri mais de cinco quilômetros e para descansar entrei na mata e lá fiquei até escurecer. Sai e meia hora depois cheguei em Alpercata. Peguei um ônibus para minha cidade. Medroso? Sou sim. Morrer para que? De morte morrida vá lá mas de morte matada não é mole.
           Cesamar uma semana depois trouxe meu dinheiro, minha mala e minha carteira já dado baixa. Carteira Profissional nova, dez dias e já dado baixa pode? Para mim sim. Ficar lá e ser estrepado por um punhal é que não ia dar. A vida vale muito para ser jogada pela janela. Mas não foi só essa vez que por um triz não me estrepei. Acho que Deus me ajudou e muito. Voces já sabem que fui um gerente de uma enorme fazenda. Coisa boa. O melhor emprego que já tive. Pena que só durou seis anos. Mas valeu.
            Estava no escritório. Um enorme galpão. Enorme meio. Para ter ideia eram quatro divisões de mais ou menos cento quarenta metros quadrados. Uma eu fazia de escritório e almoxarifado. Outra estoca milho. E olhe, vinte caminhões não dava para carregar ele todo. Minha casa ficava a uns cem metros dentro de um pequeno bosque. Manuel um dos vaqueiros veio correndo a cavalo. – Seu Osvaldo, um caminhão vindo da fazendo do senhor Manezinho está roubando muitos mourões pelo trecho que passam. Aqui vi eles pegarem um dez. algumas cercas foram derrubadas.
             E agora? Tinha fama de mau. Mau? Risos. Só fama. Tinha comprado um revolver do senhor Jacinto, um fazendeiro vizinho. Nunca tive uma arma. Nunca pensei em ter. Mas pensei comigo, mesmo que nunca houve nenhum roubo, nenhum crime aqui, estava com minha família e na sede não tem mais ninguém. As casas dos empregados ficavam longe. Mais de dois quilômetros. Divirto-me lembrar que comprei uma caixa de balas. Fui até a Larguinha, em uma elevação, coloquei duas latas de um litro de óleo vazias tomei distancia (mais ou menos dez metros). Esqueci de dizer, era um Colt calibre 38. Fui bom no fuzil quando estava no exercito mas fora isto nunca usei uma arma. Gastei uma dez balas e nenhuma acertou nas latas. Voltei para casa e guardei a arma no Escritório.
             Tinha que interceptar o caminhão. Não havia outro jeito. Que Deus me ajude. Peguei a arma e nem olhei se estava carregada. Pensei em chamar uns dois vaqueiros ou quem sabe os tratoristas. Não tinha ninguém na hora. Não dava tempo. Ou corria lá agora ou eles iriam levar todo produto do roubo. Peguei a C-10 cortei caminho pelo tanque d’água. Trecho ruim mas os pegaria na curva da onça. Entrei na estrada principal, pertencente à fazenda e logo vi o caminhão vindo em minha direção. Parei no meio da estrada. Não dava para eles passarem. Desci da caminhonete com a arma na cintura.
             Que merda! Mais de seis homens na carroceria e três na boleia. E agora José? Não tinha jeito. Pedi ao motorista para descer. Ele não disse nada. Os demais da boleia também desceram. Da carroceria ficaram todos. – Joguem todos os mourões que voces pegaram aqui. Agora e já! Só Deus sabia como eu estava. Olharam uns para os outros. Firmei uma mão na coronha do revolver. O motorista mandou jogar. Não eram dez, tinha mais de vinte! – Vou tirar meu carro e voces podem ir. Nunca mais poderão usar esta estrada. Se precisarem vão a pé até a sede e peçam.
            Entrei no carro morrendo de medo. Encostei e eles passaram. Fui atrás até que passaram pela porteira de entrada. Meu coração estava em disparada. Voltei à sede. Manezinho estava lá. – Seu Osvaldo, o senhor foi macho mesmo! Olhei para ele. – Eu estava lá. Fui a minha casa e peguei meu 32. Eles não me viram ou se viram obedeceram mais rápido. E começou a dar risadas que só ele sabia dar. Celia e os meninos não souberam ao que estava havendo. À noite contei. Ela ficou preocupada. - E agora marido? Eles podem te pegar em Pirapora. – Seja o que Deus quiser. Amanhã mesmo procuro o Delegado Fontoura. Ele saberá o que fazer. O Delegado era amigo. Um dos poucos que deixava pescar na fazenda e não escondia que a comida da Célia era uma das melhores. Sempre jantava conosco.
             Bem não houve nada mais através dos tempos. Fiquei lá por mais alguns anos e parti. Minha vida de andarilho. Uma proposta aqui outra ali lá ia eu embora. Arranchei-me em São Paulo. Tem tempo. Quanto tempo mais? Agora até o fim da vida. Não dá mais para aceitar desafios. São coisas da vida. Vida? Bem a minha foi assim. Um dia aqui outro ali e vivi feliz em todos estes anos. Dizem que saudade não tem idade e eu acredito. Não tem mesmo. Quem vive muito tem muitas lembranças. Quem vive pouco não vai lembrar de nada. E que assim seja!