A riqueza passou longe de mim.
Dinheiro
não trás felicidade. De acordo. Mas ajuda e como ajuda. Não sou rico, nunca fui.
Passei perto muitas vezes. Não deu. Claro nunca me faltou o necessário, para isto
trabalhei e como trabalhei. Rodei alguns estados, finquei o pé na estrada e
como meu suor consegui o sustento da minha família. Não reclamo, nunca reclamei.
Sou feliz assim. Lembro que durante o ano de 1960 a 1965 trabalhava na Usiminas,
em turnos alternados e por um capricho do destino em uma folga de “oitenta
horas” viajei a Belo Horizonte com esposa e um filho aproveitando para um
descanso junto aos meus pais que moravam lá. Isto em 1964. Já ia comprar as
passagens de retorno quando os militares tomaram o poder em uma revolução que ninguém
esperava. Nunca fui de me meter em politica muito menos em escolhas que não me
levavam a me manter digno com minhas ideias e escolhas.
Não
consegui passagens. Tudo parado. Militares por todo lado. Ônibus, trem estradas,
tudo sobre vigilância deles. Só cinco dias depois pude retornar. Trens cheios
de militares e prisioneiros. Uma época que bastava você dizer que alguém era
contra ou comunista e ia preso. Chegando a Mello Viana município de Coronel
Fabriciano onde morava, no ônibus mesmo fiquei sabendo que o Carlos tinha sido
preso. Procuraram-me vários dias para prender também. Fiquei apreensivo. Porque
seria? Nunca comentei nada sobre politica. Em Mello Viana amigos e o Juiz muito
meu amigo, pois participavam do Grupo Escoteiro comentaram comigo o por que. O
lenço do grupo. Vermelho e branco. Alguém me “dedurou” como comunista e o
Carlos. Fazer o que agora? Fique calmo respondeu o juiz. Ninguém mais apareceu
por aqui. Acho que o assunto foi esquecido.
Ao voltar
ao trabalho soube do Carlos. Levado para Belo Horizonte. Caramba! Um lenço? Ele
só foi solto trinta dias depois. Contava-me chorando o que aconteceu. Queria
que dissesse quem era contra o governo novo. Como não sabia de nada arrancaram
a alicate uma unha de sua mão. Ele gritou tanto que resolveram soltá-lo. Ele
voltou magoado. Afiliou-se a um sindicado. Tentei demovê-lo e nada. Foi preso
de novo. Apanhou muito. Mais vinte dias e estava de volta. Durante muitos dias
os trens com destino a Belo Horizonte passavam cheio de prisioneiros. Nunca
tinha visto nada disto. Alguma coisa estava errada e eu achei que não devia me
meter. A esposa era dona de casa, na minha falta seria difícil para ela enfrentar
a vida. Amava meu filho e queria ficar junto a ele até minha morte. Saí da
Usina um ano depois. O Carlos ainda estava lá. Soube que se tornou uma figura
importante no sindicato. Saiu quatro anos depois. No trevo de Juiz de Fora com
a Rio Bahia seu carro foi esmagado por uma carreta. Deixou esposa e duas
filhas.
Hoje estou
vendo que qualquer um que ficou uns dias preso naquela época recebeu do governo
uma indenização. Algumas altas outras nem tanto. O próprio ex-presidente
recebeu uma bolada. Teve gente de milhões. Não critico. Não sei o que passaram
e quem sabe merecem. Acredito que a família do Carlos deve ter recebido. O destino
ninguém conhece. Dizem que fazemos nosso destino. Não sei. Se não tivesse viajado
teria sido preso. Na prisão poderia ter sofrido barbaridades ou não. Poderia
ter morrido ou não, mas fico pensando se estivesse vivo não teria recebido hoje
uma bolada? Seria um dinheiro bem vindo ou maldito? Fico na segunda hipótese.
Melhor continuar pobre, mas com a consciência limpa.
Até hoje
não soube quem nos “dedurou” aos militares. Melhor não saber mesmo. Não vale a
pena desenterrar defuntos mortos e bem enterrados. O grupo continuou. Vai bem obrigado.
Ainda com o lenço vermelho e branco. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre
nós... É isso. E vejam bem, se o destino fosse outro será que estaria cantando
como canto até hoje no chuveiro? Ou mesmo vivo e feliz como eu sou? Não sei. Só
o destino sabe. Não me meti com essa revolução. Minha preocupação era com minha
família. Um emprego. Um salário. Não deixar faltar nada. Outros pensaram diferentes.
Cada um escolhe seu caminho e eu escolhi o meu. A paz e a tranquilidade. Se
nossa liberdade estava tolhida eu sabia que não iria durar muito tempo. Hoje
dizem que somos um país democrático. Acredito. Eu mesmo aqui posso dizer e
contar um passado que em outros países sem liberdade não poderia. Mas de uma
coisa eu sei. Trabalhei duro. Duro mesmo. Horários impossíveis. Horas extras
sem receber. Sábados e domingos também. Valeu? Claro que sim.
Não sou
comunista. Se a palavra significa a distribuição de renda entre todos eu
acredito, mas a maneira de se fazer isto tem muitos caminhos. O da ditadura do
proletariado não é um deles. Enquanto lutamos para colocar a comida na mesa
mesmo neste regime adocicado tem muitos que nas sombras conseguem tirar o que
seria de todos. Acredito em Deus. Não sou juiz aqui. Revoltar não é bom. Cada
um sabe onde pisa e claro, estes irão infelizmente passar por situações bem
piores que hoje. Melhor seguir em frente honestamente. Não sou rico, nunca fui,
mas verdadeiramente eu sou feliz!