A festa
Junina no sertão.
Nestes meses de frio, de
inverno, pipocam por todo lado às festas juninas. Cada uma mais bela que a
outra. As do nordeste são especiais. Eu gosto delas mais para tomar um ponche,
comer batata doce, pipoca, quentão e tantas guloseimas mais. As cidades do
interior se enfeitam com bandeirolas, as quadrilhas são preparadas para não
fazer feio, o delegado sempre é escolhido pelo seu maior bigode. E o padre que
vai celebrar o casamento? Tem que ter cara de padre. Risos. O pai da nova
agarrado na espingarda velha como a dizer: - Ou casa ou morre! A menina com seu
vestidinho de chita, véu e grinalda toda serelepe esperando seu amado para lhe
beijar e alianças lhe dar. Há um pensamento vago ou abstrato que assim é nossa
população da roça. Muitos fomentam que no passado era assim e a festa junina
além de divertida traz boas lembranças de nosso folclore.
Nunca esqueci a primeira
festa junina que fui quando Gerente de uma fazenda em Pirapora Minas Gerais. Trabalhei
lá por quase cinco anos, campeando, varando estradas vicinais a cavalo, comprando
e levando gado para o nosso rebanho. Foi divertido, mas não pensem que eu era
um entendido em fazenda. Não era não. Mesmo com minha vivencia Escoteira tive
que aprender a montar, a arriar uma mula, uma égua e um bom cavalo manga-larga,
ou um crioulo, ou mesmo um quarto de milha simples. Eram quase dez mil cabeças
de gado. Fazenda de cria recria e engorda. Quando lá cheguei não sabia
distinguir uma res ou um garrote macho ou femea nos seus quatro ou cinco meses
de vida. Mas a vida era maravilhosa, quando na primeira vez vi o nascimento de
um potrinho e de um bezerrinho me entusiasmei. Achei que nunca mais iria sair
daquela vida do sertão.
Mas voltemos à festa junina
no sertão. O Seu Geraldo “Veio” era homem simples. Fazendeiro, sua fazenda
fazia divisa com a Fazenda da Líder que eu gerenciava. Era um fazendeiro a moda
antiga, sempre pitando seu cigarrinho e nunca disse não quando era época da
vacinação contra aftosa. Dava um trabalhão danado. Não era fácil, campear o
gado na área da mata das largas e na baixada dos Rios das Velhas e São
Francisco, vacinar e levar para outra larga durante um mês inteiro era trabalho
duro. Os dois filhos do seu Geraldo Veio eram homens sempre prestativos. Nilo
era o mais letrado, mas bom de campeio. Nós tínhamos nove vaqueiros e três
tratoristas. Todo mundo caia no campeio no mês da vacinada. Seu Geraldo tinha
três filhos sendo uma moça já casada. Ela que morava na cidade convenceu seu
pai a fazer uma festa junina no terreiro da casa sede onde ele morava. O boato
correu de boca em boca. Festança na fazenda do Seu Geraldo “Veio”. Foi um tal
de preparação da vaqueirada, da moçada da roça, até Antônio Vaqueiro e Chico
Pousada fizeram um terno. Simples é claro, mas diziam no convite que todos
deveriam estar a caráter.
Muita gente me procurou para
saber o que era o tal de vestir a caráter. Ao meu modo expliquei que era uma
festa na roça e todo mundo deveria vestir como um homem do campo, um roceiro.
Mas quá acho que não entenderam muito bem. Eu Célia e os meninos chegamos na
fazenda do Seu Geraldo Veio lá pela oito da noite. Pouca gente da cidade, mas
todos com a cara sardenta, pintada, homens de roupas rasgadas, costuradas,
chapéu de palha solta, gravatas esquisitas e os roceiros da redondeza assustados.
Eles diferente, as moças que moravam na roça estavam de calça jeans, cabelos
escovados, sapatos nos trinques e os homens a maioria de terno ou de camisa de
manga comprida, calça de Jeans ou de tergal. Todos muito bem apresentados. As
caminhonetes de Pirapora e Várzea da Palma começaram a chegar, centenas de
pessoas das duas cidades. Até de Montes Claros e Várzea da Palma veio gente. Os
comes e bebes rolando para todo lado. A turma da roça sempre olhando para o
povo da cidade e se perguntando: - Onde arrumaram estas roupas.
Eu mesmo tirei um tempinho
para olhar melhor, os da cidade pareciam os da roça e os da roça da cidade. Um
paradoxo não? Foi então que cheguei à conclusão que a festa estava deslocada,
teria de ser na cidade e não na roça. A festa foi até às duas da manhã com Seu
Geraldo de saco cheio porque ninguém queria ir embora. Sua filha o chamando de
mal educado. Ele cansado, lascou seu trinta e oito e deu quatro tiros para
cima. A “carraiada” das duas cidades cheia de gente se mandaram dali. Logo a
festa acabou. O povo da roça rindo. No dia seguinte muitos me perguntando se os
tiros eram para valer naquelas festas da cidade. Festas da cidade... Pensava
que era da roça. A gente aprende e desaprende. Não esqueço a moçada da roça
vendo a dança da quadrilha. Uma cutucou a Célia? O que é isto Dona Celia?
Quadrilha Mocinha. Na roça dançam assim. Ela olhou para a Célia espantada.
Morava na roça e nunca vira aquilo.
Na fazenda do Seu Geraldo
Veio nunca mais aconteceu uma festa junina. Nas redondezas também não. Na
fazenda da Líder eu sabia que o diretor não ia aprovar. O que ele gostava era
de pescar com linhada na lagoa e levar para casa uns cinco pintados e uns
outros tantos de surubim. Adorava também me chamar para descer o rio das Velhas
até o Velho Chico (Rio São Francisco). Adorava ver a correnteza e a gente no
barco a motor da fazenda descia quilômetros e quilômetros voltando à noitinha. Fiquei
gerenciando a fazenda por quase cinco anos, foram os melhores anos da minha
vida. A falta de perspectivas de boas escolas para meus filhos me fizeram vir
para São Paulo. Celia e os meninos vieram dois meses antes. Quando no último
dia da minha vivencia naquelas terras, já com meus bagulhos na Variante, meus
dois pastores alemães acomodados na parte de trás, olhei para o morro do Guaçu,
o único que fazia divisa com a fazenda. Fiz minha saudação Escoteira, lágrimas
caíram e fui embora para nunca mais voltar.