EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

domingo, 12 de julho de 2015

A festa Junina no sertão.

                   Nestes meses de frio, de inverno, pipocam por todo lado às festas juninas. Cada uma mais bela que a outra. As do nordeste são especiais. Eu gosto delas mais para tomar um ponche, comer batata doce, pipoca, quentão e tantas guloseimas mais. As cidades do interior se enfeitam com bandeirolas, as quadrilhas são preparadas para não fazer feio, o delegado sempre é escolhido pelo seu maior bigode. E o padre que vai celebrar o casamento? Tem que ter cara de padre. Risos. O pai da nova agarrado na espingarda velha como a dizer: - Ou casa ou morre! A menina com seu vestidinho de chita, véu e grinalda toda serelepe esperando seu amado para lhe beijar e alianças lhe dar. Há um pensamento vago ou abstrato que assim é nossa população da roça. Muitos fomentam que no passado era assim e a festa junina além de divertida traz boas lembranças de nosso folclore.

                   Nunca esqueci a primeira festa junina que fui quando Gerente de uma fazenda em Pirapora Minas Gerais. Trabalhei lá por quase cinco anos, campeando, varando estradas vicinais a cavalo, comprando e levando gado para o nosso rebanho. Foi divertido, mas não pensem que eu era um entendido em fazenda. Não era não. Mesmo com minha vivencia Escoteira tive que aprender a montar, a arriar uma mula, uma égua e um bom cavalo manga-larga, ou um crioulo, ou mesmo um quarto de milha simples. Eram quase dez mil cabeças de gado. Fazenda de cria recria e engorda. Quando lá cheguei não sabia distinguir uma res ou um garrote macho ou femea nos seus quatro ou cinco meses de vida. Mas a vida era maravilhosa, quando na primeira vez vi o nascimento de um potrinho e de um bezerrinho me entusiasmei. Achei que nunca mais iria sair daquela vida do sertão.

                   Mas voltemos à festa junina no sertão. O Seu Geraldo “Veio” era homem simples. Fazendeiro, sua fazenda fazia divisa com a Fazenda da Líder que eu gerenciava. Era um fazendeiro a moda antiga, sempre pitando seu cigarrinho e nunca disse não quando era época da vacinação contra aftosa. Dava um trabalhão danado. Não era fácil, campear o gado na área da mata das largas e na baixada dos Rios das Velhas e São Francisco, vacinar e levar para outra larga durante um mês inteiro era trabalho duro. Os dois filhos do seu Geraldo Veio eram homens sempre prestativos. Nilo era o mais letrado, mas bom de campeio. Nós tínhamos nove vaqueiros e três tratoristas. Todo mundo caia no campeio no mês da vacinada. Seu Geraldo tinha três filhos sendo uma moça já casada. Ela que morava na cidade convenceu seu pai a fazer uma festa junina no terreiro da casa sede onde ele morava. O boato correu de boca em boca. Festança na fazenda do Seu Geraldo “Veio”. Foi um tal de preparação da vaqueirada, da moçada da roça, até Antônio Vaqueiro e Chico Pousada fizeram um terno. Simples é claro, mas diziam no convite que todos deveriam estar a caráter.

                Muita gente me procurou para saber o que era o tal de vestir a caráter. Ao meu modo expliquei que era uma festa na roça e todo mundo deveria vestir como um homem do campo, um roceiro. Mas quá acho que não entenderam muito bem. Eu Célia e os meninos chegamos na fazenda do Seu Geraldo Veio lá pela oito da noite. Pouca gente da cidade, mas todos com a cara sardenta, pintada, homens de roupas rasgadas, costuradas, chapéu de palha solta, gravatas esquisitas e os roceiros da redondeza assustados. Eles diferente, as moças que moravam na roça estavam de calça jeans, cabelos escovados, sapatos nos trinques e os homens a maioria de terno ou de camisa de manga comprida, calça de Jeans ou de tergal. Todos muito bem apresentados. As caminhonetes de Pirapora e Várzea da Palma começaram a chegar, centenas de pessoas das duas cidades. Até de Montes Claros e Várzea da Palma veio gente. Os comes e bebes rolando para todo lado. A turma da roça sempre olhando para o povo da cidade e se perguntando: - Onde arrumaram estas roupas.

                 Eu mesmo tirei um tempinho para olhar melhor, os da cidade pareciam os da roça e os da roça da cidade. Um paradoxo não? Foi então que cheguei à conclusão que a festa estava deslocada, teria de ser na cidade e não na roça. A festa foi até às duas da manhã com Seu Geraldo de saco cheio porque ninguém queria ir embora. Sua filha o chamando de mal educado. Ele cansado, lascou seu trinta e oito e deu quatro tiros para cima. A “carraiada” das duas cidades cheia de gente se mandaram dali. Logo a festa acabou. O povo da roça rindo. No dia seguinte muitos me perguntando se os tiros eram para valer naquelas festas da cidade. Festas da cidade... Pensava que era da roça. A gente aprende e desaprende. Não esqueço a moçada da roça vendo a dança da quadrilha. Uma cutucou a Célia? O que é isto Dona Celia? Quadrilha Mocinha. Na roça dançam assim. Ela olhou para a Célia espantada. Morava na roça e nunca vira aquilo.


                    Na fazenda do Seu Geraldo Veio nunca mais aconteceu uma festa junina. Nas redondezas também não. Na fazenda da Líder eu sabia que o diretor não ia aprovar. O que ele gostava era de pescar com linhada na lagoa e levar para casa uns cinco pintados e uns outros tantos de surubim. Adorava também me chamar para descer o rio das Velhas até o Velho Chico (Rio São Francisco). Adorava ver a correnteza e a gente no barco a motor da fazenda descia quilômetros e quilômetros voltando à noitinha. Fiquei gerenciando a fazenda por quase cinco anos, foram os melhores anos da minha vida. A falta de perspectivas de boas escolas para meus filhos me fizeram vir para São Paulo. Celia e os meninos vieram dois meses antes. Quando no último dia da minha vivencia naquelas terras, já com meus bagulhos na Variante, meus dois pastores alemães acomodados na parte de trás, olhei para o morro do Guaçu, o único que fazia divisa com a fazenda. Fiz minha saudação Escoteira, lágrimas caíram e fui embora para nunca mais voltar.