As
dificuldades são como a brisa, elas chegam se vão e deixam saudades.
A cena marcou minha mente e nunca mais
esqueci. Seria digna de um filme, mas não foi. Demitido, sem sonhos futuros, em
um caminhão Ford antigo, eu Celia e o Jan meu primeiro filho ali na boléia,
comendo um pão com mortadela, em uma estrada de terra indo para um futuro que
não existia. Jan com um ano sorrindo, olhei para ele e pensei: - Você só vê sua
imagem em um lago se a água estiver parada. O que significa? Foi preciso eu
olhar para ele para imaginar que a vida não seria tão ruim como prometia. Mas
vamos voltar no tempo para entender tudo. Só vivendo é que aprendemos que nada
é para sempre, e nem sempre tudo não tem uma razão de ser.
1965 peão de obra na Usiminas, quase
quatro anos na luta em trabalho de turno, boca do forno, anotando, saltando e
correndo para entregar em uma locomotiva um ferro gusa derretido na Aciaria e
fui surpreendido com minha demissão. Até então achava que iria terminar meus
últimos dias como Usineiro. Mas uma tal de Booz Allen
Hamilton, uma empresa contratada para reestruturar o efetivo humano
não perdoou 2.000 funcionários que tinham sonhos como eu. Era uma época onde
não podíamos acreditar em amizades ou será que podíamos? A usina não demitia
viva voz. Retirava o cartão da chapeira e você então tremia quando chegava ou
ia sair. Chegou a minha hora! Todos sabiam que isto quando acontecia era para procurar
o Departamento de Pessoal. Má notícia na certa. Cheguei ao ponto do trabalho,
desci do caminhão lonado com mais de cem homens em cima, fui direto para bater
o ponto. Em volta muitos vendo quem seriam os felizardos da noite. Quando viram
que eu fora escolhido riram e fizeram piadinhas.
Levei um
choque. Doeu e como doeu. Uma experiência amarga que não desejo a ninguém. Minha
vez? O jeito era pegar o caminhão de volta com a turma que saia a meia noite.
Celia iria levar um susto. Eu e ela já tínhamos pensando nesta possibilidade.
Muitos já haviam sido demitidos, mas achei que eu não iria sair assim de uma
hora para outra. Ninguém dos meus amigos de turno veio me consolar. Todos
sabiam que o corte era “bravo”. Quem sabe no dia seguinte seria a vez deles.
Voltei. Planos na viagem? Não tinha a mínima ideia. Cheguei a casa por volta de
uma da manhã. Celia dormia. Tinha que contar para ela. Choramos juntos.
Custamos a chegar até ali na Candagolândia. Um bairro da Usiminas. Casas de
dois cômodos sem banheiro, telha de amianto, em volta mais quatro casas que
usavam de um banheiro e lavatório ao ar livre. Para mim um castelo, pois antes
morei em dois cômodos fechados de taboas, em um barracão de uma empreiteira que
achamos estar abandonado.
Nunca
reclamei, pois achava tudo normal. Dois anos de casado, um filho maravilhoso
que nos fazia sorrir sempre. O salário pequeno, mas dava para sobreviver comprando
na Cooperativa da Usina. O rio próximo me abastecia de peixes. Carne só duas ou
três vezes por mês. Não tínhamos geladeira, nenhum eletrodoméstico, um fogão
simples de quatro boca a gás comprado com sacrifício e uma poltrona simples
azul com cinco prestações paga. Faltava ainda mais cinco. Esperei o dia
amanhecer e na minha bicicleta fui até o Departamento de Pessoal. – Senhor,
para que possamos pagar sua indenização tem de desocupar a casa. Por favor,
devolva a identidade e o cartão de compras da cooperativa. – Mas sem ele como
vamos comer? Não tive resposta. Ir para onde? Como tirar tudo da casa se não
tinha para onde ir? No bolso menos de vinte reais de hoje. Fui até o centro de
Ipatinga, liguei para minha mãe. Ela disse – Venha para cá. Tem um quartinho
nos fundos. Você pode ficar lá.
Precisava
de um caminhão para levar minhas bugigangas. Não tinha como pagar. Um amigo
aqui e outro ali e ninguém tinha para me emprestar. Eu sabia que o medo de
todos era eu ir e nunca voltar para pagar as contas devidas. – Seu Nonato,
tenho cinco prestações pagas das poltronas. Faltam cinco. Ela está novinha. O
senhor pode ver e confirmar. Tenho que devolver, mas não daria para pelo menos
me devolver duas prestações? Eu perderia só três! – Nada feito. Ele sabia que
podia ganhar mais na devolução. Foi comigo em casa buscar. Confiar? Nunca. E
agora José o que fazer? Ninguém tinha para me emprestar. Meus amigos chefes Escoteiros
desapareceram. Na prateleira arroz e feijão para cinco dias. Sentando na porta
da minha casa triste e pesaroso não sabia o que fazer – Seu Osvaldo! Olhei, era
o João Bunda. Apelido que todos gostavam de chamá-lo e ele não se incomodava. Era
um simples manobrista de vagões na usina. Caladão, uma enorme cicatriz no rosto
quem sabe feita por uma faca. Ele pouco falava. Morava perto da minha casa.
Mulher e três filhos. Homem simples sem afetação.
Olhe,
sei que está passando por poucas e boas, quero ajudar. Quanto precisa
emprestado? – Olhei João Bunda com lágrimas nos olhos. Tinha ali um amigo que
nunca pensei que fosse. Fiz uns cálculos ele saiu e voltou com a quantia pedida.
– João, palavra de Escoteiro e perante a Deus que volto para receber minha indenização
e pago com juros. – Nem pensar juros. Confio no senhor. Falar o que? No dia
seguinte fui embora. Meus amigos Escoteiros ou não que achava do peito não apareceram.
João Bunda me ajudou a carregar a mudança. Usiminas Belo Horizonte. João Bunda
foi o único que visitei quando retornei para receber minha indenização. Divida
paga. Não aceitou um tostão a mais. Hoje seria quem sabe viagem de 3 a 4 horas
até Belo Horizonte. Naquela época estrada cheia de curva, sem asfalto, muita poeira,
quase oito horas de viagem. Deu fome. Paramos num bar de estrada. Tinha mortadela.
Comprei quatrocentas gramas. Oito pães. Quatro grapetes. Sorrisos na boléia, o
fordeco comendo a estrada. E a história final? Sobrevivi. O mundo gira e eu
girei com ele. Mas nunca mais esqueci aquela boléia, comendo pão com mortadela,
Celia me olhando pensando qual seria nosso futuro, Jan sorrindo com a viagem.
Sorrisos inocentes de uma criança que sabia que os pais velariam pelo seu
futuro.