Amigos,
amigos negócios a parte.
Só pela mão
de Deus me senti salvo.
Difícil separar os amigos dos negócios.
Sem perceber nós vamos nos envolvendo de tal maneira que quando precisamos dar
um basta ou um passo atrás se torna impossível. Sempre me disseram que os que
sobem na vida, dão certo em suas profissões ou mesmo nas suas realizações
souberam separar os amigos para não misturar-se aos negócios. Mas hoje me
lembrei que me meti em uma aventura que quase perdi a vida. A vida? Isto mesmo.
Escapei por pouco. Aconteceu a muitos e muitos anos. Lá por volta do final da
década de cinquenta. Poucos anos, procurando empregado, difícil de encontrar.
Todos os dias vestindo um terno surrado, comprando o Estado de Minas, varrendo
as ofertas, andando a pé, pois o dinheiro era curto para ônibus e eis que me
tornei um vendedor. Isto mesmo. Vendedor de Livros. Os chefões me disseram que
eu iria vender as maiores enciclopédias do mundo. A Delta Larousse e Barsa.
Havia outras, mas não tão famosas.
Uma semana de treinamento. Mais de
vinte interessados. Para dizer a verdade eu nunca me considerei bom vendedor.
Minha “lábia” era desacreditada. Minha apresentação não era lá estas coisas. E
meu terno coitado, surrado de anos de uso. Só tinha um. Mas lá fui eu com a
cara e coragem de quem precisa trabalhar e sustentar uma família. Rodamos
varias cidades de Minas Gerais. Dom Silvério, Barra Longa e Ponte Nova. Duas
semanas e eu não vendi nada. Os outros vendiam a rodo e eu não. Éramos quatro
tendo dois mais antigos nas andanças com os livros embaixo do braço. Marinho
(nome fictício) era o responsável. Vendedor emérito, bom de bico, me lembrava
John Travolta em os Embalos de sábado à noite. O cara era bom mesmo. Sempre em
cada cidade dez ou quinze enciclopédias britânicas. Não era barato. Íamos em
sua Rural Willis zero quilometro. Linda. Ele contando seus casos. Gente boa e
falante.
A coisa complicou em uma cidade
ferroviária, entroncamento entre a Central do Brasil e a Vale do Rio Doce. A
chegada era a mesma. Ele percorria com sua Rural as ruas da cidade e bom para
memorizar dizia – Você fica com esta e esta e você... Assim distribuído íamos
procurar uma pensão para alojarmos. Eu gostava das pensões, sempre uma senhora
simpática, uma cozinheira de primeira e eu sempre sem nenhum tostão. No
primeiro dia bati de porta em porta. Afinal ali moravam só ferroviários e eles
tinham fama de ganhar bem. Primeiro dia, necas. Segundo dia uma senhora se
interessou. Disse que ia falar com o marido. Animei-me. Quem sabe ali seria
minha primeira venda? Sai de sua casa sorrindo e como era tarde voltei para a
pensão. Um banho, uma bermuda, um jantar supimpa e quem sabe uma pracinha para
ver as mocinhas do lugar.
Estávamos os quatro na mesa
jantando. Marinho como sempre falando e falando. Desta vez contando que entrou
uma casa, uma linda senhorinha de baby dool e ele não perdeu tempo. Como dizia
sempre – Papei gostoso! E ria. Nem sei o que elas viam nele, apesar do seu
estilo Travoltiano e sua conversa fiada ele “papava” mesmo a mulherada. Estava
quase terminando quando vi em minha frente um senhor alto, de bigode espesso,
carregando uma espingarda enorme. Ao lado dele outro com um revolver na mão. Um
deles gritou quem era o Marinho. Ninguém falou nada. Um silêncio sepulcral na
mesa. Olhei para o Marinho e ele levantou sorrindo e dando o requebrado do
Travolta. Acho que ele copiou do filme. – Quem quer falar com o Marinho? Gritou
baixinho como se fosse um chefão armado até os dentes.
- É você? Seu filho da puta! Fale,
é você? Marinho viu que a coisa estava preta, chutou a cadeira e saiu correndo
pulando pela janela. – O do Revolver gritou – Mate todos, não deixa escapar
nenhum! – Cacete! A coisa ficou feia, vi alguém dando um tiro e nem sei como
pulei a janela com uma saraiva de balas atrás de mim. Corri mais que veado da
onça. Entrei logo em um matagal que era mais capim colonião e me cortava todo. Abaixei-me
e fiquei ali sem respirar. Eles passavam perto e um aperto no coração dizia que
eu ia desta para melhor. Não podia morrer morrer por quê? Não fiz nada! Pensei.
Quando se acalmou um pouco voltei no escuro até a pensão. Entrei no meu quarto
peguei minha mala e sumi dali. Andei a pé a noite toda e pela madrugada cheguei
em outra estação. Esperei o trem e voltei para minha cidade. Escapei por pouco.
E o que tinha acontecido com os
demais? Dois dias depois fui na empresa saber e pedir minhas contas. Contas?
Não tinha nada para receber. Ainda bem que não me cobraram nada. Fiquei sabendo
que Martinho e os demais escaparam ilesos. Ele deixou lá sua Rural zero e
alguém da firma foi buscar depois. Pagou a pensão e trouxe todas as malas dos
demais. – E dai? Perguntei. Porque o cara queria matar a gente? – Marinho
Osvaldo, ele “papou” uma jovem recém-casada. Ela não podia ter filhos, pois
tinha o útero de criança. Ia ser operada. O danado nem se deu por
arrependimento. Entrava e saia da casa da mocinha como se fosse seu bordel
particular. Seu marido era um respeitado engenheiro da estrada de ferro. Vocês
escaparam por pouco. Pois é. Achei que dai em diante minha vida de cacheiro
viajante tinha acabado. Vender? Nunca vendi nada. Hoje me lembro que eles não
eram tão amigos assim. Ninguém me procurou depois para saber o que aconteceu
comigo.
Como dizem por aí - Amigos amigos, negócios
a parte. Mas cá prá nós, era um negocio e dizer que tínhamos amizade era um
tremendo de um papo furado. Escapei por pouco e nunca mais voltei àquela
cidade.