EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
Celia, 49 anos de felicidade. Não sei viver sem ela

sábado, 12 de julho de 2014

Amigos, amigos negócios a parte. Só pela mão de Deus me senti salvo.


Amigos, amigos negócios a parte.
Só pela mão de Deus me senti salvo.

        Difícil separar os amigos dos negócios. Sem perceber nós vamos nos envolvendo de tal maneira que quando precisamos dar um basta ou um passo atrás se torna impossível. Sempre me disseram que os que sobem na vida, dão certo em suas profissões ou mesmo nas suas realizações souberam separar os amigos para não misturar-se aos negócios. Mas hoje me lembrei que me meti em uma aventura que quase perdi a vida. A vida? Isto mesmo. Escapei por pouco. Aconteceu a muitos e muitos anos. Lá por volta do final da década de cinquenta. Poucos anos, procurando empregado, difícil de encontrar. Todos os dias vestindo um terno surrado, comprando o Estado de Minas, varrendo as ofertas, andando a pé, pois o dinheiro era curto para ônibus e eis que me tornei um vendedor. Isto mesmo. Vendedor de Livros. Os chefões me disseram que eu iria vender as maiores enciclopédias do mundo. A Delta Larousse e Barsa. Havia outras, mas não tão famosas.

          Uma semana de treinamento. Mais de vinte interessados. Para dizer a verdade eu nunca me considerei bom vendedor. Minha “lábia” era desacreditada. Minha apresentação não era lá estas coisas. E meu terno coitado, surrado de anos de uso. Só tinha um. Mas lá fui eu com a cara e coragem de quem precisa trabalhar e sustentar uma família. Rodamos varias cidades de Minas Gerais. Dom Silvério, Barra Longa e Ponte Nova. Duas semanas e eu não vendi nada. Os outros vendiam a rodo e eu não. Éramos quatro tendo dois mais antigos nas andanças com os livros embaixo do braço. Marinho (nome fictício) era o responsável. Vendedor emérito, bom de bico, me lembrava John Travolta em os Embalos de sábado à noite. O cara era bom mesmo. Sempre em cada cidade dez ou quinze enciclopédias britânicas. Não era barato. Íamos em sua Rural Willis zero quilometro. Linda. Ele contando seus casos. Gente boa e falante.

             A coisa complicou em uma cidade ferroviária, entroncamento entre a Central do Brasil e a Vale do Rio Doce. A chegada era a mesma. Ele percorria com sua Rural as ruas da cidade e bom para memorizar dizia – Você fica com esta e esta e você... Assim distribuído íamos procurar uma pensão para alojarmos. Eu gostava das pensões, sempre uma senhora simpática, uma cozinheira de primeira e eu sempre sem nenhum tostão. No primeiro dia bati de porta em porta. Afinal ali moravam só ferroviários e eles tinham fama de ganhar bem. Primeiro dia, necas. Segundo dia uma senhora se interessou. Disse que ia falar com o marido. Animei-me. Quem sabe ali seria minha primeira venda? Sai de sua casa sorrindo e como era tarde voltei para a pensão. Um banho, uma bermuda, um jantar supimpa e quem sabe uma pracinha para ver as mocinhas do lugar.

            Estávamos os quatro na mesa jantando. Marinho como sempre falando e falando. Desta vez contando que entrou uma casa, uma linda senhorinha de baby dool e ele não perdeu tempo. Como dizia sempre – Papei gostoso! E ria. Nem sei o que elas viam nele, apesar do seu estilo Travoltiano e sua conversa fiada ele “papava” mesmo a mulherada. Estava quase terminando quando vi em minha frente um senhor alto, de bigode espesso, carregando uma espingarda enorme. Ao lado dele outro com um revolver na mão. Um deles gritou quem era o Marinho. Ninguém falou nada. Um silêncio sepulcral na mesa. Olhei para o Marinho e ele levantou sorrindo e dando o requebrado do Travolta. Acho que ele copiou do filme. – Quem quer falar com o Marinho? Gritou baixinho como se fosse um chefão armado até os dentes.

            - É você? Seu filho da puta! Fale, é você? Marinho viu que a coisa estava preta, chutou a cadeira e saiu correndo pulando pela janela. – O do Revolver gritou – Mate todos, não deixa escapar nenhum! – Cacete! A coisa ficou feia, vi alguém dando um tiro e nem sei como pulei a janela com uma saraiva de balas atrás de mim. Corri mais que veado da onça. Entrei logo em um matagal que era mais capim colonião e me cortava todo. Abaixei-me e fiquei ali sem respirar. Eles passavam perto e um aperto no coração dizia que eu ia desta para melhor. Não podia morrer morrer por quê? Não fiz nada! Pensei. Quando se acalmou um pouco voltei no escuro até a pensão. Entrei no meu quarto peguei minha mala e sumi dali. Andei a pé a noite toda e pela madrugada cheguei em outra estação. Esperei o trem e voltei para minha cidade. Escapei por pouco.

            E o que tinha acontecido com os demais? Dois dias depois fui na empresa saber e pedir minhas contas. Contas? Não tinha nada para receber. Ainda bem que não me cobraram nada. Fiquei sabendo que Martinho e os demais escaparam ilesos. Ele deixou lá sua Rural zero e alguém da firma foi buscar depois. Pagou a pensão e trouxe todas as malas dos demais. – E dai? Perguntei. Porque o cara queria matar a gente? – Marinho Osvaldo, ele “papou” uma jovem recém-casada. Ela não podia ter filhos, pois tinha o útero de criança. Ia ser operada. O danado nem se deu por arrependimento. Entrava e saia da casa da mocinha como se fosse seu bordel particular. Seu marido era um respeitado engenheiro da estrada de ferro. Vocês escaparam por pouco. Pois é. Achei que dai em diante minha vida de cacheiro viajante tinha acabado. Vender? Nunca vendi nada. Hoje me lembro que eles não eram tão amigos assim. Ninguém me procurou depois para saber o que aconteceu comigo.


               Como dizem por aí - Amigos amigos, negócios a parte. Mas cá prá nós, era um negocio e dizer que tínhamos amizade era um tremendo de um papo furado. Escapei por pouco e nunca mais voltei àquela cidade.